Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5076744-72.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
31/05/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 07/06/2019
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. COMPROVADO IMPEDIMENTO DE
LONGO PRAZO. MISERABILIDADE DEMONSTRADA. TERMO INICIAL. TUTELA ANTECIPADA
MANTIDA.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- A perícia judicial realizada em 9/8/17 constatou que a autora de 53 anos e lavradeira, é
portadora de carcinoma de mama ductal invasivo grau 3, concluindo que a mesma encontra-se
incapacitada total e temporariamente ao trabalho, desde março/16, sugerindo afastamento por um
período de um ano para tratamento e melhora clínica. Ademais, foi noticiado que a requerente
sofreu infarto do miocárdio em 22/2/18, ficando internada no Hospital Regional de Itapetininga/SP
até o dia 6/3/18, quando foi transferida para o Hospital Santa Lucinda de Sorocaba/SP, em razão
de infarto agudo do miocárdio, havendo programação de revascularização miocárdica, acostando
documentos médicos aos autos. Assim comprovado o impedimento de longo prazo para a vida
independente e para o trabalho.
III- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado. O estudo social revela que a autora reside com o companheiro Luiz Carlos
Peixoto de Almeida, as filhas Natacha Fernanda Ferreira de Almeida, de 25 anos, desempregada,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
realizando cursos municipais de capacitação para o mercado de trabalho, Naiara Cristina de
Almeida, de 20 anos e desempregada, Najara Caroline de Almeida, de 12 anos e estudante, e a
neta Eduarda Ferreira da Silva, de 5 anos, sendo que sua pensão alimentícia encontra-se
pendente de processo judicial. O lar da requerente consiste em casa simples financiada no
conjunto habitacional do CDHU-B, construída sem forro, de piso frio, composta por cinco
cômodos, sendo dois quartos, sala, cozinha e banheiro, guarnecido por mobiliários e
eletrodomésticos básicos. Foi construído mais um quarto, e foi separada a cozinha da sala. A
família não possui veículo e não inscrita em programa de transferência de renda. A renda mensal
é proveniente da aposentadoria por invalidez recebida pelo companheiro, no valor de R$
1.952,00. As despesas mensais totalizam R$ 931,67, sendo R$ 700,00 em alimentação, somente
o básico (arroz, feijão, farinha, fubá, sem incluir carne, legumes e frutas), R$ 51,64 em energia
elétrica, R$ 153,03 em água/esgoto e R$ 27,00 referente à prestação do financiamento da
residência. A medicação utilizada pela requerente é recebida do Instituto do Câncer do Estado de
São Paulo "Octávio Frias de Oliveira", onde realiza tratamento, sendo que gasta, no mínimo, R$
50,00 a cada viagem com acompanhante para São Paulo, para alimentação, sendo que a
Prefeitura local somente arca com a condução. Segundo informações da assistente social, a
demandante "já realizou doze sessões de quimioterapia e vinte e cinco de radioterapia. No
momento está aguardando resultado da eficácia do tratamento realizado. Precisa uma
alimentação saudável, pois se encontra debilitada, entretanto não possui condições financeiras
para adquiri-la, devido a falta de recursos financeiros. Foi diagnosticada também com um
processo osteoarticular degenerativo, sentindo muitas dores o que a impossibilita de realizar as
tarefas da casa, necessitando ajuda das filhas" (fls. 93), não conseguindo, assim, exercer
atividade laborativa.
IV- A parte autora formulou pedido de amparo social à pessoa portadora de deficiência em
1º/6/16, motivo pelo qual o termo inicial de concessão do benefício deve ser mantido na data do
pedido na esfera administrativa, conforme jurisprudência pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp nº
377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, j. 10/9/13, v.u. DJe 18/9/13).
V- Deve ser mantida a antecipação dos efeitos do provimento jurisdicional final, já sob a novel
figura da tutela de urgência, uma vez que evidenciado nos presentes autos o preenchimento dos
requisitos do art. 300, do CPC/15.
VI- Apelação do INSS improvida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5076744-72.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IRENE FERREIRA
Advogado do(a) APELADO: TATIANA TEIXEIRA - SP350910-N
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5076744-72.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IRENE FERREIRA
Advogado do(a) APELADO: TATIANA TEIXEIRA - SP350910-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à concessão do
benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser
pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família. Pleiteia, ainda, a tutela de urgência.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita, e indeferida a
antecipação dos efeitos da tutela.
O Juízo a quo julgou procedente o pedido, concedendo o benefício assistencial requerido em
favor da autora, no valor de um salário mínimo mensal, a partir da data do requerimento
administrativo (1º/6/16), enquanto perdurar a incapacidade, a ser avaliada periodicamente.
Determinou o pagamento dos valores atrasados, acrescidos de correção monetária na forma
prevista no Manual de Cálculos da Justiça Federal, e juros moratórios de acordo com o índice de
remuneração da caderneta de poupança, a partir do vencimento de cada prestação, nos termos
da legislação em vigor. Condenou, ainda, o INSS, a arcar com os honorários advocatícios
arbitrados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111
do C. STJ) e às custas as quais não esteja isento. Deferiu a tutela antecipada.
Inconformada, apelou a autarquia, sustentando em síntese:
- a necessidade de suspensão do cumprimento da decisão em relação à tutela antecipada,
considerando a possibilidade de haver dano irreparável ao erário público;
- o não preenchimento do requisito da hipossuficiência, vez que conforme o extrato do sistema
Plenus acostado aos autos, o companheiro da autora recebe aposentadoria por invalidez no valor
de R$ 2.120,62 (posição em maio/18), superando a renda familiar per capita o critério de ¼ do
salário mínimo;
- ser subsidiário o caráter assistencial do Estado, recaindo a obrigação do sustento ao seu
marido, e não à sociedade como um todo e
- a constatação, na perícia judicial, da incapacidade total e temporária inferior a dois anos, não
caracterizando deficiência de longo prazo.
- Caso não sejam acolhidas as alegações mencionadas, pleiteia a fixação do termo inicial do
benefício na data da juntada do laudo socioeconômico.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
O Ministério Público Federal deixou de se manifestar sobre o mérito do recurso, requerendo
apenas a inclusão do feito em pauta de julgamento, ante a falta de interesse público ou social a
subsidiar a intervenção ministerial (fls. 6/7 – doc. 44498193 – págs. 1/2).
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5076744-72.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IRENE FERREIRA
Advogado do(a) APELADO: TATIANA TEIXEIRA - SP350910-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Dispõe o art.
203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das
atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como
incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover,
por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre
registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para
prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição
Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do
referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, para a avaliação da alegada deficiência, foi realizada perícia judicial em 9/8/17, tendo
sido elaborado o respectivo parecer técnico pelo Perito a fls. 93/104 (doc. 8609064 – págs. 2/13).
Afirmou o esculápio encarregado do exame, com base nos exames clínico e físico, bem como
análise da documentação médica dos autos, que a autora de 53 anos e lavradeira, é portadora de
carcinoma de mama ductal invasivo grau 3, concluindo que a mesma encontra-se incapacitada
total e temporariamente ao trabalho, desde março/16, sugerindo afastamento por um período de
um ano para tratamento e melhora clínica.
Ademais, a fls. 82/83 (doc. 8609097 – págs. 1/2), foi noticiado que a requerente sofreu infarto do
miocárdio em 22/2/18, ficando internada no Hospital Regional de Itapetininga/SP até o dia 6/3/18,
quando foi transferida para o Hospital Santa Lucinda de Sorocaba/SP, em razão de infarto agudo
do miocárdio, havendo programação de revascularização miocárdica, acostando documentos
médicos a fls. 80/81 (doc. 8609103 – págs. 1/2).
Assim, encontra-se comprovado o impedimento de longo prazo para a vida independente e para o
trabalho.
Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 13/3/17, data em que o
salário mínimo era de R$ 937,00) demonstra que a autora reside com o companheiro Luiz Carlos
Peixoto de Almeida, as filhas Natacha Fernanda Ferreira de Almeida, de 25 anos, desempregada,
realizando cursos municipais de capacitação para o mercado de trabalho, Naiara Cristina de
Almeida, de 20 anos e desempregada, Najara Caroline de Almeida, de 12 anos e estudante, e a
neta Eduarda Ferreira da Silva, de 5 anos, sendo que sua pensão alimentícia encontra-se
pendente de processo judicial. O lar da requerente consiste em casa simples financiada no
conjunto habitacional do CDHU-B, construída sem forro, de piso frio, composta por cinco
cômodos, sendo dois quartos, sala, cozinha e banheiro, guarnecido por mobiliários e
eletrodomésticos básicos. Foi construído mais um quarto, e foi separada a cozinha da sala. A
família não possui veículo e não inscrita em programa de transferência de renda. A renda mensal
é proveniente da aposentadoria por invalidez recebida pelo companheiro, no valor de R$
1.952,00. As despesas mensais totalizam R$ 931,67, sendo R$ 700,00 em alimentação, somente
o básico (arroz, feijão, farinha, fubá, sem incluir carne, legumes e frutas), R$ 51,64 em energia
elétrica, R$ 153,03 em água/esgoto e R$ 27,00 referente à prestação do financiamento da
residência. A medicação utilizada pela requerente é recebida do Instituto do Câncer do Estado de
São Paulo "Octávio Frias de Oliveira", onde realiza tratamento, sendo que gasta, no mínimo, R$
50,00 a cada viagem com acompanhante para São Paulo, para alimentação, sendo que a
Prefeitura local somente arca com a condução. Segundo informações da assistente social, a
demandante "já realizou doze sessões de quimioterapia e vinte e cinco de radioterapia. No
momento está aguardando resultado da eficácia do tratamento realizado. Precisa uma
alimentação saudável, pois se encontra debilitada, entretanto não possui condições financeiras
para adquiri-la, devido a falta de recursos financeiros. Foi diagnosticada também com um
processo osteoarticular degenerativo, sentindo muitas dores o que a impossibilita de realizar as
tarefas da casa, necessitando ajuda das filhas" (fls. 93), não conseguindo, assim, exercer
atividade laborativa.
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da hipossuficiência
encontra-se comprovado.
Conforme documento de fls. 165 (doc. 8608855 – pág. 1), a parte autora formulou pedido de
amparo social à pessoa portadora de deficiência em 1º/6/16, motivo pelo qual o termo inicial de
concessão do benefício deve ser mantido na data do pedido na esfera administrativa, conforme
jurisprudência pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro
Humberto Martins, j. 10/9/13, v.u. DJe 18/9/13).
Por derradeiro, deve ser mantida a antecipação dos efeitos do provimento jurisdicional final, já
sob a novel figura da tutela de urgência, uma vez que evidenciado nos presentes autos o
preenchimento dos requisitos do art. 300, do CPC/15.
Inequívoca a existência da probabilidade do direito, tendo em vista o reconhecimento à percepção
do benefício pleiteado. Quanto ao perigo de dano, parece-me que, entre as posições
contrapostas, merece acolhida aquela defendida pela parte autora porque, além de desfrutar de
elevada probabilidade, é a que sofre maiores dificuldades de reversão. Outrossim, o perigo da
demora encontra-se evidente, tendo em vista o caráter alimentar do benefício.
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. COMPROVADO IMPEDIMENTO DE
LONGO PRAZO. MISERABILIDADE DEMONSTRADA. TERMO INICIAL. TUTELA ANTECIPADA
MANTIDA.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- A perícia judicial realizada em 9/8/17 constatou que a autora de 53 anos e lavradeira, é
portadora de carcinoma de mama ductal invasivo grau 3, concluindo que a mesma encontra-se
incapacitada total e temporariamente ao trabalho, desde março/16, sugerindo afastamento por um
período de um ano para tratamento e melhora clínica. Ademais, foi noticiado que a requerente
sofreu infarto do miocárdio em 22/2/18, ficando internada no Hospital Regional de Itapetininga/SP
até o dia 6/3/18, quando foi transferida para o Hospital Santa Lucinda de Sorocaba/SP, em razão
de infarto agudo do miocárdio, havendo programação de revascularização miocárdica, acostando
documentos médicos aos autos. Assim comprovado o impedimento de longo prazo para a vida
independente e para o trabalho.
III- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado. O estudo social revela que a autora reside com o companheiro Luiz Carlos
Peixoto de Almeida, as filhas Natacha Fernanda Ferreira de Almeida, de 25 anos, desempregada,
realizando cursos municipais de capacitação para o mercado de trabalho, Naiara Cristina de
Almeida, de 20 anos e desempregada, Najara Caroline de Almeida, de 12 anos e estudante, e a
neta Eduarda Ferreira da Silva, de 5 anos, sendo que sua pensão alimentícia encontra-se
pendente de processo judicial. O lar da requerente consiste em casa simples financiada no
conjunto habitacional do CDHU-B, construída sem forro, de piso frio, composta por cinco
cômodos, sendo dois quartos, sala, cozinha e banheiro, guarnecido por mobiliários e
eletrodomésticos básicos. Foi construído mais um quarto, e foi separada a cozinha da sala. A
família não possui veículo e não inscrita em programa de transferência de renda. A renda mensal
é proveniente da aposentadoria por invalidez recebida pelo companheiro, no valor de R$
1.952,00. As despesas mensais totalizam R$ 931,67, sendo R$ 700,00 em alimentação, somente
o básico (arroz, feijão, farinha, fubá, sem incluir carne, legumes e frutas), R$ 51,64 em energia
elétrica, R$ 153,03 em água/esgoto e R$ 27,00 referente à prestação do financiamento da
residência. A medicação utilizada pela requerente é recebida do Instituto do Câncer do Estado de
São Paulo "Octávio Frias de Oliveira", onde realiza tratamento, sendo que gasta, no mínimo, R$
50,00 a cada viagem com acompanhante para São Paulo, para alimentação, sendo que a
Prefeitura local somente arca com a condução. Segundo informações da assistente social, a
demandante "já realizou doze sessões de quimioterapia e vinte e cinco de radioterapia. No
momento está aguardando resultado da eficácia do tratamento realizado. Precisa uma
alimentação saudável, pois se encontra debilitada, entretanto não possui condições financeiras
para adquiri-la, devido a falta de recursos financeiros. Foi diagnosticada também com um
processo osteoarticular degenerativo, sentindo muitas dores o que a impossibilita de realizar as
tarefas da casa, necessitando ajuda das filhas" (fls. 93), não conseguindo, assim, exercer
atividade laborativa.
IV- A parte autora formulou pedido de amparo social à pessoa portadora de deficiência em
1º/6/16, motivo pelo qual o termo inicial de concessão do benefício deve ser mantido na data do
pedido na esfera administrativa, conforme jurisprudência pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp nº
377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, j. 10/9/13, v.u. DJe 18/9/13).
V- Deve ser mantida a antecipação dos efeitos do provimento jurisdicional final, já sob a novel
figura da tutela de urgência, uma vez que evidenciado nos presentes autos o preenchimento dos
requisitos do art. 300, do CPC/15.
VI- Apelação do INSS improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
