Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5363521-42.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
10/06/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 13/06/2019
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO COMO COMPLEMENTO DE RENDA.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- Para a comprovação da deficiência, foi realizada perícia judicial em 3/10/17, tendo sido
elaborado o parecer técnico de fls. 89/96 (doc. 40659576 – págs. 1/8). Afirmou o esculápio
encarregado do exame, com base no exame físico e análise da documentação médica
apresentada, que o autor de 12 anos é portador de nistagmo congênito (visão subnormal
bilateral), com dificuldade de fixação de imagens, precisando sentar mais perto da lousa e mudar
de posição para acompanhar o que é escrito. Esclareceu que, apesar de "ter dificuldade para
enxergar objetos pequenos, refere só usar óculos para perto. Apresenta limitação parcial para
atividades do cotidiano de pessoas de sua idade. Na idade adulta também apresentará
limitações" (fls. 93 – doc. 40659576 – pág. 5). Concluiu pela incapacidade parcial e permanente
quando em idade legal para iniciar atividade laboral. Dessa forma, caracterizado o impedimento
de longo prazo, de natureza física, intelectual ou sensorial, capaz de obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade.
III- Pela análise de todo o conjunto probatório constante dos autos, não ficou demonstrada a
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
alegada miserabilidade da parte autora. O estudo social revela que o núcleo familiar é composto
por sete pessoas, sendo os avós paternos, a genitora, o autor menor e outros três irmãos
menores, residindo em imóvel próprio, guarnecido por móveis e eletrodomésticos básicos. A
renda mensal é proveniente dos proventos de aposentadoria por invalidez auferida pela avó
paterna, no valor de R$ 1.360,00 e do "bico que a genitora faz como balconista no bar e recebe
R$ 40,00 por dia" (fls. 112 - doc. 40659546 – pág. 3). As despesas mensais totalizam
aproximadamente R$ 1.370,00, sendo R$ 800,00 em alimentação, R$ 324,00 em energia elétrica,
R$ 106,00 em água/esgoto, R$ 60,00 em gás, R$ 80,00 em telefone. Como bem asseverou a I.
Representante do Parquet Federal a fls. 6 (doc. 51268549 – pág. 3), "(...) Atualmente, o avô
paterno, Sr. José Carlos Aparecido dos Santos, que estava desempregado à época do estudo
social encontra-se trabalhando, assim como o pai do autor, Sr. Rodrigo Aparecido dos Santos,
conforme dados obtidos junto ao CNIS/ Plenus (em anexo)."
IV- Há que se observar que a assistência social a ser prestada pelo Poder Público possui caráter
subsidiário, restrita às situações de total impossibilidade de manutenção própria ou por meio da
família, não sendo possível ser utilizado o benefício assistencial como complementação de renda.
V- Não preenchidos, de forma cumulativa, os requisitos necessários para a concessão do
benefício previsto no art. 203 da Constituição Federal, consoante dispõe a Lei n.º 8.742/93,
impõe-se o indeferimento do pedido.
VI- Apelação da parte autora improvida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5363521-42.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: KELVIN RYAN DIAS DOS SANTOS
REPRESENTANTE: JAQUELINE DE OLIVEIRA DIAS
Advogados do(a) APELANTE: ISIDORO PEDRO AVI - SP140426-N, MARIA SANTINA
CARRASQUI AVI - SP254557-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5363521-42.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: KELVIN RYAN DIAS DOS SANTOS
REPRESENTANTE: JAQUELINE DE OLIVEIRA DIAS
Advogados do(a) APELANTE: ISIDORO PEDRO AVI - SP140426-N, MARIA SANTINA
CARRASQUI AVI - SP254557-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à concessão do
benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser
pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família. Pleiteia, ainda, que o termo inicial seja fixado na data do requerimento
administrativo, bem como a tutela antecipada.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita, e indeferida a
antecipação dos efeitos da tutela.
O Juízo a quo julgou improcedente o pedido, sob o fundamento da ausência de comprovação da
alegada deficiência e do requisito da hipossuficiência do núcleo familiar. Condenou a parte autora
no pagamento de custas, despesas processuais, e honorários advocatícios, arbitrados estes 10%
sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, § 3º, do CPC/15, suspensa a exigibilidade de tal
verba.
Inconformada, apelou a parte autora, sustentando em síntese:
- a comprovação da incapacidade de longa duração, consoante as conclusões do Sr. Perito na
perícia judicial;
- o preenchimento do requisito da hipossuficiência, tendo em vista residir na residência da avó
paterna, juntamente com sua genitora e irmãos, sobrevivendo apenas dos proventos de
aposentadora por invalidez por ela recebida e
- a possibilidade de aferição da miserabilidade por outros critérios objetivos.
- Requer a reforma da R. sentença, para ser julgado procedente o pedido.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal a fls. 4/8 (doc. 50109325 – págs. 1/4) opinando pelo
desprovimento do recurso e manutenção da R. sentença de improcedência.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5363521-42.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: KELVIN RYAN DIAS DOS SANTOS
REPRESENTANTE: JAQUELINE DE OLIVEIRA DIAS
Advogados do(a) APELANTE: ISIDORO PEDRO AVI - SP140426-N, MARIA SANTINA
CARRASQUI AVI - SP254557-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Dispõe o art.
203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das
atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como
incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover,
por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre
registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para
prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição
Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do
referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
Para a comprovação da deficiência, foi realizada perícia judicial em 3/10/17, tendo sido elaborado
o parecer técnico de fls. 89/96 (doc. 40659576 – págs. 1/8). Afirmou o esculápio encarregado do
exame, com base no exame físico e análise da documentação médica apresentada, que o autor
de 12 anos é portador de nistagmo congênito (visão subnormal bilateral), com dificuldade de
fixação de imagens, precisando sentar mais perto da lousa e mudar de posição para acompanhar
o que é escrito. Esclareceu que, apesar de "ter dificuldade para enxergar objetos pequenos,
refere só usar óculos para perto. Apresenta limitação parcial para atividades do cotidiano de
pessoas de sua idade. Na idade adulta também apresentará limitações" (fls. 93 – doc. 40659576
– pág. 5). Concluiu pela incapacidade parcial e permanente quando em idade legal para iniciar
atividade laboral. Dessa forma, caracterizado o impedimento de longo prazo, de natureza física,
intelectual ou sensorial, capaz de obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade.
Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 20/10/17, data em que
o salário mínimo era de R$ 937,00) demonstra que o autor reside com a avó Josemir dos Santos,
de 47 anos, o avô paterno José Carlos Aparecido dos Santos, de 57 anos e desempregado, a
genitora Jaqueline de Oliveira Dias, de 28 anos, a irmã de Kyara de 7 anos e estudante, e a irmã
caçula Yarin de 2 anos, bem como o irmão Kauãn de 9 anos e estudante. A casa em que residem
é própria, composta por seis cômodos, sendo dois dormitórios, sala, cozinha, e dois banheiros,
guarnecida por móveis e eletrodomésticos básicos. Segundo relato à assistente social, "Jaqueline
de Oliveira Dias foi casada com Rodrigo Aparecido dos Santos por treze anos e seis meses e
dessa união tiveram os filhos Kelvin Ryan Dias dos Santos, Kyara Gabrielly dos Santos e Yarin
Emanuelly Dias dos Santos, o filho Kauan Henrique Dias Simão é fruto de outro relacionamento
de Jaqueline. Em 29 de Dezembro de 2016, o genitor Rodrigo foi detido, ele trabalhava registrado
como pintor e pedreiro, após a prisão, Jaqueline e seus filhos passaram a residir com Josemi,
mas Jaqueline ficou residindo por apenas três meses na casa da ex sogra, em Março/2017 ela
passou a residir com uma amiga que é proprietária de um bar no bairro Jardim Buscardi neste
município, e deixou os filhos aos cuidados de Josemi. Recentemente Jaqueline voltou a residir
com a ex-sogra, Sra Josemi para auxiliá-la nos cuidados com os filhos. O requerente Kelvin
nasceu com baixa visão, e foi diagnosticado com NISTAGMO CONGÊNITO (movimento
involuntário dos olhos), tem baixa acuidade visual em ambos os olhos, faz uso de óculos e
frequenta a escola especial Olhos D’Alma no município de Jaboticabal. Cabe ressaltar que o
genitor Rodrigo Aparecido dos Santos, saiu da penitenciária dia 22 de Maio de 2017, reside com
outra companheira na Rua 8 nº 8 no bairro Maria Luíza II" (fls. 116 – doc. 40659546 – pág. 7). A
renda mensal é proveniente dos proventos de aposentadoria por invalidez auferida pela avó
paterna, no valor de R$ 1.360,00 e do "bico que a genitora faz como balconista no bar e recebe
R$ 40,00 por dia" (fls. 112 - doc. 40659546 – pág. 3). As despesas mensais totalizam
aproximadamente R$ 1.370,00, sendo R$ 800,00 em alimentação, R$ 324,00 em energia elétrica,
R$ 106,00 em água/esgoto, R$ 60,00 em gás, R$ 80,00 em telefone.
Como bem asseverou a I. Representante do Parquet Federal a fls. 6 (doc. 51268549 – pág. 3),
"(...) Atualmente, o avô paterno, Sr. José Carlos Aparecido dos Santos, que estava
desempregado à época do estudo social encontra-se trabalhando, assim como o pai do autor, Sr.
Rodrigo Aparecido dos Santos, conforme dados obtidos junto ao CNIS/ Plenus (em anexo)".
Consoante a documentação juntada, o genitor do autor foi preso novamente, tendo os seus
dependentes recebido auxílio-reclusão (NB 1798793633), no período de 12/16 a 5/18. Segundo
consulta no Plenus, o valor do benefíciofoi de R$ 1.052,30 mensais. A partir de janeiro/18, o
genitor passou a receber o valor de R$ 1.748,70. A avó recebe, atualmente, o valor de R$
1.853,68 e o avô passou a receber, a partir de 12/17, o valor de R$ 848,90.
Dessa forma, não ficou demonstrada a alegada hipossuficiência do núcleo familiar. Quadra
ressaltar que, no presente caso, foi levado em consideração todo o conjunto probatório
apresentado nos autos, não se restringindo ao critério da renda mensal per capita.
Por derradeiro, há que se observar que a assistência social a ser prestada pelo Poder Público
possui caráter subsidiário, restrita às situações de total impossibilidade de manutenção própria ou
por meio da família, não sendo possível ser utilizado o benefício assistencial como
complementação de renda.
Não obstante constatada a incapacidade laborativa da parte autora, em se tratando de requisitos
cumulativos, não tendo sido comprovada a miserabilidade, não há como possa ser deferido o
benefício assistencial.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO COMO COMPLEMENTO DE RENDA.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- Para a comprovação da deficiência, foi realizada perícia judicial em 3/10/17, tendo sido
elaborado o parecer técnico de fls. 89/96 (doc. 40659576 – págs. 1/8). Afirmou o esculápio
encarregado do exame, com base no exame físico e análise da documentação médica
apresentada, que o autor de 12 anos é portador de nistagmo congênito (visão subnormal
bilateral), com dificuldade de fixação de imagens, precisando sentar mais perto da lousa e mudar
de posição para acompanhar o que é escrito. Esclareceu que, apesar de "ter dificuldade para
enxergar objetos pequenos, refere só usar óculos para perto. Apresenta limitação parcial para
atividades do cotidiano de pessoas de sua idade. Na idade adulta também apresentará
limitações" (fls. 93 – doc. 40659576 – pág. 5). Concluiu pela incapacidade parcial e permanente
quando em idade legal para iniciar atividade laboral. Dessa forma, caracterizado o impedimento
de longo prazo, de natureza física, intelectual ou sensorial, capaz de obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade.
III- Pela análise de todo o conjunto probatório constante dos autos, não ficou demonstrada a
alegada miserabilidade da parte autora. O estudo social revela que o núcleo familiar é composto
por sete pessoas, sendo os avós paternos, a genitora, o autor menor e outros três irmãos
menores, residindo em imóvel próprio, guarnecido por móveis e eletrodomésticos básicos. A
renda mensal é proveniente dos proventos de aposentadoria por invalidez auferida pela avó
paterna, no valor de R$ 1.360,00 e do "bico que a genitora faz como balconista no bar e recebe
R$ 40,00 por dia" (fls. 112 - doc. 40659546 – pág. 3). As despesas mensais totalizam
aproximadamente R$ 1.370,00, sendo R$ 800,00 em alimentação, R$ 324,00 em energia elétrica,
R$ 106,00 em água/esgoto, R$ 60,00 em gás, R$ 80,00 em telefone. Como bem asseverou a I.
Representante do Parquet Federal a fls. 6 (doc. 51268549 – pág. 3), "(...) Atualmente, o avô
paterno, Sr. José Carlos Aparecido dos Santos, que estava desempregado à época do estudo
social encontra-se trabalhando, assim como o pai do autor, Sr. Rodrigo Aparecido dos Santos,
conforme dados obtidos junto ao CNIS/ Plenus (em anexo)."
IV- Há que se observar que a assistência social a ser prestada pelo Poder Público possui caráter
subsidiário, restrita às situações de total impossibilidade de manutenção própria ou por meio da
família, não sendo possível ser utilizado o benefício assistencial como complementação de renda.
V- Não preenchidos, de forma cumulativa, os requisitos necessários para a concessão do
benefício previsto no art. 203 da Constituição Federal, consoante dispõe a Lei n.º 8.742/93,
impõe-se o indeferimento do pedido.
VI- Apelação da parte autora improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
