Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5041015-82.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
22/04/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 26/04/2019
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE DEMONSTRADA.
PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA E
JUROS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- Comprovado o impedimento de longo prazo para a vida independente e para o trabalho, pela
perícia judicial.
III- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da hipossuficiência encontra-
se demonstrado no presente feito. O estudo social revela que a família é composta por três
membros, sendo a requerente, nascida em 4/4/51, com saúde frágil, o marido Osvaldo Cardoso
dos Santos Filho, nascido em 8/6/62, e a filha Jaqueline Aparecida dos Santos, nascida em
16/10/89, em casa própria financiada, adquirida há sete anos pela CDHU em sistema de mutirão,
construída em alvenaria, em bom estado de conservação, constituída de quatro cômodos, sendo
dois quartos, banheiro, e sala e cozinha conjugadas, e guarnecida por móveis e eletrodomésticos
de modo satisfatório. A filha solteira deixou de exercer a função de diarista para auxiliar nos
cuidados da mãe. A renda mensal é proveniente da remuneração recebida pelo cônjuge, como
ajudante geral em granja do distrito, no valor mensal de R$ 950,00, passando a R$ 1.158,00 no
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
mês em que realiza horas extras. Os gastos mensais totalizam R$ 904,00, sendo R$ 560,00 em
gêneros alimentícios e produtos de higiene, R$ 20,00 em água/esgoto, R$ 78,00 em energia
elétrica, R$ 146,00 em financiamento do imóvel e R$ 100,00 em medicamentos.
IV- O termo inicial deve ser fixado na data do requerimento administrativo, conforme
jurisprudência pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro
Humberto Martins, v.u., j. 10/9/13, DJe 18/9/13).
V- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, deve ser observado o julgamento proferido pelo C.
Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947.
VI- A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera
condignamente o serviço profissional prestado. No que se refere à sua base de cálculo,
considerando que o direito pleiteado pela parte autora foi reconhecido somente no Tribunal,
adota-se o posicionamento do C. STJ de que os honorários devem incidir até o julgamento do
recurso nesta Corte, in verbis: "Nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça, o
marco final da verba honorária deve ser o decisum no qual o direito do segurado foi reconhecido,
que no caso corresponde ao acórdão proferido pelo Tribunal a quo." (AgRg no Recurso Especial
nº 1.557.782-SP, 2ª Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, j. em 17/12/15, v.u., DJe
18/12/15).
VII- Apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5041015-82.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: MARIA JOSE DIAS DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: EVA TERESINHA SANCHES - SP107813-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5041015-82.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: MARIA JOSE DIAS DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: EVA TERESINHA SANCHES - SP107813-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em 4/9/15 em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à
concessão do benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o
fundamento de ser pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família. Pleiteia que o termo inicial seja fixado na data do
requerimento administrativo formulado em 7/4/15.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo, em 11/4/18, julgou improcedente o pedido, sob o fundamento de não haver sido
comprovado o requisito da hipossuficiência do núcleo familiar. Condenou a parte autora ao
pagamento de custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, arbitrados
estes em 10% sobre o valor da causa atualizado, observada a gratuidade que lhe foi concedida.
Inconformada, apelou a parte autora, alegando em síntese:
- a constatação da incapacidade total e permanente para o labor, conforme conclusão da perícia
judicial;
- ser o núcleo familiar formado por três pessoas, a renda proveniente da remuneração do marido,
perfazendo R$ 366,67 per capita, ou seja, inferior a ½ salário mínimo vigente no país, sendo que
a filha maior não pode exercer atividade laborativa, em razão dos cuidados despendidos à
genitora e
- a simplicidade da moradia.
- Requer a reforma da R. sentença, para conceder o benefício assistencial à pessoa portadora de
deficiência da DER 7/4/15 até 3/4/16 e, a conversão para o amparo social ao idoso, em
decorrência do implemento do requisito etário, com o pagamento dos valores atrasados, em uma
única vez, acrescidos de correção monetária e juros moratórios conforme o Manual de Cálculos
da Justiça Federal, e condenação do INSS em honorários advocatícios de no mínimo 15% sobre
o valor da conta de liquidação até a data da prolação do acórdão.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal a fls. 5/11 (doc. 29453069 – págs. 1/7), opinando pelo
conhecimento e provimento do recurso da parte autora.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5041015-82.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: MARIA JOSE DIAS DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: EVA TERESINHA SANCHES - SP107813-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Dispõe o art.
203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das
atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como
incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover,
por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre
registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para
prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição
Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do
referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, para aferição da incapacidade, foi realizada perícia judicial em 5/7/17, tendo sido
elaborado o respectivo parecer técnico, juntado a fls. 58/63 (doc. 5480901 – págs. 2/7). Afirmou o
esculápio encarregado do exame, com base no exame físico e análise da documentação médica
apresentada, que a autora de 66 anos, envelhecida, é portadora de hipertensão arterial
descompensada, com alterações na semiologia cardíaca devido a arritmia cardíaca, com cirrose
decorrente de hepatite C, retocolite ulcerativa e insuficiência venosa crônica, com úlcera na perna
esquerda que lhe prejudica a marcha (é discretamente claudicante). Concluiu pela incapacidade
laborativa total e permanente para o trabalho. Estabeleceu o início da incapacidade em 22/6/17,
data do atestado de médico gastroenterologista, constando a presença das patologias.
Impende salientar, porém, que o próprio expert relata no laudo que foram analisados os
documentos médicos datados de 2014/2015, esclarecendo que "03- O exame subsidiário
realizado pela Autora em 10/08/2015, mostra no ultrassom de abdômen a presença de
Hepatopatia crônica; no Laudo anatomopatológico emitido em 24/12/2014 evidencia a presença
de Colite crônica ulcerativa e nos ecocardiogramas realizados em 03/02/2015, 05/02/2015 e em
04/03/2015 mostram a presença de insuficiência valvar aórtica moderada e insuficiência valvar
mitral discreta, cujos resultados justificam plenamente todas as queixas clínicas referidas por ela"
(fls. 60 – doc. 5480901 – pág. 4). Assim, forçoso concluir que a incapacidade remonta ao início de
2015.
Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 19/6/17, data em que o
salário mínimo era de R$ 937,00), demonstra que a família é composta por três membros, sendo
a requerente, nascida em 4/4/51, com saúde frágil, o marido Osvaldo Cardoso dos Santos Filho,
nascido em 8/6/62, e a filha Jaqueline Aparecida dos Santos, nascida em 16/10/89, em casa
própria financiada, adquirida há sete anos pela CDHU em sistema de mutirão, construída em
alvenaria, em bom estado de conservação, constituída de quatro cômodos, sendo dois quartos,
banheiro, e sala e cozinha conjugadas, e guarnecida por móveis e eletrodomésticos de modo
satisfatório. A filha solteira deixou de exercer a função de diarista para auxiliar nos cuidados da
mãe. A renda mensal é proveniente da remuneração recebida pelo cônjuge, como ajudante geral
em granja do distrito, no valor mensal de R$ 950,00, passando a R$ 1.158,00 no mês em que
realiza horas extras. Os gastos mensais totalizam R$ 904,00, sendo R$ 560,00 em gêneros
alimentícios e produtos de higiene, R$ 20,00 em água/esgoto, R$ 78,00 em energia elétrica, R$
146,00 em financiamento do imóvel e R$ 100,00 em medicamentos.
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, observo que o requisito da
hipossuficiência encontra-se demonstrado no presente feito.
Cumpre salientar que o amparo social deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa
disposição legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
Ressalto, ainda, ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada com
qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica,
nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de execução do
julgado os pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.
Conforme documento de fls. 221 (doc. 5480743 – pag. 1), a parte autora formulou pedido de
amparo social à pessoa portadora de deficiência em 7/4/15, motivo pelo qual o termo inicial de
concessão do benefício deve ser fixado na data do pedido na esfera administrativa, conforme
jurisprudência pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro
Humberto Martins, v.u., j. 10/9/13, DJe 18/9/13).
A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora.
Com relação aos índices de atualização monetária e taxa de juros, deve ser observado o
julgamento proferido pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 870.947.
A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera condignamente
o serviço profissional prestado, nos termos do art. 85 do CPC/15 e precedentes desta Oitava
Turma.
No que se refere à sua base de cálculo, considerando que o direito pleiteado pela parte autora foi
reconhecido somente no Tribunal, passo a adotar o posicionamento do C. STJ de que os
honorários devem incidir até o julgamento do recurso nesta Corte, in verbis: "Nos termos da
Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça, o marco final da verba honorária deve ser o
decisum no qual o direito do segurado foi reconhecido, que no caso corresponde ao acórdão
proferido pelo Tribunal a quo." (AgRg no Recurso Especial nº 1.557.782-SP, 2ª Turma, Relator
Ministro Mauro Campbell Marques, j. em 17/12/15, v.u., DJe 18/12/15).
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora para condenar o INSS a
conceder o benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência, a partir da data do
requerimento administrativo, formulado em 7/4/15, devendo a correção monetária, os juros de
mora e a verba honorária incidir na forma acima indicada.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE DEMONSTRADA.
PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA E
JUROS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- Comprovado o impedimento de longo prazo para a vida independente e para o trabalho, pela
perícia judicial.
III- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da hipossuficiência encontra-
se demonstrado no presente feito. O estudo social revela que a família é composta por três
membros, sendo a requerente, nascida em 4/4/51, com saúde frágil, o marido Osvaldo Cardoso
dos Santos Filho, nascido em 8/6/62, e a filha Jaqueline Aparecida dos Santos, nascida em
16/10/89, em casa própria financiada, adquirida há sete anos pela CDHU em sistema de mutirão,
construída em alvenaria, em bom estado de conservação, constituída de quatro cômodos, sendo
dois quartos, banheiro, e sala e cozinha conjugadas, e guarnecida por móveis e eletrodomésticos
de modo satisfatório. A filha solteira deixou de exercer a função de diarista para auxiliar nos
cuidados da mãe. A renda mensal é proveniente da remuneração recebida pelo cônjuge, como
ajudante geral em granja do distrito, no valor mensal de R$ 950,00, passando a R$ 1.158,00 no
mês em que realiza horas extras. Os gastos mensais totalizam R$ 904,00, sendo R$ 560,00 em
gêneros alimentícios e produtos de higiene, R$ 20,00 em água/esgoto, R$ 78,00 em energia
elétrica, R$ 146,00 em financiamento do imóvel e R$ 100,00 em medicamentos.
IV- O termo inicial deve ser fixado na data do requerimento administrativo, conforme
jurisprudência pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro
Humberto Martins, v.u., j. 10/9/13, DJe 18/9/13).
V- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, deve ser observado o julgamento proferido pelo C.
Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947.
VI- A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera
condignamente o serviço profissional prestado. No que se refere à sua base de cálculo,
considerando que o direito pleiteado pela parte autora foi reconhecido somente no Tribunal,
adota-se o posicionamento do C. STJ de que os honorários devem incidir até o julgamento do
recurso nesta Corte, in verbis: "Nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça, o
marco final da verba honorária deve ser o decisum no qual o direito do segurado foi reconhecido,
que no caso corresponde ao acórdão proferido pelo Tribunal a quo." (AgRg no Recurso Especial
nº 1.557.782-SP, 2ª Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, j. em 17/12/15, v.u., DJe
18/12/15).
VII- Apelação da parte autora parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
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