Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6208486-72.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
22/07/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 24/07/2020
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. COMPROVADO IMPEDIMENTO DE
LONGO PRAZO. MISERABILIDADE DEMONSTRADA. TERMO INICIAL. CORREÇÃO
MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- Com relação à deficiência, afirmou o esculápio encarregado do exame, com base no exame
clínico e análise da documentação médica apresentada, que o periciando de 1 ano e 11 meses é
portador de encefalopatia crônica não progressiva, causada por meningite viral. Esclareceu o
expert que "sofreu infecção grave do sistema nervoso central, com múltiplas complicações da
doença. Tal evento mórbido ocorreu em faixa etária de pleno desenvolvimento neuro-psico-motor,
fato que causou ao periciando enorme prejuízo neurológico e cognitivo, inclusive com sequelas
permanentes. Nesse sentido, podemos dizer que no momento, é completamente dependente dos
cuidados da mãe e familiares para quaisquer atividades básicas da vida diária, requer
acompanhamento multiprofissional complexo e seu estado de saúde inspira cuidados
permanentes devido sua fragilidade. Não é possível definir qual será no futuro o seu grau de
desenvolvimento final e como será classificada sua funcionalidade na vida adulta caso sobreviva
até lá, no entanto podemos dizer que haverá sempre um grau de comprometimento envolvido."
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
(fls. 146 – id. 74108784 – pág. 5). Assim, comprovado o impedimento de longo prazo.
III- No estudo social elaborado em 29/3/18, verificou-se, a princípio, que as necessidades básicas
do requerente estavam sendo supridas pelo núcleo familiar. Tanto a genitora como o genitor
possuíam vínculos de trabalho formais, em se tratando de casal jovem, sendo presumível crer
que os bens que guarnecem o lar foram adquiridos pelo trabalho conjunto de ambos. Ocorre que,
com a patologia do demandante, uma nova realidade socioeconômica instalou-se no núcleo
familiar. O veículo automotor fez-se necessário para deslocamentos às consultas médicas e aos
tratamentos com equipe multidisciplinar de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional. A
genitora deixou o emprego para dedicar-se exclusivamente ao filho, sendo a remuneração
recebida pelo genitor a única renda do núcleo familiar, insuficiente para prover as necessidades
básicas do requerente, que se encontra em fase de crescimento, cujos gastos tendem a se
elevar, caso consiga sobreviver e chegar à vida adulta. Pela análise de todo o conjunto probatório
dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-se demonstrado no presente feito. Cumpre
salientar que o amparo social deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa disposição
legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
IV- No que tange ao termo inicial, verifica-se que a alteração da situação fática do núcleo familiar
ocorreu após a cessação do auxílio doença "parental" recebido pela genitora, motivo pelo qual
deve ser fixado a partir de 4/10/18, excepcionalmente, na hipótese em comento.
V- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os posicionamentos firmados na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos
a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. A taxa de juros deve incidir de acordo
com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação
dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
VI- A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera
condignamente o serviço profissional prestado. No que se refere à sua base de cálculo,
considerando que o direito pleiteado pela parte autora foi reconhecido somente no Tribunal,
adota-se o posicionamento do C. STJ de que os honorários devem incidir até o julgamento do
recurso nesta Corte, in verbis: "Nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça, o
marco final da verba honorária deve ser o decisum no qual o direito do segurado foi reconhecido,
que no caso corresponde ao acórdão proferido pelo Tribunal a quo." (AgRg no Recurso Especial
nº 1.557.782-SP, 2ª Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, j. em 17/12/15, v.u., DJe
18/12/15).
VII- Apelação da parte autora provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6208486-72.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: E. D. F. G.
REPRESENTANTE: TAMARA ADRIANA FERRARI
Advogado do(a) APELANTE: MARCO ANTONIO DE MORAIS TURELLI - SP73062-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6208486-72.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: E. D. F. G.
REPRESENTANTE: TAMARA ADRIANA FERRARI
Advogado do(a) APELANTE: MARCO ANTONIO DE MORAIS TURELLI - SP73062-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR):Trata-se de ação
ajuizada em 9/11/17 em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à concessão
do benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de
serpessoa portadora de deficiênciae não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-
la provida por sua família. Pleiteia, ainda, a fixação do termo inicial na data do requerimento
administrativo, bem como a tutela de urgência.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita, e indeferida a
antecipação dos efeitos da tutela.
O Juízoa quo, em 30/8/19, julgouimprocedenteo pedido, sob o fundamento de que não foi
comprovada a hipossuficiência do núcleo familiar. Condenou o requerente ao pagamento de
honorários advocatícios, fixados estes em 10% sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade.
Sem condenação em custas e despesas processuais.
Inconformada, apelou a parte autora, sustentando em síntese:
- haver sido comprovado o requisito da deficiência de longo prazo, consoante a conclusão da
perícia judicial e
- que o critério objetivo da renda familiar não pode ser interpretado de forma restritiva, e, uma vez
superado o limite, devem ser levados em consideração outros elementos para a comprovação da
miserabilidade, em obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal a fls. 208/222 (id. 129170739 – págs. 1/15), opinando pelo
provimento do recurso do autor.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6208486-72.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: E. D. F. G.
REPRESENTANTE: TAMARA ADRIANA FERRARI
Advogado do(a) APELANTE: MARCO ANTONIO DE MORAIS TURELLI - SP73062-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Dispõe o art.
203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das
atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como
incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover,
por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre
registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para
prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203, V, da Constituição
Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do
referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, para a comprovação do requisito da deficiência, foi realizada perícia judicial em 23/5/18,
tendo sido elaborado o respectivo parecer técnico e juntado a fls. 144/148 (id. 108381244 – págs.
1/5). Afirmou o esculápio encarregado do exame, com base no exame clínico e análise da
documentação médica apresentada, que o periciando de 1 ano e 11 meses é portador de
encefalopatia crônica não progressiva, causada por meningite viral. Esclareceu o expert que
"sofreu infecção grave do sistema nervoso central, com múltiplas complicações da doença. Tal
evento mórbido ocorreu em faixa etária de pleno desenvolvimento neuro-psico-motor, fato que
causou ao periciando enorme prejuízo neurológico e cognitivo, inclusive com sequelas
permanentes. Nesse sentido, podemos dizer que no momento, é completamente dependente dos
cuidados da mãe e familiares para quaisquer atividades básicas da vida diária, requer
acompanhamento multiprofissional complexo e seu estado de saúde inspira cuidados
permanentes devido sua fragilidade. Não é possível definir qual será no futuro o seu grau de
desenvolvimento final e como será classificada sua funcionalidade na vida adulta caso sobreviva
até lá, no entanto podemos dizer que haverá sempre um grau de comprometimento envolvido."
(fls. 146 – id. 74108784 – pág. 5). Assim, comprovado o impedimento de longo prazo.
Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 29/3/18, data em que o
salário mínimo era de R$ 954,00) demonstra que o autor reside com a genitora Tamara Adriani
Ferrari Gomes, de 26 anos, e o genitor Marciano da Silva Gomes, de 28 anos, em casa alugada,
revestida de laje, com piso frio, em bom estado de conservação, higiene e limpeza, constituída
por cinco cômodos, sendo 2 quartos, sala, cozinha e banheiro, guarnecida por mobília simples e
conservada, e aparelhos eletrodomésticos/eletrônicos como TV, fogão, micro-ondas, geladeira e
computador. A família possui o veículo quitado modelo Fox ano 2007, e houve gasto com cadeira
de rodas, já quitado. A família recebeu por um período de dois meses auxílio com cesta básica
por meio da Secretaria de Promoção Social do Município de Laranjal Paulista. Não é beneficiária
de programas sociais. Segundo relato da genitora do autor à assistente social, "Elias foi
diagnosticado com Encefalite Viral ficando internado por dois meses na UNESP/Botucatu e
também na Santa Casa local. Atualmente, utiliza (de) traqueostomia e sonda nasoenteral; não
apresenta fala e utiliza de cadeira de rodas para locomoção; realiza acompanhamento médico na
UNESP e atendimento no ambulatório da APAE nas especialidades de Fisioterapia,
Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional. Devido o(ao) quadro grave de Elias, sua genitora deixou o
trabalho formal para cuidar exclusivamente do filho e, portanto, por ser segurada do INSS,
solicitou auxílio doença "parental" o qual foi concedido judicialmente pelo prazo de quatro meses.
Em conversa com Tamara, a mesma informou que estará pedindo prorrogação, com novo
agendamento na agência do INSS deste município para 23/05/2018. Desde o diagnóstico do
autor, a Secretaria Municipal de Saúde está fornecendo os equipamentos e materiais, entre eles
fraldas, remédios, ambulância para atendimento médico e terapêutico e alimentação para sonda
nasoenteral, oferecendo suporte essencial para a família. Tamara declarou que compra apenas
dois pacotes de fraldas, já que os dez pacotes fornecidos pelo município não estão sendo
suficientes" (fls. 119/120 – id. 108381224 – págs. 3/4). A renda mensal familiar é proveniente da
remuneração recebida pelo genitor na função de auxiliar de mecânico, no valor de R$ 1.300,00,
além de uma cesta básica, e do auxílio doença "parental" recebido pela genitora, no valor de R$
1.157,00, gerando um montante de R$ 2.457,00. Os gastos mensais totalizam R$ 1.544,00,
sendo R$ 600,00 em aluguel, R$ 400,00 em alimentação/higiene, R$ 45,00 em água/esgoto, R$
134,00 em energia elétrica, R$ 65,00 em gás, R$ 100,00 em fraldas e R$ 200,00 em
gasolina/transporte. A assistente social asseverou que a renda foi superior aos gastos, porém,
caso não seja prorrogado o auxílio doença, a renda poderá ficar insuficiente para suprir as
necessidades do autor.
O julgamento foi convertido em diligência para que o INSS informasse a continuidade do
recebimento pela genitora do autor do auxílio doença "parental", tendo sido comunicada sua
cessação, por decisão judicial, com pagamento até 3/10/18 (fls. 186/187 – id. 108381259 – págs.
1/2).
Necessário ponderar que se trata de casal jovem, tendo convolado núpcias em 7/12/13, com o
nascimento do requerente em 24/5/16, consoante documentos de fls. 38 e 41 (id. 108381194 –
págs. 2 e 5).
Ademais, verifica-se dos extratos do CNIS acostados aos autos a fls. 89 (id. 108381204 – pág. 8)
que Tamara possuía registro trabalho desde 6/7/09 até 14/12/16, ao passo que Marciano iniciou
vínculo formal desde 15/8/06, perdurando até o presente momento (fls. 223 – id. 129170739 –
pág. 16), sendo presumível crer que os bens que guarnecem o lar foram adquiridos pelo trabalho
conjunto de ambos.
Ocorre que, com a patologia do demandante, uma nova realidade socioeconômica instalou-se no
núcleo familiar. O veículo automotor fez-se necessário para deslocamentos às consultas médicas
e aos tratamentos com equipe multidisciplinar de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia
ocupacional. A genitora deixou o emprego para dedicar-se exclusivamente ao filho, sendo a
remuneração recebida pelo genitor a única renda do núcleo familiar, insuficiente para prover as
necessidades básicas do requerente, que se encontra em fase de crescimento, cujos gastos
tendem a se elevar, caso consiga sobreviver e chegar à vida adulta.
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da hipossuficiência
encontra-se comprovado.
Cumpre salientar que o amparo social deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa
disposição legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
Ressalto, ainda, ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada com
qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica,
nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de execução do
julgado os pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.
No que tange ao termo inicial, verifica-se que a alteração da situação fática do núcleo familiar
ocorreu após a cessação do auxílio doença "parental" recebido pela genitora, motivo pelo qual
deve ser fixado a partir de 4/10/18, excepcionalmente, na hipótese em comento.
Quadra consignar que os pagamentos das diferenças pleiteadas já realizadas pela autarquia na
esfera administrativa devem ser deduzidos na fase de execução do julgado.
A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora.
Com relação aos índices de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os
posicionamentos firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema
810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o
IPCA-E nos processos relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários.
Quadra ressaltar haver constado expressamente do voto do Recurso Repetitivo que "a adoção do
INPC não configura afronta ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de
repercussão geral (RE 870.947/SE). Isso porque, naquela ocasião, determinou-se a aplicação do
IPCA-E para fins de correção monetária de benefício de prestação continuada (BPC), o qual se
trata de benefício de natureza assistencial, previsto na Lei 8.742/93. Assim, é imperioso concluir
que o INPC, previsto no art. 41-A da Lei 8.213/91, abrange apenas a correção monetária dos
benefícios de natureza previdenciária." Outrossim, como bem observou o E. Desembargador
Federal João Batista Pinto Silveira: "Importante ter presente, para a adequada compreensão do
eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência – INPC e IPCA-
E tiveram variação muito próxima no período de julho de 2009 (data em que começou a vigorar a
TR) e até setembro de 2019, quando julgados os embargos de declaração no RE 870947 pelo
STF (IPCA-E: 76,77%; INPC 75,11), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões
judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação." (TRF-
4ª Região, AI nº 5035720-27.2019.4.04.0000/PR, 6ª Turma, v.u., j. 16/10/19).
A taxa de juros deve incidir de acordo com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-F
da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera condignamente
o serviço profissional prestado, nos termos do art. 85 do CPC/15 e precedentes desta Oitava
Turma.
No que se refere à sua base de cálculo, considerando que o direito pleiteado pela parte autora foi
reconhecido somente no Tribunal, passo a adotar o posicionamento do C. STJ de que os
honorários devem incidir até o julgamento do recurso nesta Corte, in verbis: "Nos termos da
Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça, o marco final da verba honorária deve ser o
decisum no qual o direito do segurado foi reconhecido, que no caso corresponde ao acórdão
proferido pelo Tribunal a quo." (AgRg no Recurso Especial nº 1.557.782-SP, 2ª Turma, Relator
Ministro Mauro Campbell Marques, j. em 17/12/15, v.u., DJe 18/12/15).
Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte autora para condenar o INSS a conceder o
benefício assistencial a partir de 4/10/18, acrescido de correção monetária, juros moratórios e
honorários advocatícios na forma acima explicitada.
É o meu voto.
A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA. Com a devida licença do Excelentíssimo
Senhor Relator, peço vênia para divergir no presente caso.
O benefício de prestação continuada é “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”, conforme disposto no art. 203, inciso V,
da Constituição Federal, e regulamentado pelos arts. 20 a 21-A, da Lei n.º 8.742/1993.
A legislação exige a presença cumulativa de dois requisitos para a concessão do benefício.
Primeiro, o requerente deve, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos (art. 20,
caput, da Lei n.º 8.742/1993) ou ser deficiente, isto é, deter “impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras,
pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas (art. 20, § 2.º).
Segundo, o beneficiário deve comprovar situação de miserabilidade, caracterizada pela
inexistência de condições econômicas para prover o próprio sustento ou tê-lo provido por alguém
da família, consoante art. 20, § 3.º. da Lei n.º 8.742/1993 – dispositivo objeto de declaração
parcial de inconstitucionalidade, pela qual firmou o Supremo Tribunal Federal que “sob o ângulo
da regra geral, deve prevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º, da Lei nº
8.742/93”, mas “Ante razões excepcionais devidamente comprovadas, é dado ao intérprete do
Direito constatar que a aplicação da lei à situação concreta conduz à inconstitucionalidade,
presente o parâmetro material da Carta da República, qual seja, a miserabilidade, assim
frustrando os princípios observáveis – solidariedade, dignidade, erradicação da pobreza,
assistência aos desemparados” sendo que “Em tais casos, pode o Juízo superar a norma legal
sem declará-la inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames constitucionais” (STF,
Plenário, RE n.º 567.985, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, 2.10.2013).
No que diz respeito à deficiência, o relatório médico inserido sob Id. 108381244, informa que a
parte autora foi portadora de meningite viral, sendo que “sofreu infecção grave do sistema
nervoso central, com múltiplas complicações da doença”, “evento mórbido [que] ocorreu em faixa
etária de pleno desenvolvimento neuro-psico-motor, fato que causou ao periciando enorme
prejuízo neurológico e cognitivo, inclusive com sequelas permanentes”.
Considerando-se a patologia comprovada via laudo pericial, conclui-se que o quadro apresentado
se ajusta ao de impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial
exigido pela legislação, restando presente, portanto, o requisito do art. 20, § 2., da Lei n.º
8.742/1993, nos termos do voto do Excelentíssimo Senhor Relator.
Quanto ao requisito da miserabilidade, de acordo com o relatório social de Id. 108381224,
verificou-se que a parte autora reside com sua mãe, Tamara Adriani Ferrari Gomes, e seu pai,
Marciano da Silva Gomes.
Quanto à renda familiar, consta dos autos que o genitor da parte autora percebia, mensalmente, à
época da realização do estudo social, R$ 1.300,00 e uma cesta básica pelo exercício do trabalho
formal de auxiliar de mecânico, no qual empregado até o momento; por sua vez, a genitora
recebia auxílio-doença parental no valor de R$ 1.157,00, cujo pagamento, nos termos de
diligência superveniente, restou cessado em 3.10.2018. Informações mais atualizadas constantes
dos autos revelam que o patamar remuneratório do genitor alcança, já em 2020, valores em torno
de R$ 1.700,00.
Os gastos mensais abrangem aluguel (R$ 600,00), alimentação / higiene (R$ 400,00), água (R$
45,00), gás (R$ 65,00), energia elétrica (R$ 134,00), fraudas (R$ 100,00) e gasolina / transporte
(R$ 200,00).
Quanto à residência, segundo relatado, trata-se de “imóvel alugado em bom estado de
conservação, higiene e limpeza”; a “moradia é composta por 05 cômodos: 02 quartos, 01 sala, 01
cozinha e 01 banheiro, possuindo energia elétrica, agua encanada, localizado em rua
pavimentada”; ademais, o “imóvel é revestido de laje, o chão é de piso frio, com mobília simples e
conservada”; há “01 TV, 01 fogão, 01 micro-ondas, 01 geladeira e 01 computador”.
Ademais, o núcleo familiar dispõe de automóvel.
Cumpre assinalar, por fim, que o tratamento da parte é realizado via “acompanhamento médico
na UNESP e tratamento no ambulatório da APAE nas especialidades Fisioterapia, Fonoaudiologia
e Terapia Ocupacional”, ausente notícia de custos a esse respeito.
Nesse sentido, e, parafraseando o entendimento consignado pela Excelentíssima Senhora
Desembargadora Federal Daldice no âmbito da Apelação Cível de registro n.º 6078022-
57.2019.4.03.9999, trazida a julgamento em 18/3/2020, “a despeito do teor do RE n. 580.963
(STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013 – repercussão geral), não
há que se falar em hipossuficiência no caso”.
Ademais, “se o critério da baixa renda não é ‘taxativo’, pode ser levado em conta tanto para a
concessão quanto para o indeferimento do pleito”.
Por isso que “a regra contida no § 3º do artigo 20 da LOAS não pode ser reduzida ao critério
matemático, cabendo a aferição individual da situação socioeconômica”.
Veja-se, quanto ao mais, do voto proferido por Sua Excelência no feito acima mencionado:
“(...) diante do entendimento consagrado por ocasião do julgamento do RE n. 580963, abriu-se a
possibilidade de exclusão, do cálculo da renda familiar, dos benefícios assistenciais recebidos por
idosos e por deficientes e também dos benefícios previdenciários concedidos ao idoso, no valor
de até um salário mínimo.
A decisão concluiu, ainda, que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode
resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos nos quais, embora o limite legal de
rendaper capitaseja ultrapassado, evidencia-se um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não apenas das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da
Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas
assistenciais destinados a famílias carentes, considera pobres aqueles que possuem renda
mensalper capitade até meio salário mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/1997,
regulamentada pelos Decretos n. 2.609/1998 e 2.728/1999, as Portarias n. 458 e 879, de
03/12/2001, da Secretaria da Assistência Social, o Decreto n. 4.102/2002, a Lei n. 10.689/2003,
criadora do Programa Nacional de Acesso à Alimentação).
Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993 como
absoluto e único para aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado
Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Deve-se verificar, na questãoin concreto, a ocorrência de situação de pobreza – entendida como
a falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial –, para se concluir se é devida ou não a
prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Assim, ao menos desde 14/11/2013 (RE n. 580963), o critério da miserabilidade contido no § 3º
do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de
identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem
presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com
educação.
Nesse diapasão, podem-se estabelecer alguns parâmetros norteadores da análise individual de
cada caso, como, por exemplo:(i)todos os que recebem renda familiarper capitainferior a ¼ do
salário mínimo são miseráveis;(ii)nem todos os que percebem renda familiarper capitasuperior a
¼ do salário mínimo e inferior a ½ salário mínimo são miseráveis;(iii)nem todos os que percebem
renda familiarper capitasuperior a ½ salário mínimo deixam de ser miseráveis;(iv)todos os que
perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da Constituição
Federal) não são miseráveis.
Dessa forma, em todos os casos, outras circunstâncias devem ser levadas em conta, mormente
se o patrimônio do requerente também se subsome à noção de hipossuficiência, devendo ser
apurado se vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones
celulares, auxílio permanente de parentes ou de terceiros etc.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer aos desamparados (artigo 6º,caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que nem sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico,
pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.”
Do exposto, constata-se que a parte autora reside com familiares em imóvel alugado, denotando-
se que o sustento do núcleo familiar é provido por seu genitor, que tem vínculo de emprego
formal, havendo, portanto, no núcleo familiar, indivíduo capaz de provê-lo com seu trabalho,
responsabilizando-se pelas despesas de seus membros com salário superior ao mínimo.
Ressalte-se, a esse respeito, que o objetivo do benefício assistencial não é complementar a
renda, mas fornecer o mínimo àqueles que vivem em situação verdadeiramente indigna, cuja
precariedade coloca em risco a própria sobrevivência, exigindo-se, para tanto, a constatação de
extrema vulnerabilidade – o que não é o caso dos autos.
O quadro apresentado, dessa forma, não se ajusta ao de miserabilidade exigido pelo diploma
legal a que se fez menção acima.
De rigor, portanto, o indeferimento do benefício, porquanto não comprovado um dos requisitos
indispensáveis à sua concessão.
Posto isso, divirjo do Excelentíssimo Senhor Relator, para negar provimento à apelação.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. COMPROVADO IMPEDIMENTO DE
LONGO PRAZO. MISERABILIDADE DEMONSTRADA. TERMO INICIAL. CORREÇÃO
MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- Com relação à deficiência, afirmou o esculápio encarregado do exame, com base no exame
clínico e análise da documentação médica apresentada, que o periciando de 1 ano e 11 meses é
portador de encefalopatia crônica não progressiva, causada por meningite viral. Esclareceu o
expert que "sofreu infecção grave do sistema nervoso central, com múltiplas complicações da
doença. Tal evento mórbido ocorreu em faixa etária de pleno desenvolvimento neuro-psico-motor,
fato que causou ao periciando enorme prejuízo neurológico e cognitivo, inclusive com sequelas
permanentes. Nesse sentido, podemos dizer que no momento, é completamente dependente dos
cuidados da mãe e familiares para quaisquer atividades básicas da vida diária, requer
acompanhamento multiprofissional complexo e seu estado de saúde inspira cuidados
permanentes devido sua fragilidade. Não é possível definir qual será no futuro o seu grau de
desenvolvimento final e como será classificada sua funcionalidade na vida adulta caso sobreviva
até lá, no entanto podemos dizer que haverá sempre um grau de comprometimento envolvido."
(fls. 146 – id. 74108784 – pág. 5). Assim, comprovado o impedimento de longo prazo.
III- No estudo social elaborado em 29/3/18, verificou-se, a princípio, que as necessidades básicas
do requerente estavam sendo supridas pelo núcleo familiar. Tanto a genitora como o genitor
possuíam vínculos de trabalho formais, em se tratando de casal jovem, sendo presumível crer
que os bens que guarnecem o lar foram adquiridos pelo trabalho conjunto de ambos. Ocorre que,
com a patologia do demandante, uma nova realidade socioeconômica instalou-se no núcleo
familiar. O veículo automotor fez-se necessário para deslocamentos às consultas médicas e aos
tratamentos com equipe multidisciplinar de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional. A
genitora deixou o emprego para dedicar-se exclusivamente ao filho, sendo a remuneração
recebida pelo genitor a única renda do núcleo familiar, insuficiente para prover as necessidades
básicas do requerente, que se encontra em fase de crescimento, cujos gastos tendem a se
elevar, caso consiga sobreviver e chegar à vida adulta. Pela análise de todo o conjunto probatório
dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-se demonstrado no presente feito. Cumpre
salientar que o amparo social deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa disposição
legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
IV- No que tange ao termo inicial, verifica-se que a alteração da situação fática do núcleo familiar
ocorreu após a cessação do auxílio doença "parental" recebido pela genitora, motivo pelo qual
deve ser fixado a partir de 4/10/18, excepcionalmente, na hipótese em comento.
V- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os posicionamentos firmados na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos
a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. A taxa de juros deve incidir de acordo
com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação
dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
VI- A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera
condignamente o serviço profissional prestado. No que se refere à sua base de cálculo,
considerando que o direito pleiteado pela parte autora foi reconhecido somente no Tribunal,
adota-se o posicionamento do C. STJ de que os honorários devem incidir até o julgamento do
recurso nesta Corte, in verbis: "Nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça, o
marco final da verba honorária deve ser o decisum no qual o direito do segurado foi reconhecido,
que no caso corresponde ao acórdão proferido pelo Tribunal a quo." (AgRg no Recurso Especial
nº 1.557.782-SP, 2ª Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, j. em 17/12/15, v.u., DJe
18/12/15).
VII- Apelação da parte autora provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no
julgamento, a Oitava Turma, por maioria, decidiu dar provimento à apelação, nos termos do voto
do Relator, com quem votaram os Desembargadores Federais Luiz Stefanini, David Dantas e
Batista Gonçalves, vencida a Desembargadora Federal Therezinha Cazerta, que lhe negava
provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
