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ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA E MISERABILIDADE DEMONSTRADAS. CORREÇÃO ...

Data da publicação: 20/03/2021, 19:01:01

E M E N T A ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA E MISERABILIDADE DEMONSTRADAS. CORREÇÃO MONETÁRIA. REMESSA OFICIAL. NÃO CONHECIMENTO. I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família. II- Para a verificação da incapacidade, foi realizada perícia médica judicial. Afirmou o esculápio encarregado do exame, com base no exame clínico e análise da documentação médica dos autos, que o periciando de 11 anos é portador de transtorno do espectro do autismo CID10 F84, epilepsia CIF10 G40 e deficiência intelectual CID10 F791, desde 2009, data do início dos sintomas. Concluiu pela constatação da incapacidade total e permanente, necessitando do auxílio de terceiros para as atividades de vida diária de maneira contínua, sem perspectiva de melhora. Em laudo complementar de fls. 115 (id. 134236134 – pág. 1), esclareceu o expert apresentar o autor impedimento de longo prazo de natureza mental, o qual impede sua participação plena na sociedade, enquadrando-se no conceito legal de deficiência. III- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, não se restringindo ao critério da renda mensal per capita, o requisito da miserabilidade encontra-se demonstrado no presente feito. O estudo social revela que o autor de 11 anos, em uso de medicamentos controlados, realiza tratamento e acompanhamento com endocrinologista pediátrico no Hospital das Clínicas na cidade de Bauru/SP, atualmente frequentando a Casa da Criança – sessão Andorinha, instituição que atende crianças e jovens especiais, submetendo-se a tratamento com fonoaudiólogo e psicólogo, e sessões de hidroterapia, equoterapia, duas vezes por semana. Constatou a assistente social, seu comportamento agitado, agressivo, gritando muito, gesticulando com frequência, tirando a roupa querendo tomar banho e não conseguindo vestir-se novamente. Reside com a genitora de 46 anos e o genitor de 36 anos, em imóvel financiado, localizado em bairro afastado do centro e da rede social e de apoio. A casa modelo CDHU possui infraestrutura básica, construída em alvenaria, com muro e portão alto e fechado, em mal estado de conservação, constituída por cinco cômodos, sendo 2 quartos, sala, cozinha e banheiro, guarnecida por mobiliário e eletrodomésticos simples. A porta de entrada estava com papelão, os vidros, trincos das portas e torneiras encontravam-se quebrados, resultado das crises repetitivas de Eduardo. A genitora dedica-se aos cuidados diários integrais do filho, abrangendo alimentação e higiene, possuindo último vínculo de trabalho no período de 1º/6/10 a 2/2/12. A renda mensal é proveniente da remuneração recebida pelo genitor no valor de R$ 1.700,00. As despesas mensais totalizam R$ 1.913,00. Os medicamentos são fornecidos pela rede de saúde municipal e a maior parte do vestuário são recebidos em doação. IV- Não obstante a informação do INSS no sentido de constar do CNIS o salário do genitor no montante de R$ 1.900,00, há que se registrar que não foram computados os gastos com transporte para os deslocamentos referentes aos tratamentos médicos em outro município, e outros que a situação financeira precária do núcleo familiar impossibilita o acesso, conforme relatado pela genitora no estudo socioeconômico, como Terapia Ocupacional com Integração Sensorial com profissionais na cidade de Jaú/SP, sem cobertura do SUS, ao custo de R$ 80,00 por sessão, Plano de Saúde básico individual, no valor de R$ 180,00, aquisição de bicicleta e brinquedos terapêuticos indicados, e, ainda, psicopedagogia para alfabetização. Assim, forçoso concluir ser insuficiente a renda familiar para a obtenção de melhora no desenvolvimento e desempenho, e consequentemente na qualidade de vida do autor portador de autismo. V- Consoante jurisprudência pacífica do C. Superior Tribunal de Justiça, as questões referentes à correção monetária e juros moratórios são matérias de ordem pública, passíveis de apreciação até mesmo de ofício. VI- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices de atualização monetária, devem ser observados os posicionamentos firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. Considerando que o Manual de Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/13, determina a adoção do INPC para todos os benefícios (inclusive assistenciais), o R. decisum deve ser reformado nessa parte. VII- Quanto à sujeição da sentença ao duplo grau de jurisdição por ser ilíquida, observa-se que líquida é a sentença cujo quantum debeatur pode ser obtido por meros cálculos aritméticos, sem a necessidade de nova fase de produção de provas ou de atividade cognitiva futura que venha a complementar o título judicial. Inviável, portanto, acolher a interpretação conferida pelo Juízo a quo ao conceito de sentença ilíquida. Ademais, o valor da condenação não excede a 1.000 (um mil) salários mínimos, motivo pelo qual a R. sentença não está sujeita ao duplo grau obrigatório. VIII- Apelação do INSS improvida. Remessa oficial não conhecida. (TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5268867-29.2020.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA, julgado em 09/03/2021, Intimação via sistema DATA: 12/03/2021)


Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5268867-29.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: E. H. F. D. L.
CURADOR: RENATA FALASCA

Advogados do(a) APELADO: LUIZ JOSE RODRIGUES NETO - SP315956-N, FLAVIO ANTONIO MENDES - SP238643-N,

OUTROS PARTICIPANTES:

 


APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5268867-29.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: E. H. F. D. L.
CURADOR: RENATA FALASCA

Advogados do(a) APELADO: LUIZ JOSE RODRIGUES NETO - SP315956-N, FLAVIO ANTONIO MENDES - SP238643-N,

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

R E L A T Ó R I O

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): 

Trata-se de ação ajuizada em 18/1/19 em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à concessão do benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser 

pessoa portadora de deficiência 

e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Pleiteia, ainda, a fixação do termo inicial na data do requerimento administrativo.

Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.

O Juízo a quo, em 31/3/20, julgou 

procedente

 o pedido, concedendo o benefício requerido ao autor, representado pela sua genitora, a partir de 24/1/18, data do requerimento administrativo formulado. Determinou o pagamento dos valores atrasados, de uma só vez, acrescidos de correção monetária na forma prevista no Manual de Cálculos da Justiça Federal, observando-se o que vier a ser decidido pelo C. STF no RE nº 870.947/SE, e juros moratórios, de acordo com o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09. Os honorários advocatícios foram fixados em 10% sobre o valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111 do C. STJ). Isentou o réu da condenação em custas processuais.

Inconformada, apelou a autarquia, sustentando em síntese:

- a ausência de demonstração da miserabilidade do núcleo familiar, vez que a renda familiar per capita supera ¼ do salário mínimo vigente, pois diferentemente do informado no estudo social em junho/19, o genitor auferiu a remuneração de R$ 1.900,00, sendo que as despesas mensais podem suportadas, motivo pelo qual deve ser reformada a R. sentença para julgar improcedente o pedido e

- a impossibilidade de utilizar o benefício assistencial como complementação da renda familiar.

- Por fim, argui o prequestionamento da matéria para fins recursais.

Com contrarrazões, e submetida a R. sentença ao duplo grau obrigatório, por ser ilíquida, subiram os autos a esta E. Corte.

Parecer do Ministério Público Federal a fls. 169/77 (id. 138256345 – págs. 1/9), opinando pelo não provimento do recurso do INSS.

É o breve relatório.

 

 


APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5268867-29.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: E. H. F. D. L.
CURADOR: RENATA FALASCA

Advogados do(a) APELADO: LUIZ JOSE RODRIGUES NETO - SP315956-N, FLAVIO ANTONIO MENDES - SP238643-N,

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR):

Dispõe o art. 203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:

 

"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V -

a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei

." (grifos meus)

 

Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de 7/12/1993.

Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da Assistência Social supramencionada.

Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.

Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.

No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover, por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "

A incapacidade para prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da incapacidade para a vida

independente

, conforme estabelecido no art. 203, V, da Constituição Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993
" (grifei). Ademais, a redação do referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."

No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93.

No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o

Recurso Extraordinário nº 567.985/MT

, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:

 

"

Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição.

A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.

Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo'.

O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.

Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.

3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.

Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes.

Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas.

O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.

Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.

5. Recurso extraordinário a que se nega provimento

.

"

(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar Mendes, j. em 18/4/13)

 

 

Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o direito ao benefício assistencial."

Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no

Recurso Especial Repetitivo Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9)

, in verbis:

 

"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).

4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e economicamente vulnerável.

5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.

6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.

7. Recurso Especial provido."

(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09, v.u., DJ 20/11/09)

 

 

Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.

Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS.

Embora a lei refira-se a outro

benefício assistencial

, nada impede que se interprete a lei atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido:

basta que seja no valor de um salário mínimo

. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.

Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in verbis:

 

"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.

I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.

II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha

e o marido, já idoso, o qual percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.

III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e faz uso diário de medicamentos.

IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários, além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte autora, para o cálculo da renda mensal per capita.

V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.

VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o rol dos beneficiários descritos na legislação.

VII - Embargos infringentes não providos."

(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de 05/10/04, grifos meus)

 

Passo à análise do caso concreto.

In casu, para a verificação da incapacidade, foi realizada perícia médica judicial em 9/8/19, tendo sido elaborado o respectivo parecer técnico e juntado a fls. 95/98 (id. 134236123 – págs. 1/4). Afirmou o esculápio encarregado do exame, com base no exame clínico e análise da documentação médica dos autos, que o periciando de 11 anos é portador de transtorno do espectro do autismo CID10 F84, epilepsia CIF10 G40 e deficiência intelectual CID10 F791, desde 2009, data do início dos sintomas. Concluiu pela constatação da incapacidade total e permanente, necessitando do auxílio de terceiros para as atividades de vida diária de maneira contínua, sem perspectiva de melhora. Em laudo complementar de fls. 115 (id. 134236134 – pág. 1), esclareceu o expert apresentar o autor impedimento de longo prazo de natureza mental, o qual impede sua participação plena na sociedade, enquadrando-se no conceito legal de deficiência.

Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 27/7/19, data em que o salário mínimo era de R$ 954,00) demonstra que o autor de 11 anos, em uso de medicamentos controlados, realiza tratamento e acompanhamento com endocrinologista pediátrico no Hospital das Clínicas na cidade de Bauru/SP, atualmente frequentando a Casa da Criança – sessão Andorinha, instituição que atende crianças e jovens especiais, submetendo-se a tratamento  com fonoaudiólogo e psicólogo, e sessões de hidroterapia, equoterapia, duas vezes por semana. Constatou a assistente social, seu comportamento agitado, agressivo, gritando muito, gesticulando com frequência, tirando a roupa querendo tomar banho e não conseguindo vestir-se novamente. Reside com a genitora Renata Falasca de 46 anos e o genitor Carlos Alexandre de Lima de 36 anos, em imóvel financiado, localizado em bairro afastado do centro e da rede social e de apoio (CRAS, CAPS, posto de saúde, hospital, fórum, rodoviária, bancos, e da Casa da Criança). A casa modelo CDHU possui infraestrutura básica, construída em alvenaria, com muro e portão alto e fechado, em mal estado de conservação, constituída por cinco cômodos, sendo 2 quartos, sala, cozinha e banheiro, guarnecida por mobiliário e eletrodomésticos simples. A porta de entrada estava com papelão, os vidros, trincos das portas e torneiras encontravam-se quebrados, resultado das crises repetitivas de Eduardo. A genitora dedica-se aos cuidados diários integrais do filho, abrangendo alimentação e higiene, possuindo último vínculo de trabalho no período de 1º/6/10 a 2/2/12. A renda mensal é proveniente da remuneração recebida pelo genitor no valor de R$ 1.700,00, na fábrica de calçados na cidade de Jaú/SP. As despesas mensais totalizam R$ 1.913,00, sendo R$ 68,00 em água/esgoto, R$ 170,00 em energia elétrica, R$ 185,00 em prestação do financiamento da casa, R$ 360,00 em alimentação (cesta básica), R$ 660,00 em mercado, R$ 150,00 em padaria, R$ 60,00 em gás, e R$ 270,00 em van para o deslocamento diário do genitor para a cidade de Jaú/SP. Os medicamentos são fornecidos pela rede de saúde municipal e a maior parte do vestuário são recebidos em doação.

Não obstante a informação do INSS no sentido de constar do CNIS o salário do genitor no montante de R$ 1.900,00, há que se registrar que não foram computados os gastos com transporte para os deslocamentos referentes aos tratamentos médicos em outro município, e outros que a situação financeira precária do núcleo familiar impossibilita o acesso, conforme relatado pela genitora no estudo socioeconômico, como Terapia Ocupacional com Integração Sensorial com profissionais na cidade de Jaú/SP, sem cobertura do SUS, ao custo de R$ 80,00 por sessão, Plano de Saúde básico individual, no valor de R$ 180,00, aquisição de bicicleta e brinquedos terapêuticos indicados, e, ainda, psicopedagogia para alfabetização. Assim, forçoso concluir ser insuficiente a renda familiar para a obtenção de melhora no desenvolvimento e desempenho, e consequentemente na qualidade de vida do autor portador de autismo.

Dessa forma, ficou comprovada a alegada hipossuficiência do núcleo familiar. Quadra ressaltar que, no presente caso, foi levado em consideração todo o conjunto probatório apresentado nos autos, não se restringindo ao critério da renda mensal per capita.

Cumpre salientar que o amparo social deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa disposição legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.

Ressalto, ainda, ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica, nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de execução do julgado os pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.

Quadra consignar que os eventuais pagamentos das diferenças pleiteadas já realizadas pela autarquia na esfera administrativa devem ser deduzidos na fase de execução do julgado.

Consoante jurisprudência pacífica do C. Superior Tribunal de Justiça, as questões referentes à correção monetária e juros moratórios são matérias de ordem pública, passíveis de apreciação até mesmo de ofício, nos termos dos precedentes in verbis:

 

"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DEPÓSITO JUDICIAL. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. OMISSÃO QUANTO AO VALOR DA DEDUÇÃO, TERMO INICIAL E FINAL DOS JUROS REMUNERATÓRIOS E TAXA DE JUROS MORATÓRIOS. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM. PRECLUSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.

(...)

2.

Consoante a firme orientação jurisprudencial desta Corte Superior, a correção monetária e os juros de mora incidem sobre o objeto da condenação judicial e não se prendem a pedido feito em primeira instância ou a recurso voluntário dirigido ao Tribunal de origem. Por se tratar de matéria de ordem pública, cognoscível até mesmo de ofício, não está sujeita à preclusão, salvo na hipótese de já ter sido objeto de decisão anterior. Precedentes.

3. A questão de ordem pública e, como tal, cognoscível de ofício pelas instâncias ordinárias, é matéria que pode ali ser veiculada pela parte em embargos de declaração, ainda que após a interposição de seu recurso de agravo de instrumento, tal como se deu na hipótese.

4. Enquanto não instaurada esta instância especial, a questão afeta aos juros moratórios, em todos os seus contornos, não se submete à preclusão, tampouco se limita à extensão da matéria devolvida em agravo de instrumento.

5. No caso, o Tribunal de origem não se pronunciou sobre a alegação, deduzida pelo Banco em embargos de declaração, sobre o termo inicial e final dos juros moratórios, justificando-se, portanto, o reconhecimento de ofensa ao art. 535, II, do CPC/1973.

6. Agravo interno a que se nega provimento."

(STJ, AgInt. no AREsp. nº 937.652/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 26/08/2019, DJe 30/08/2019, grifos meus)

 

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA.

CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA.

REMESSA NECESSÁRIA. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE.

1. Não há violação do art. 535 do CPC/1973 quando o órgão julgador, de forma clara e coerente, externa fundamentação adequada e suficiente à conclusão do acórdão embargado.

2. As questões relativas à correção monetária e aos juros de mora são de ordem pública e, por isso, devem ser conhecidas ou modificadas de ofício em sede de remessa necessária, sem importar em ofensa ao princípio da congruência e, por conseguinte, da

non reformatio in pejus.

3. Agravo interno não provido."

(STJ, AgInt. no REsp. nº 1.555.776/PR, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 23/9/2019, DJe 25/9/2019, grifos meus).

 

A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora.

Com relação aos

índices de atualização monetária

, devem ser observados os posicionamentos firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (

Tema 810

) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (

Tema 905

), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. Quadra ressaltar haver constado expressamente do voto do Recurso Repetitivo que "a adoção do INPC não configura afronta ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral (RE 870.947/SE). Isso porque, naquela ocasião, determinou-se a aplicação do IPCA-E para fins de correção monetária de

benefício de prestação continuada

(BPC), o qual se trata de benefício de natureza assistencial, previsto na Lei 8.742/93. Assim, é imperioso concluir que o INPC, previsto no art. 41-A da Lei 8.213/91, abrange apenas a correção monetária dos benefícios de natureza previdenciária.
" Outrossim, como bem observou o E. Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira: "Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência –

INPC

e

IPCA-E

tiveram

variação

muito

próxima

no período de julho de 2009 (data em que começou a vigorar a TR) e até setembro de 2019, quando julgados os embargos de declaração no RE 870947 pelo STF (IPCA-E: 76,77%;

INPC

75,11), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
" (TRF-4ª Região, AI nº 5035720-27.2019.4.04.0000/PR, 6ª Turma, v.u., j. 16/10/19).

Considerando que o Manual de Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/13, determina a adoção do

INPC

para todos os benefícios (inclusive assistenciais), o R. decisum deve ser reformado nessa parte.

No tocante ao prequestionamento da matéria, para fins de interposição de recursos aos tribunais superiores, não merece prosperar a alegação do INSS de eventual ofensa aos dispositivos legais e constitucionais, tendo em vista que houve análise da apelação em todos os seus aspectos.

Por fim, quanto à sujeição da sentença ao duplo grau de jurisdição por ser ilíquida, observo que líquida é a sentença cujo quantum debeatur pode ser obtido por meros cálculos aritméticos, sem a necessidade de nova fase de produção de provas ou de atividade cognitiva futura que venha a complementar o título judicial. Neste sentido, explica Cândido Rangel Dinamarco: "Liqüidez é o conhecimento da quantidade de bens devidos ao credor. Uma obrigação é líqüida (a) quando já se encontra perfeitamente determinada a quantidade dos bens que lhe constituem o objeto ou (b)

quando essa quantidade é determinável mediante a realização de meros cálculos aritméticos, sempre sem a necessidade de buscar elementos ou provas necessárias ao conhecimento do quantum

. O estado de determinação da quantidade de bens devidos resulta desde logo do título que representa o direito ou mesmo lhe dá origem, ou será atingido mediante providências inerentes ao incidente de liquidação de sentença (arts. 475-A ss.);

quando o valor de obrigação reconhecida em sentença

ou em título extrajudicial

é determinável por mero cálculo, não há iliqüidez

nem é necessária liquidação alguma,

bastando ao credor a elaboração da memória de cálculo

indicada nos arts. 475-B e 614, inc. II, do Código de Processo Civil.
" (Instituições de Direito Processual Civil, vol. IV, 3ª ed., rev. e atual., São Paulo:Malheiros, 2009, pp. 231/232 e 235, grifos meus)

Inviável, portanto, acolher a interpretação conferida pelo Juízo a quo ao conceito de sentença ilíquida.

Ademais, o § 3º do art. 496 do CPC, de 2015, dispõe não ser aplicável a remessa necessária "quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a: I) 1.000 (mil) salários mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público".

No tocante à aplicação imediata do referido dispositivo, peço vênia para transcrever os ensinamentos do Professor Humberto Theodoro Júnior, na obra "Curso de Direito Processual Civil", Vol. III, 47ª ed., Editora Forense, in verbis:

 

"A extinção da remessa necessária faz desaparecer a competência do tribunal de segundo grau para o reexame da sentença.

Incide imediatamente, impedindo o julgamento dos casos pendentes.

É o que se passa com as sentenças condenatórias dentro dos valores ampliados pelo § 3º do art. 496 do NCPC para supressão do duplo grau obrigatório. Os processos que versem sobre valores inferiores aos novos limites serão simplesmente devolvidos ao juízo de primeiro grau, cuja sentença terá se tornado definitiva pelo sistema do novo Código, ainda que proferida anteriormente à sua vigência." (grifos meus)

 

Observo que o valor da condenação não excede a 1.000 (um mil) salários mínimos, motivo pelo qual a R. sentença não está sujeita ao duplo grau obrigatório.

Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS, devendo a correção monetária ser fixada na forma acima indicada, e não conheço da remessa oficial.

É o meu voto.

 



E M E N T A

 

ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA E MISERABILIDADE DEMONSTRADAS. CORREÇÃO MONETÁRIA. REMESSA OFICIAL. NÃO CONHECIMENTO.

I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.

II- Para a verificação da incapacidade, foi realizada perícia médica judicial. Afirmou o esculápio encarregado do exame, com base no exame clínico e análise da documentação médica dos autos, que o periciando de 11 anos é portador de transtorno do espectro do autismo CID10 F84, epilepsia CIF10 G40 e deficiência intelectual CID10 F791, desde 2009, data do início dos sintomas. Concluiu pela constatação da incapacidade total e permanente, necessitando do auxílio de terceiros para as atividades de vida diária de maneira contínua, sem perspectiva de melhora. Em laudo complementar de fls. 115 (id. 134236134 – pág. 1), esclareceu o expert apresentar o autor impedimento de longo prazo de natureza mental, o qual impede sua participação plena na sociedade, enquadrando-se no conceito legal de deficiência.

III- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, não se restringindo ao critério da renda mensal per capita, o requisito da miserabilidade encontra-se demonstrado no presente feito. O estudo social revela que o autor de 11 anos, em uso de medicamentos controlados, realiza tratamento e acompanhamento com endocrinologista pediátrico no Hospital das Clínicas na cidade de Bauru/SP, atualmente frequentando a Casa da Criança – sessão Andorinha, instituição que atende crianças e jovens especiais, submetendo-se a tratamento com fonoaudiólogo e psicólogo, e sessões de hidroterapia, equoterapia, duas vezes por semana. Constatou a assistente social, seu comportamento agitado, agressivo, gritando muito, gesticulando com frequência, tirando a roupa querendo tomar banho e não conseguindo vestir-se novamente. Reside com a genitora de 46 anos e o genitor de 36 anos, em imóvel financiado, localizado em bairro afastado do centro e da rede social e de apoio. A casa modelo CDHU possui infraestrutura básica, construída em alvenaria, com muro e portão alto e fechado, em mal estado de conservação, constituída por cinco cômodos, sendo 2 quartos, sala, cozinha e banheiro, guarnecida por mobiliário e eletrodomésticos simples. A porta de entrada estava com papelão, os vidros, trincos das portas e torneiras encontravam-se quebrados, resultado das crises repetitivas de Eduardo. A genitora dedica-se aos cuidados diários integrais do filho, abrangendo alimentação e higiene, possuindo último vínculo de trabalho no período de 1º/6/10 a 2/2/12. A renda mensal é proveniente da remuneração recebida pelo genitor no valor de R$ 1.700,00. As despesas mensais totalizam R$ 1.913,00. Os medicamentos são fornecidos pela rede de saúde municipal e a maior parte do vestuário são recebidos em doação.

IV- Não obstante a informação do INSS no sentido de constar do CNIS o salário do genitor no montante de R$ 1.900,00, há que se registrar que não foram computados os gastos com transporte para os deslocamentos referentes aos tratamentos médicos em outro município, e outros que a situação financeira precária do núcleo familiar impossibilita o acesso, conforme relatado pela genitora no estudo socioeconômico, como Terapia Ocupacional com Integração Sensorial com profissionais na cidade de Jaú/SP, sem cobertura do SUS, ao custo de R$ 80,00 por sessão, Plano de Saúde básico individual, no valor de R$ 180,00, aquisição de bicicleta e brinquedos terapêuticos indicados, e, ainda, psicopedagogia para alfabetização. Assim, forçoso concluir ser insuficiente a renda familiar para a obtenção de melhora no desenvolvimento e desempenho, e consequentemente na qualidade de vida do autor portador de autismo.

V- Consoante jurisprudência pacífica do C. Superior Tribunal de Justiça, as questões referentes à correção monetária e juros moratórios são matérias de ordem pública, passíveis de apreciação até mesmo de ofício.

VI- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices de atualização monetária, devem ser observados os posicionamentos firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. Considerando que o Manual de Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/13, determina a adoção do INPC para todos os benefícios (inclusive assistenciais), o R. decisum deve ser reformado nessa parte.

VII- Quanto à sujeição da sentença ao duplo grau de jurisdição por ser ilíquida, observa-se que líquida é a sentença cujo quantum debeatur pode ser obtido por meros cálculos aritméticos, sem a necessidade de nova fase de produção de provas ou de atividade cognitiva futura que venha a complementar o título judicial. Inviável, portanto, acolher a interpretação conferida pelo Juízo a quo ao conceito de sentença ilíquida. Ademais, o valor da condenação não excede a 1.000 (um mil) salários mínimos, motivo pelo qual a R. sentença não está sujeita ao duplo grau obrigatório.

VIII- Apelação do INSS improvida. Remessa oficial não conhecida.

 

 

 


 

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS e não conhecer da remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

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