Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5000652-70.2019.4.03.6005
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
30/04/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 06/05/2020
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. CONJUNTO PROBATÓRIO.
MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO AMPARO
SOCIAL COMO COMPLEMENTO DE RENDA.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- Na perícia judicial, ficou caracterizado o impedimento de longo prazo (superior a dois anos), de
natureza física, intelectual ou sensorial, capaz de obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com os demais.
III- O conjunto probatório dos autos não foi robusto o suficiente para caracterizar a situação de
hipossuficiência. O estudo social, elaborado em 22/10/18, data em que o salário mínimo era de
R$ 954,00, demonstra que o requerente de 64 anos, desempregado, reside sozinho em casa
cedida pelo amigo (ex-cunhado) Anderson Lima Gonçalves, o qual custeia os gastos de
água/esgoto e energia elétrica, construída em alvenaria, constituída por um quarto com cama de
solteiro, mesa com TV e ventilador, banheiro e varanda coberta utilizada como cozinha, com um
tanque com duas bocas, armário de madeira com alguns utensílios domésticos, geladeira e fogão
elétrico de uma boca, em boas condições de uso. Utiliza o SUS – Sistema Único de Saúde para
tratamento médico, possui inscrição no Cadastro Único, porém, não foi contemplado pelo
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Programa Assistencial Bolsa Família, e não recebe benefícios assistenciais na esfera municipal
(Ponta Porã/MS), apesar de já haver solicitado. Não obstante a alegação de que a filha não
reside juntamente com o genitor, tendo gastos com a própria família, não devendo sua
remuneração ser considerada para fins de cálculo da renda per capita do núcleo familiar, os
extratos do CNIS acostados à sentença, referentes a Hindianara Gonçalves Maas, revelam
salários mensais substanciosos, acima de R$ 4.000,00 (quatro mil reais). Impende salientar o
relato de Renata, moradora dos fundos do endereço periciado, no sentido de que "o Senhor
Cesar reside no local, porém não para na residência, sai todos os dias em seu carro, mas não
soube informar para onde" (fls. 83 – id. 90218414 – pág. 2, grifos meus), especificamente, um
veículo GM/Corsa, ST, ano 2001, cor prata, de placa DBX0853, de propriedade do autor, com
registro de endereço no sistema DENATRAN, na Rua Algacyr Pissini nº 277, Bairro Parque dos
Ipês II, Ponta Porã/MS, divergente do local periciado, na Rua México nº 64, conforme descrito
pelo INSS a fls. 168 (id. 90218421 – pág. 6). Ademais, na cota de fls. 229 (id. 90218431 – pág. 2),
há a informação também fornecida pelo INSS de que a filha é proprietária do veículo VW/Gol, ano
2013, de placa NRQ 9220, e o filho Cesar Henrique Gonçalves Maas do veículo VW/Fox, ano
2010, de placa HTG 2883.
IV- O art. 229 da CF/88 dispõe odever mútuo de assistência entre pais e filhos, competindo aos
pais "o dever de assistir, criar e educar os filhos menores" e aos filhos maiores "o dever de ajudar
e ampara os pais na velhice, carência ou enfermidade".
V- Há que se observar, ainda, que a assistência social a ser prestada pelo Poder Público possui
caráter subsidiário, restrita às situações de total impossibilidade de manutenção própria ou por
meio da família, não sendo possível ser utilizado o benefício assistencial como complementação
de renda.
VI- Apelação da parte autora improvida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000652-70.2019.4.03.6005
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: CESAR AUGUSTO MAAS
Advogado do(a) APELANTE: ANA JOARA FERNANDES MARQUES - MS18320-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000652-70.2019.4.03.6005
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: CESAR AUGUSTO MAAS
Advogado do(a) APELANTE: ANA JOARA FERNANDES MARQUES - MS18320-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em 14/5/15 em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à
concessão do benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o
fundamento de ser pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família. Pleiteia, ainda, a tutela antecipada.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
Na informação de fls. 82/85 (id. 90218414 – págs. 1/4), relata a assistente social as quatro
tentativas frustradas para realização da visita no endereço do autor, não tendo obtido sucesso na
elaboração de laudo social.
Contra a sentença de improcedência do pedido, foi interposta apelação pelo demandante, e, após
a juntada de contrarrazões pelo INSS, foram encaminhados os autos esta Corte, tendo sido
provido parcialmente o recurso em 7/8/17 para anular o decisum, e determinado o retorno do feito
à Vara de Origem para regular processamento, com a elaboração de estudo socioeconômico.
Após a realização de nova investigação social, os autos foram registrados para sentença.
O Juízo a quo, em 22/3/19, julgou improcedente o pedido, sob o fundamento da ausência de
comprovação do requisito da hipossuficiência, em razão de os familiares da parte autora possuir
condições para sua manutenção. Condenou o demandante no pagamento de custas e honorários
advocatícios, fixados estes em R$ 1.100,00, suspensa a exigibilidade consoante o disposto no
art. 98, § 3º, do CPC/15.
Inconformada, apelou a parte autora, sustentando em síntese:
- a comprovação do requisito da deficiência, consoante as conclusões da perícia judicial;
- o preenchimento do requisito da hipossuficiência, vez que não possui qualquer fonte de renda e
residir em imóvel cedido, sendo que a filha não consegue auxiliar o genitor de forma adequada
por possuir família, e despender boa parte de seus rendimentos com gastos de moradia (reside
em Campo Grande/MS), plano de saúde, alimentação, estudos, dentre outros, conforme
documentos acostados ao recurso e
- que os familiares mencionados na sentença não fazem parte do mesmo núcleo familiar, pelo
fato de residir sozinho.
- Requer a reforma da R. sentença, para julgar procedente o pedido.
A parte autora providenciou a virtualização do processo físico no sistema PJe, nos termos do art.
3º da Resolução nº 142/17.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal a fls. 232/235 (id. 124962135 – págs. 1/4) opinando pelo
provimento do recurso.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000652-70.2019.4.03.6005
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: CESAR AUGUSTO MAAS
Advogado do(a) APELANTE: ANA JOARA FERNANDES MARQUES - MS18320-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Dispõe o art.
203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das
atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como
incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover,
por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre
registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para
prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição
Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do
referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
Para a comprovação da deficiência, foi realizada perícia judicial em 9/10/15, tendo sido elaborado
o parecer técnico de fls. 79/81 (id. 90218413 – págs. 9/11). Afirmou o esculápio encarregado do
exame, com base no exame físico e análise da documentação médica, que o autor de 62 anos,
outrora tendo laborado com serviços gerais rurais, encontra-se em tratamento por diabetes, com
insuficiência vascular periférica e neuropatia periférica, associados a edema na mão direita com
lesões cutâneas e limitação da mobilidade dos dedos da mão esquerda, consoante fotografias
acostadas a fls. 29/30 (id. 90218409 – págs. 4/5). Concluiu pela incapacidade total e permanente
para o trabalho, podendo realizar tratamento "com controle dos sintomas e a melhora da
qualidade de vida, entretanto, não permite retorno ao trabalho na mesma atividade ou em outra
atividade laboral". Não possui condições clínicas de reabilitação. Estabeleceu o início da doença
e da incapacidade em fevereiro/14, conforme o atestado médico de fls. 26 (id. 90218409 – pág.
1). Dessa forma, ficou caracterizado o impedimento de longo prazo (superior a dois anos), de
natureza física, intelectual ou sensorial, capaz de obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com os demais.
Com relação à miserabilidade, o estudo social (elaborado em 22/10/18, data em que o salário
mínimo era de R$ 954,00) demonstra que o requerente de 64 anos, desempregado, reside
sozinho em casa cedida pelo amigo (ex-cunhado) Anderson Lima Gonçalves, o qual custeia os
gastos de água/esgoto e energia elétrica, construída em alvenaria, constituída por um quarto com
cama de solteiro, mesa com TV e ventilador, banheiro e varanda coberta utilizada como cozinha,
com um tanque com duas bocas, armário de madeira com alguns utensílios domésticos, geladeira
e fogão elétrico de uma boca, em boas condições de uso. Utiliza o SUS – Sistema Único de
Saúde para tratamento médico, possui inscrição no Cadastro Único, porém, não foi contemplado
pelo Programa Assistencial Bolsa Família, e não recebe benefícios assistenciais na esfera
municipal (Ponta Porã/MS), apesar de já haver solicitado. A assistente social relatou que possui
dois filhos, "Hindianara Gonçalves Mass portadora do CPF 032.423.851-79 técnica de enfermeira
(sic) e residente no município de Campo Grande/MS e tem auxiliado o mesmo com a parte da
alimentação; já seu filho Cesar Henrique Gonçalves Mass portador do CPC 049.083.151-67
estudante do curso de Tecnologia em empreendedorismo no município de Dourados-MS e não
tem auxiliado o mesmo" (fls. 156 – id. 90218420 – pág. 5).
Não obstante a alegação de que a filha não reside juntamente com o genitor, tendo gastos com a
própria família, não devendo sua remuneração ser considerada para fins de cálculo da renda per
capita do núcleo familiar, os extratos do CNIS acostados à sentença, referentes a Hindianara
Gonçalves Maas, revelam salários mensais substanciosos, acima de R$ 4.000,00 (quatro mil
reais).
Impende salientar o relato de Renata, moradora dos fundos do endereço periciado, no sentido de
que "o Senhor Cesar reside no local, porém não para na residência, sai todos os dias em seu
carro, mas não soube informar para onde" (fls. 83 – id. 90218414 – pág. 2, grifos meus),
especificamente, um veículo GM/Corsa, ST, ano 2001, cor prata, de placa DBX0853, de
propriedade do autor, com registro de endereço no sistema DENATRAN, na Rua Algacyr Pissini
nº 277, Bairro Parque dos Ipês II, Ponta Porã/MS, divergente do local periciado, na Rua México nº
64, conforme descrito pelo INSS a fls. 168 (id. 90218421 – pág. 6). Ademais, na cota de fls. 229
(id. 90218431 – pág. 2), há a informação também fornecida pelo INSS de que a filha é proprietária
do veículo VW/Gol, ano 2013, de placa NRQ 9220, e o filho Cesar Henrique do veículo VW/Fox,
ano 2010, de placa HTG 2883.
Como bem asseverou a MMª Juíza Federal a quo a fls. 180 (id. 90218422 – pág. 7), "Nesse
contexto, anoto que o art. 229 da CF/88 impõe um dever mútuo de assistência entre pais e filhos,
competindo aos pais "o dever de assistir, criar e educar os filhos menores" e aos filhos maiores "o
dever de ajudar e ampara os pais na velhice, carência ou enfermidade". Por isso, com relação ao
filho que não ajuda ou ajuda de modo insuficiente, há o assinalado dever constitucional de
prestação de alimentos, explicitado, em nível infraconstitucional, pelo artigo 1.696, do Código Civil
que diz: "O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os
ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros." Lógico
que o autor tem todo o direito de não deduzir pretensão em Juízo contra os filhos. Entretanto, não
pode e não é justo abrir mão deste direito para ficar sem renda suficiente e, por isso, almejar
forçar o INSS a suportar uma situação de "miserabilidade" que o próprio autor insiste em querer
permanecer por não exercer um legítimo direito que possui".
Cumpre registrar, por oportuno, que a jurisprudência desta E. Corte é pacífica no sentido de que a
ajuda financeira prestada pelos filhos ao requerente deve ser levada em consideração para a
análise da miserabilidade (TRF - 3ª Região, AC nº 2001.61.83.002360-9, 8ª Turma, Rel. Des.
Fed. Marianina Galante, j. em 15/12/08, v.u., DJU de 27/1/09).
Portanto, no presente caso, o conjunto probatório dos autos não foi robusto o suficiente para
caracterizar a situação de hipossuficiência.
Há que se observar, ainda, que a assistência social a ser prestada pelo Poder Público possui
caráter subsidiário, restrita às situações de total impossibilidade de manutenção própria ou por
meio da família, não sendo possível ser utilizado o benefício assistencial como complementação
de renda.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. CONJUNTO PROBATÓRIO.
MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO AMPARO
SOCIAL COMO COMPLEMENTO DE RENDA.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- Na perícia judicial, ficou caracterizado o impedimento de longo prazo (superior a dois anos), de
natureza física, intelectual ou sensorial, capaz de obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com os demais.
III- O conjunto probatório dos autos não foi robusto o suficiente para caracterizar a situação de
hipossuficiência. O estudo social, elaborado em 22/10/18, data em que o salário mínimo era de
R$ 954,00, demonstra que o requerente de 64 anos, desempregado, reside sozinho em casa
cedida pelo amigo (ex-cunhado) Anderson Lima Gonçalves, o qual custeia os gastos de
água/esgoto e energia elétrica, construída em alvenaria, constituída por um quarto com cama de
solteiro, mesa com TV e ventilador, banheiro e varanda coberta utilizada como cozinha, com um
tanque com duas bocas, armário de madeira com alguns utensílios domésticos, geladeira e fogão
elétrico de uma boca, em boas condições de uso. Utiliza o SUS – Sistema Único de Saúde para
tratamento médico, possui inscrição no Cadastro Único, porém, não foi contemplado pelo
Programa Assistencial Bolsa Família, e não recebe benefícios assistenciais na esfera municipal
(Ponta Porã/MS), apesar de já haver solicitado. Não obstante a alegação de que a filha não
reside juntamente com o genitor, tendo gastos com a própria família, não devendo sua
remuneração ser considerada para fins de cálculo da renda per capita do núcleo familiar, os
extratos do CNIS acostados à sentença, referentes a Hindianara Gonçalves Maas, revelam
salários mensais substanciosos, acima de R$ 4.000,00 (quatro mil reais). Impende salientar o
relato de Renata, moradora dos fundos do endereço periciado, no sentido de que "o Senhor
Cesar reside no local, porém não para na residência, sai todos os dias em seu carro, mas não
soube informar para onde" (fls. 83 – id. 90218414 – pág. 2, grifos meus), especificamente, um
veículo GM/Corsa, ST, ano 2001, cor prata, de placa DBX0853, de propriedade do autor, com
registro de endereço no sistema DENATRAN, na Rua Algacyr Pissini nº 277, Bairro Parque dos
Ipês II, Ponta Porã/MS, divergente do local periciado, na Rua México nº 64, conforme descrito
pelo INSS a fls. 168 (id. 90218421 – pág. 6). Ademais, na cota de fls. 229 (id. 90218431 – pág. 2),
há a informação também fornecida pelo INSS de que a filha é proprietária do veículo VW/Gol, ano
2013, de placa NRQ 9220, e o filho Cesar Henrique Gonçalves Maas do veículo VW/Fox, ano
2010, de placa HTG 2883.
IV- O art. 229 da CF/88 dispõe odever mútuo de assistência entre pais e filhos, competindo aos
pais "o dever de assistir, criar e educar os filhos menores" e aos filhos maiores "o dever de ajudar
e ampara os pais na velhice, carência ou enfermidade".
V- Há que se observar, ainda, que a assistência social a ser prestada pelo Poder Público possui
caráter subsidiário, restrita às situações de total impossibilidade de manutenção própria ou por
meio da família, não sendo possível ser utilizado o benefício assistencial como complementação
de renda.
VI- Apelação da parte autora improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
