Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
0001071-80.2016.4.03.6006
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
05/08/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 07/08/2020
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. COMPROVADO IMPEDIMENTO DE
LONGO PRAZO. MISERABILIDADE DEMONSTRADA. TERMO INICIAL. CORREÇÃO
MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- Com relação à deficiência, afirmou o esculápio encarregado do exame no parecer técnico, que
o autor de 1 ano, desde o nascimento ocorrido em 7/11/15 "apresentou algumas alterações
congênitas, onde passou por duas cirurgias corretivas devido a atresia de esôfago e hérnia
inguinal. Conforme análise de exames e laudos anexado ao processo apresenta disfunção
cardíaca e pulmonar associada porem sem laudo de especialista específico, o tratamento segue
de modo conservador conforme medicações demonstradas em receita do SUS onde encontra
rodas essas medicações sistema único de saúde. No momento conforme citado discorrer de
sequelas porem terão que ser avaliadas conforme seu desenvolvimento. No presente momento
não apresenta disfunção de incompatibilidade com a vida, apresenta com boa saúde o tratamento
em andamento, onde transcorre na condução especialista, sendo de fundamental importância o
acompanhamento da equipe multiprofissional para o fortalecimento e restabelecimento total".
Concluiu não se enquadrar no conceito de deficiência contido no art. 1º do Decreto nº 6.949/09
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
(Convenção de Nova York), mesmo apresentando uma malformação palatina, pois "estabelece
tratamento cirúrgico corretivo onde terá um futuro igualitário tendo várias pessoas hoje várias
pessoas (sic) com mesma deficiência já estabelecida no mercado de trabalho".
III- Ocorre que, no próprio laudo pericial a fls. 62 (id 128228233 – pág. 16), consta ilustração e
lista de principais complicações advindas da atresia de esôfago com fístula distal, a saber: 1.
Transbordamento (crise de cianose), 2. Regurgitação (salivação aerada), 3. Passagem de suco
gástrico para traquéia e brônquios, 4. Pneumonia por aspiração e 5. Comunicação entre traquéia
e esôfago (ar no estômago e intestinos). Ademais, em resposta ao quesito referente ao grau de
deficiência e a dificuldade imposta para a busca do sustento próprio por meio de trabalho,
enfatizou o expert, como citado anteriormente, que "o autor terá um futuro igualitário, porém hoje
uma criança onde terá um longo tratamento e acompanhamento, para uma busca futura de uma
reabilitação satisfatória, tendo várias pessoas hoje com mesma deficiência já reabilitada na vida
adulta e estabelecida no mercado de trabalho". Há que se registrar, ainda, os relatórios firmados
pelo médico assistente especialista, datados de 6/7/16 e 20/10/17, juntados a fls. 26 (id.
128228232 – pág. 23) e 104 (id. 128228234 – pág. 6), atestando a impossibilidade atual de a
genitora exercer atividade laborativa remunerada, em razão dos cuidados que o filho inspira, 24
(vinte e quatro) horas por dia. Considerando tratar-se de criança nascida em berço não
privilegiado, não havendo que se cogitar de contratação de cuidadores especializados, mas sim
de constatar a inviabilidade de sua colocação em creche pública, em razão da demanda de
cuidados específicos, com horários para ingestão de medicamentos, trocas de sondas, etc.,
forçoso concluir que no presente momento, encontra-se comprovado o impedimento de longo
prazo, superior a 2 (dois) anos, e em consequência, imposto à sua genitora e representante legal,
para participar em igualdade de condições com outros indivíduos na sociedade.
IV- Pela análise de todo o conjunto probatório apresentado nos autos, o requisito da
hipossuficiência encontra-se demonstrado. O estudo social elaborado em 15/2/17 revela que o
requerente Miguel, de 1 (um) ano, reside com a genitora Fátima da Silva Gonçalves, de 36 anos,
e a meia irmã Camila, de 14 anos e estudante, em casa alugada de alvenaria, de tamanho médio,
constituída de três dormitórios, sala, cozinha, banheiro e uma área nos fundos, todos os cômodos
com forro, telha de barro, e chão de piso frio. O imóvel é guarnecido por móveis e
eletrodomésticos básicos, em bom estado de uso e conservação. Segundo a assistente social a
renda mensal do núcleo familiar correspondente a R$ 518,00 (quinhentos e dezoito reais), sendo
R$ 70,00 das diárias que a genitora realiza uma vez por semana, totalizando o valor mensal de
R$ 280,00, a pensão recebida do genitor do filho Miguel, no valor de R$ 200,00, e de R$ 38,00 do
programa bolsa família. O CRAS faz doação mensal de cesta básica. Os gastos mensais
totalizam R$ 593,00, sendo R$ 300,00 em aluguel, R$ 42,00 em água/esgoto, R$ 41,00 em
energia elétrica, R$ 60,00 em gás, R$ 150,00 em farmácia. Apesar de receber doação de fraldas,
vestuário e calçados por parentes e vizinhos, muitas vezes o núcleo familiar permanece como
devedor. Miguel faz tratamento pelo SUS, muitos dos medicamentos são obtidos por via judicial,
porém, outros são comprados.
V- O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo formulado
em 23/5/16.
VI- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os posicionamentos firmados na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos
a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. A taxa de juros deve incidir de acordo
com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação
dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
VII- A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera
condignamente o serviço profissional prestado. No que se refere à sua base de cálculo,
considerando que o direito pleiteado pela parte autora foi reconhecido somente no Tribunal,
adota-se o posicionamento do C. STJ de que os honorários devem incidir até o julgamento do
recurso nesta Corte, in verbis: "Nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça, o
marco final da verba honorária deve ser o decisum no qual o direito do segurado foi reconhecido,
que no caso corresponde ao acórdão proferido pelo Tribunal a quo." (AgRg no Recurso Especial
nº 1.557.782-SP, 2ª Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, j. em 17/12/15, v.u., DJe
18/12/15).
VIII- Apelação da parte autora provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0001071-80.2016.4.03.6006
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: M. G. D. S.
Advogado do(a) APELANTE: THAYSON MORAES NASCIMENTO - MS17829-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0001071-80.2016.4.03.6006
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: M. G. D. S.
Advogado do(a) APELANTE: THAYSON MORAES NASCIMENTO - MS17829-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em 12/7/16 em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à
concessão do benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o
fundamento de ser pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família. Pleiteia que o termo inicial seja fixado a partir do
requerimento administrativo, em 23/5/16, bem como a tutela de urgência.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita, e indeferida a
antecipação dos efeitos da tutela.
Parecer do Ministério Público Federal atuante em 1º grau, a fls. 108/109 (id. 128228234 – pág. 6),
manifestando-se pela improcedência do pedido.
O Juízo a quo, em 24/9/18, julgou improcedente o pedido, sob o fundamento da ausência de
comprovação do requisito da deficiência. Condenou o demandante ao pagamento de custas
processuais e honorários advocatícios, fixados estes no percentual mínimo do § 3º, do art. 85, do
CPC/15, de acordo com o inciso correspondente ao valor atualizado da causa, observando o § 4º,
inciso II, e § 5º, por ocasião da apuração do montante a ser pago, ficando, contudo, suspensa a
exigibilidade, nos termos do art. 98, § 3º, do mesmo estatuto processual.
Inconformada, apelou a parte autora, sustentando em síntese:
- haver acostado aos autos relatórios médicos em que foi atestada sua incapacidade, por ser
portador de diversas patologias, com o uso de medicamentos e prognósticos de realização de
novas cirurgias futuras, sendo que a genitora não consegue arcar com o alto custo de sua
aquisição ou exercer atividade laborativa, em razão dos cuidados que necessita, 24 horas por dia
e
- a impossibilidade de suprir as necessidades básicas do núcleo familiar, tendo sido preenchido o
requisito da miserabilidade.
- Requer a reforma da R. sentença, para ser julgado procedente o pedido, concedendo o amparo
assistencial a partir do pedido administrativo.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
O Ministério Público Federal de 2º grau, a fls. 144/150 (id. 131391533 – págs. 1/7), deixou de
manifestar sobre o mérito, requerendo apenas o regular prosseguimento do feito.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0001071-80.2016.4.03.6006
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: M. G. D. S.
Advogado do(a) APELANTE: THAYSON MORAES NASCIMENTO - MS17829-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Dispõe o art.
203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das
atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como
incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover,
por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre
registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para
prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição
Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do
referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
Para a comprovação da alegada deficiência, foi realizada perícia judicial em 4/11/16, conforme
parecer técnico elaborado pelo Perito e juntado a fls. 56/66 (id. 128228233 – págs. 10/20).
Afirmou o esculápio encarregado do exame, que o autor de 1 ano, desde o nascimento ocorrido
em 7/11/15 "apresentou algumas alterações congênitas, onde passou por duas cirurgias
corretivas devido a atresia de esôfago e hérnia inguinal. Conforme análise de exames e laudos
anexado ao processo apresenta disfunção cardíaca e pulmonar associada porem sem laudo de
especialista específico, o tratamento segue de modo conservador conforme medicações
demonstradas em receita do SUS onde encontra rodas essas medicações sistema único de
saúde. No momento conforme citado discorrer de sequelas porem terão que ser avaliadas
conforme seu desenvolvimento. No presente momento não apresenta disfunção de
incompatibilidade com a vida, apresenta com boa saúde o tratamento em andamento, onde
transcorre na condução especialista, sendo de fundamental importância o acompanhamento da
equipe multiprofissional para o fortalecimento e restabelecimento total". Concluiu não se
enquadrar no conceito de deficiência contido no art. 1º do Decreto nº 6.949/09 (Convenção de
Nova York), mesmo apresentando uma malformação palatina, pois "estabelece tratamento
cirúrgico corretivo onde terá um futuro igualitário tendo várias pessoas hoje várias pessoas (sic)
com mesma deficiência já estabelecida no mercado de trabalho".
Ocorre que, no próprio laudo pericial a fls. 62 (id 128228233 – pág. 16), consta ilustração e lista
de principais complicações advindas da atresia de esôfago com fístula distal, a saber: 1.
Transbordamento (crise de cianose), 2. Regurgitação (salivação aerada), 3. Passagem de suco
gástrico para traquéia e brônquios, 4. Pneumonia por aspiração e 5. Comunicação entre traquéia
e esôfago (ar no estômago e intestinos).
Ademais, em resposta ao quesito referente ao grau de deficiência e a dificuldade imposta para a
busca do sustento próprio por meio de trabalho, enfatizou o expert, como citado anteriormente,
que "o autor terá um futuro igualitário, porém hoje uma criança onde terá um longo tratamento e
acompanhamento, para uma busca futura de uma reabilitação satisfatória, tendo várias pessoas
hoje com mesma deficiência já reabilitada na vida adulta e estabelecida no mercado de trabalho"
(fls. 65 - id 128228233 – pág. 19, grifos meus).
Há que se registrar, ainda, os relatórios firmados pelo médico assistente especialista, datados de
6/7/16 e 20/10/17, juntados a fls. 26 (id. 128228232 – pág. 23) e 104 (id. 128228234 – pág. 6),
atestando a impossibilidade atual de a genitora exercer atividade laborativa remunerada, em
razão dos cuidados que o filho inspira, 24 (vinte e quatro) horas por dia.
Considerando tratar-se de criança nascida em berço não privilegiado, não havendo que se cogitar
de contratação de cuidadores especializados, mas sim de constatar a inviabilidade de sua
colocação em creche pública, em razão da demanda de cuidados específicos, com horários para
ingestão de medicamentos, trocas de sondas, etc., forçoso concluir que no presente momento,
encontra-se comprovado o impedimento de longo prazo, superior a 2 (dois) anos, e em
consequência, imposto à sua genitora e representante legal, para participar em igualdade de
condições com outros indivíduos na sociedade.
Com relação à miserabilidade, o estudo social (elaborado em 15/2/17, data em que o salário
mínimo era de R$ 937,00) demonstra que o requerente Miguel, de 1 (um) ano, reside com a
genitora Fátima da Silva Gonçalves, de 36 anos, e a meia irmã Camila, de 14 anos e estudante,
em casa alugada de alvenaria, de tamanho médio, constituída de três dormitórios, sala, cozinha,
banheiro e uma área nos fundos, todos os cômodos com forro, telha de barro, e chão de piso frio.
O imóvel é guarnecido por móveis e eletrodomésticos básicos, em bom estado de uso e
conservação. Segundo a assistente social a renda mensal do núcleo familiar correspondente a R$
518,00 (quinhentos e dezoito reais), sendo R$ 70,00 das diárias que a genitora realiza uma vez
por semana, totalizando o valor mensal de R$ 280,00, a pensão recebida do genitor do filho
Miguel, no valor de R$ 200,00, e de R$ 38,00 do programa bolsa família. O CRAS faz doação
mensal de cesta básica. Os gastos mensais totalizam R$ 593,00, sendo R$ 300,00 em aluguel,
R$ 42,00 em água/esgoto, R$ 41,00 em energia elétrica, R$ 60,00 em gás, R$ 150,00 em
farmácia. Apesar de receber doação de fraldas, vestuário e calçados por parentes e vizinhos,
muitas vezes o núcleo familiar permanece como devedor. Miguel faz tratamento pelo SUS, muitos
dos medicamentos são obtidos por via judicial, porém, outros são comprados.
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório apresentado nos autos, ficou
demonstrado o requisito da miserabilidade.
Cumpre salientar que o amparo social deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa
disposição legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
Ressalto, ainda, ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada com
qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica,
nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de execução do
julgado eventuais pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.
Conforme documento de fls. 41 (id. 128228232 – pag. 38), a parte autora formulou pedido de
amparo social à pessoa portadora de deficiência em 23/5/16, motivo pelo qual o termo inicial de
concessão do benefício deve ser fixado na data do pedido na esfera administrativa, conforme
jurisprudência pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro
Humberto Martins, v.u., j. 10/9/13, DJe 18/9/13).
A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora.
Com relação aos índices de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os
posicionamentos firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema
810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o
IPCA-E nos processos relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários.
Quadra ressaltar haver constado expressamente do voto do Recurso Repetitivo que "a adoção do
INPC não configura afronta ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de
repercussão geral (RE 870.947/SE). Isso porque, naquela ocasião, determinou-se a aplicação do
IPCA-E para fins de correção monetária de benefício de prestação continuada (BPC), o qual se
trata de benefício de natureza assistencial, previsto na Lei 8.742/93. Assim, é imperioso concluir
que o INPC, previsto no art. 41-A da Lei 8.213/91, abrange apenas a correção monetária dos
benefícios de natureza previdenciária." Outrossim, como bem observou o E. Desembargador
Federal João Batista Pinto Silveira: "Importante ter presente, para a adequada compreensão do
eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência – INPC e IPCA-
E tiveram variação muito próxima no período de julho de 2009 (data em que começou a vigorar a
TR) e até setembro de 2019, quando julgados os embargos de declaração no RE 870947 pelo
STF (IPCA-E: 76,77%; INPC 75,11), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões
judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação." (TRF-
4ª Região, AI nº 5035720-27.2019.4.04.0000/PR, 6ª Turma, v.u., j. 16/10/19).
A taxa de juros deve incidir de acordo com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-F
da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera condignamente
o serviço profissional prestado, nos termos do art. 85 do CPC/15 e precedentes desta Oitava
Turma.
No que se refere à sua base de cálculo, considerando que o direito pleiteado pela parte autora foi
reconhecido somente no Tribunal, passo a adotar o posicionamento do C. STJ de que os
honorários devem incidir até o julgamento do recurso nesta Corte, in verbis: "Nos termos da
Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça, o marco final da verba honorária deve ser o
decisum no qual o direito do segurado foi reconhecido, que no caso corresponde ao acórdão
proferido pelo Tribunal a quo." (AgRg no Recurso Especial nº 1.557.782-SP, 2ª Turma, Relator
Ministro Mauro Campbell Marques, j. em 17/12/15, v.u., DJe 18/12/15).
Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte autora para condenar o INSS a conceder o
benefício assistencial a partir da data do requerimento administrativo em 23/5/16, acrescido de
correção monetária, juros moratórios e honorários advocatícios na forma acima explicitada.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. COMPROVADO IMPEDIMENTO DE
LONGO PRAZO. MISERABILIDADE DEMONSTRADA. TERMO INICIAL. CORREÇÃO
MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- Com relação à deficiência, afirmou o esculápio encarregado do exame no parecer técnico, que
o autor de 1 ano, desde o nascimento ocorrido em 7/11/15 "apresentou algumas alterações
congênitas, onde passou por duas cirurgias corretivas devido a atresia de esôfago e hérnia
inguinal. Conforme análise de exames e laudos anexado ao processo apresenta disfunção
cardíaca e pulmonar associada porem sem laudo de especialista específico, o tratamento segue
de modo conservador conforme medicações demonstradas em receita do SUS onde encontra
rodas essas medicações sistema único de saúde. No momento conforme citado discorrer de
sequelas porem terão que ser avaliadas conforme seu desenvolvimento. No presente momento
não apresenta disfunção de incompatibilidade com a vida, apresenta com boa saúde o tratamento
em andamento, onde transcorre na condução especialista, sendo de fundamental importância o
acompanhamento da equipe multiprofissional para o fortalecimento e restabelecimento total".
Concluiu não se enquadrar no conceito de deficiência contido no art. 1º do Decreto nº 6.949/09
(Convenção de Nova York), mesmo apresentando uma malformação palatina, pois "estabelece
tratamento cirúrgico corretivo onde terá um futuro igualitário tendo várias pessoas hoje várias
pessoas (sic) com mesma deficiência já estabelecida no mercado de trabalho".
III- Ocorre que, no próprio laudo pericial a fls. 62 (id 128228233 – pág. 16), consta ilustração e
lista de principais complicações advindas da atresia de esôfago com fístula distal, a saber: 1.
Transbordamento (crise de cianose), 2. Regurgitação (salivação aerada), 3. Passagem de suco
gástrico para traquéia e brônquios, 4. Pneumonia por aspiração e 5. Comunicação entre traquéia
e esôfago (ar no estômago e intestinos). Ademais, em resposta ao quesito referente ao grau de
deficiência e a dificuldade imposta para a busca do sustento próprio por meio de trabalho,
enfatizou o expert, como citado anteriormente, que "o autor terá um futuro igualitário, porém hoje
uma criança onde terá um longo tratamento e acompanhamento, para uma busca futura de uma
reabilitação satisfatória, tendo várias pessoas hoje com mesma deficiência já reabilitada na vida
adulta e estabelecida no mercado de trabalho". Há que se registrar, ainda, os relatórios firmados
pelo médico assistente especialista, datados de 6/7/16 e 20/10/17, juntados a fls. 26 (id.
128228232 – pág. 23) e 104 (id. 128228234 – pág. 6), atestando a impossibilidade atual de a
genitora exercer atividade laborativa remunerada, em razão dos cuidados que o filho inspira, 24
(vinte e quatro) horas por dia. Considerando tratar-se de criança nascida em berço não
privilegiado, não havendo que se cogitar de contratação de cuidadores especializados, mas sim
de constatar a inviabilidade de sua colocação em creche pública, em razão da demanda de
cuidados específicos, com horários para ingestão de medicamentos, trocas de sondas, etc.,
forçoso concluir que no presente momento, encontra-se comprovado o impedimento de longo
prazo, superior a 2 (dois) anos, e em consequência, imposto à sua genitora e representante legal,
para participar em igualdade de condições com outros indivíduos na sociedade.
IV- Pela análise de todo o conjunto probatório apresentado nos autos, o requisito da
hipossuficiência encontra-se demonstrado. O estudo social elaborado em 15/2/17 revela que o
requerente Miguel, de 1 (um) ano, reside com a genitora Fátima da Silva Gonçalves, de 36 anos,
e a meia irmã Camila, de 14 anos e estudante, em casa alugada de alvenaria, de tamanho médio,
constituída de três dormitórios, sala, cozinha, banheiro e uma área nos fundos, todos os cômodos
com forro, telha de barro, e chão de piso frio. O imóvel é guarnecido por móveis e
eletrodomésticos básicos, em bom estado de uso e conservação. Segundo a assistente social a
renda mensal do núcleo familiar correspondente a R$ 518,00 (quinhentos e dezoito reais), sendo
R$ 70,00 das diárias que a genitora realiza uma vez por semana, totalizando o valor mensal de
R$ 280,00, a pensão recebida do genitor do filho Miguel, no valor de R$ 200,00, e de R$ 38,00 do
programa bolsa família. O CRAS faz doação mensal de cesta básica. Os gastos mensais
totalizam R$ 593,00, sendo R$ 300,00 em aluguel, R$ 42,00 em água/esgoto, R$ 41,00 em
energia elétrica, R$ 60,00 em gás, R$ 150,00 em farmácia. Apesar de receber doação de fraldas,
vestuário e calçados por parentes e vizinhos, muitas vezes o núcleo familiar permanece como
devedor. Miguel faz tratamento pelo SUS, muitos dos medicamentos são obtidos por via judicial,
porém, outros são comprados.
V- O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo formulado
em 23/5/16.
VI- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os posicionamentos firmados na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos
a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. A taxa de juros deve incidir de acordo
com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação
dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
VII- A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera
condignamente o serviço profissional prestado. No que se refere à sua base de cálculo,
considerando que o direito pleiteado pela parte autora foi reconhecido somente no Tribunal,
adota-se o posicionamento do C. STJ de que os honorários devem incidir até o julgamento do
recurso nesta Corte, in verbis: "Nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça, o
marco final da verba honorária deve ser o decisum no qual o direito do segurado foi reconhecido,
que no caso corresponde ao acórdão proferido pelo Tribunal a quo." (AgRg no Recurso Especial
nº 1.557.782-SP, 2ª Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, j. em 17/12/15, v.u., DJe
18/12/15).
VIII- Apelação da parte autora provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
