Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5076328-07.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
31/05/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 07/06/2019
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO
DOS REQUISITOS LEGAIS.
I- A perícia médica foi devidamente realizada por Perito nomeado pelo Juízo a quo, tendo sido
apresentado o parecer técnico devidamente elaborado, com respostas claras e objetivas, motivo
pelo qual não merece prosperar o pedido de realização de nova prova pericial por médico
especialista. Cumpre ressaltar que o magistrado, ao analisar o conjunto probatório, pode concluir
pela dispensa de produção de outras provas, nos termos do parágrafo único do art. 370 do CPC.
II- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
III- In casu, consta do laudo pericial, datado de 28/6/18, que a autora, de 50 anos e trabalhadora
rural, refere ter se submetido “a cirurgia do fígado (devido a adenoma hepático) no ano de 2013 e
de tireoide em 24/11/2014 devido a neoplasia de tireoide, desde então faz acompanhamento
médico ambulatorial. Portadora de hipertensão arterial há mais de 5 anos, costuma ter tontura,
turvor nas vistas, zumbido nos ouvidos, dores na nuca e às vezes inchaço nas pernas. Tem muita
fraqueza. Há 3 anos foi-lhe diagnosticado diabetes, tem a sensação que sua boca fica seca, bebe
muita água e urina muito”. Em resposta aos quesitos formulados, esclareceu o esculápio que a
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
demandante é portadora de “hipertensão arterial e problemas no fígado há 5 anos, problemas na
tireoide há 4 anos e de diabetes há 3 anos”, concluindo que a mesma “na atualidade não se
encontra incapaz” (ID 8583132). No entanto, não obstante a conclusão do laudo pericial, cumpre
notar que o relatório elaborado por médico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo,
acostado aos autos (ID 8583090), datado de 9/8/17, revela que a mesma é portadora de
neoplasia maligna da glândula tireóide, diagnosticada em 1°/2/17, tendo sido submetida, “em
26/5/17 a Tireoidectomia total + esvaziamento cervical VI bilaterial – II a V a Direita + reimplante
de paratireoide inferior direita em MECM D. AP: CARCINOMA PAPILÍFERO TIREÓIDE”. Consta,
ainda, do referido documento que a demandante apresenta “HAS, DM, transtorno de ansiedade”.
Como bem asseverou o I. Representante do parquet Federal, “In casu, a perícia médica (id
8583132) concluiu que a autora "na atualidade não se encontra incapaz". Contudo, analisando os
autos, verifica-se que acompanha a inicial relatório médico (id 8583090), de 09/08/2017, que
atesta ser a autora portadora de Neoplasia Maligna da Glândula Tireóide. Conforme o referido
relatório, a data do diagnóstico é de 01/02/2017. Deste modo, embora a doença por si só não seja
incapacitante, deve se levar em consideração o contexto socioeconômico da autora - o seu
reduzido grau de escolaridade (estudou até a 4ª série primária) e o fato de ter ao longo da vida
exercido serviços braçais (trabalhador rural, cultivo de laranja e serviços gerais). Nesse passo, e
considerando ainda o conceito de deficiência acima, bem como a inconstitucionalidade da regra
estabelecida pelo §10 do art. 20 da LOAS sobre longo prazo, parece prudente ter à espécie como
cumprido pela apelante o primeiro requisito, da deficiência necessária para a obtenção do BPC”
(grifos meus). Desse modo, entendo que ficou comprovado o requisito da deficiência.
IV- Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 18/4/18, data em
que o salário mínimo era de R$ 954,00 reais), demonstra que a autora reside com seu filho,
nascido em 4/1/97, em imóvel de “uso fruto dos filhos, encontra-se inacabado, sem forro, sem
piso, composto por 02 quartos, 01 sala, 01 cozinha e 01 banheiro. A construção é muito simples,
os poucos móveis que guarnecem o lar encontram-se desgastados pelo tempo de uso”. A família
não possui renda mensal, sendo apenas beneficiária do “Programa Bolsa Família”, no valor de R$
170,00. Consta do estudo social que “A situação vivenciada pelo requerente encontra-se
extremamente fragilizada, pois devido aos problemas de saúde, não consegue inserir-se no
mercado de trabalho” e que “O filho João Marcos encerrou o Ensino Médio e pela falta de
experiência, ainda não conseguiu nenhum trabalho. Sra. Bernadete, possui mais 03 filhas, que
moram em municípios vizinhos e, apesar das dificuldades financeiras, auxiliam no pagamento das
despesas básicas”.Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, observo
que o requisito da miserabilidade encontra-se demonstrado no presente feito.
V- A parte autora formulou pedido de amparo social à pessoa portadora de deficiência em 7/12/17
(ID 8583164), motivo pelo qual o termo inicial de concessão do benefício deve ser fixado na data
do pedido na esfera administrativa, conforme jurisprudência pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp
nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, v.u., j. 10/9/13, DJe 18/9/13).
Conforme revela a pesquisa realizada no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS,
acostada aos autos pelo I. Procurador Federal (ID 45811994), o filho da demandante passou a
exercer atividade laborativa a partir de 24/10/18, percebendo o valor de R$ 1.313,00 em
dezembro/18, de modo que não há que se falar em miserabilidade do núcleo familiar da
demandante a partir desta data. Desse modo, a parte autora faz jus ao benefício assistencial no
período de7/12/17a24/10/18, época em que foram preenchidos os requisitos da incapacidade de
longo prazo (art. 20 da Lei nº 8.742/93) e da miserabilidade.
VI- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, deve ser observado o julgamento proferido pelo C.
Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947.
VII- A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera
condignamente o serviço profissional prestado, nos termos do art. 85 do CPC/15 e precedentes
desta Oitava Turma.
VIII- Preliminar rejeitada. No mérito, apelação parcialmente provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5076328-07.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: BERNADETE LAUREANO
Advogado do(a) APELANTE: JOSE CARLOS DE QUEVEDO JUNIOR - SP286413-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5076328-07.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: BERNADETE LAUREANO
Advogado do(a) APELANTE: JOSE CARLOS DE QUEVEDO JUNIOR - SP286413-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social visando à concessão do
benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser
pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo julgou improcedente o pedido, sob o fundamento de ausência de incapacidade.
Inconformada, apelou a parte autora, alegando, em síntese:
a) Preliminarmente:
- a nulidade da sentença, por não ter sido dada a oportunidade de realização de nova perícia por
médico especialista, conforme pleiteado.
b) No mérito:
- a procedência do pedido, tendo em vista o preenchimento dos requisitos de incapacidade de
longo prazo (art. 20 da Lei nº 8.742/93), e da miserabilidade.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal, opinando pelo parcial provimento da apelação para
condenar o INSS a conceder o benefício assistencial “a partir da data do requerimento
administrativo (07/12/2017 - id 8583164, pág. 4) até a data em que o filho da autora estabeleceu
vínculo empregatício (24/10/2018 - CNIS em anexo), momento no qual a família deixou de
cumprir o requisito relativo à hipossuficiência econômica”.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5076328-07.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: BERNADETE LAUREANO
Advogado do(a) APELANTE: JOSE CARLOS DE QUEVEDO JUNIOR - SP286413-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Inicialmente,
observo que a perícia médica foi devidamente realizada por Perito nomeado pelo Juízo a quo,
tendo sido apresentado o parecer técnico devidamente elaborado, com respostas claras e
objetivas, motivo pelo qual não merece prosperar o pedido de realização de nova prova pericial
por médico especialista. Cumpre ressaltar que o magistrado, ao analisar o conjunto probatório,
pode concluir pela dispensa de produção de outras provas, nos termos do parágrafo único do art.
370 do CPC.
Passo à análise do mérito.
Dispõe o art. 203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das
atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como
incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover,
por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre
registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para
prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição
Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do
referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, consta do laudo pericial, datado de 28/6/18, que a autora, de 50 anos e trabalhadora
rural, refere ter se submetido “a cirurgia do fígado (devido a adenoma hepático) no ano de 2013 e
de tireoide em 24/11/2014 devido a neoplasia de tireoide, desde então faz acompanhamento
médico ambulatorial. Portadora de hipertensão arterial há mais de 5 anos, costuma ter tontura,
turvor nas vistas, zumbido nos ouvidos, dores na nuca e às vezes inchaço nas pernas. Tem muita
fraqueza. Há 3 anos foi-lhe diagnosticado diabetes, tem a sensação que sua boca fica seca, bebe
muita água e urina muito”. Em resposta aos quesitos formulados, esclareceu o esculápio que a
demandante é portadora de “hipertensão arterial e problemas no fígado há 5 anos, problemas na
tireoide há 4 anos e de diabetes há 3 anos”, concluindo que a mesma “na atualidade não se
encontra incapaz” (ID 8583132).
No entanto, não obstante a conclusão do laudo pericial, observo que o relatório elaborado por
médico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, acostado aos autos (ID 8583090), datado
de 9/8/17, revela que a mesma é portadora de neoplasia maligna da glândula tireóide,
diagnosticada em 1°/2/17, tendo sido submetida, “em 26/5/17 a Tireoidectomia total +
esvaziamento cervical VI bilaterial – II a V a Direita + reimplante de paratireoide inferior direita em
MECM D. AP: CARCINOMA PAPILÍFERO TIREÓIDE”. Consta, ainda, do referido documento que
a demandante apresenta “HAS, DM, transtorno de ansiedade”.
Como bem asseverou o I. Representante do parquet Federal, “In casu, a perícia médica (id
8583132) concluiu que a autora "na atualidade não se encontra incapaz". Contudo, analisando os
autos, verifica-se que acompanha a inicial relatório médico (id 8583090), de 09/08/2017, que
atesta ser a autora portadora de Neoplasia Maligna da Glândula Tireóide. Conforme o referido
relatório, a data do diagnóstico é de 01/02/2017. Deste modo, embora a doença por si só não seja
incapacitante, deve se levar em consideração o contexto socioeconômico da autora - o seu
reduzido grau de escolaridade (estudou até a 4ª série primária) e o fato de ter ao longo da vida
exercido serviços braçais (trabalhador rural, cultivo de laranja e serviços gerais). Nesse passo, e
considerando ainda o conceito de deficiência acima, bem como a inconstitucionalidade da regra
estabelecida pelo §10 do art. 20 da LOAS sobre longo prazo, parece prudente ter à espécie como
cumprido pela apelante o primeiro requisito, da deficiência necessária para a obtenção do BPC”
(grifos meus).
Desse modo, entendo que ficou comprovado o requisito da deficiência.
Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 18/4/18, data em que o
salário mínimo era de R$ 954,00 reais), demonstra que a autora reside com seu filho, nascido em
4/1/97, em imóvel de “uso fruto dos filhos, encontra-se inacabado, sem forro, sem piso, composto
por 02 quartos, 01 sala, 01 cozinha e 01 banheiro. A construção é muito simples, os poucos
móveis que guarnecem o lar encontram-se desgastados pelo tempo de uso”. A família não possui
renda mensal, sendo apenas beneficiária do “Programa Bolsa Família”, no valor de R$ 170,00.
Consta do estudo social que “A situação vivenciada pelo requerente encontra-se extremamente
fragilizada, pois devido aos problemas de saúde, não consegue inserir-se no mercado de
trabalho” e que “O filho João Marcos encerrou o Ensino Médio e pela falta de experiência, ainda
não conseguiu nenhum trabalho. Sra. Bernadete, possui mais 03 filhas, que moram em
municípios vizinhos e, apesar das dificuldades financeiras, auxiliam no pagamento das despesas
básicas”.
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, observo que o requisito da
miserabilidade encontra-se demonstrado no presente feito.
A parte autora formulou pedido de amparo social à pessoa portadora de deficiência em 7/12/17
(ID 8583164), motivo pelo qual o termo inicial de concessão do benefício deve ser fixado na data
do pedido na esfera administrativa, conforme jurisprudência pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp
nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, v.u., j. 10/9/13, DJe 18/9/13).
Conforme revela a pesquisa realizada no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS,
acostada aos autos pelo I. Procurador Federal (ID 45811994), o filho da demandante passou a
exercer atividade laborativa a partir de 24/10/18, percebendo o valor de R$ 1.313,00 em
dezembro/18, de modo que não há que se falar em miserabilidade do núcleo familiar da
demandante a partir desta data.
Desse modo, a parte autora faz jus ao benefício assistencial no período de7/12/17a24/10/18,
época em que foram preenchidos os requisitos da incapacidade de longo prazo (art. 20 da Lei nº
8.742/93) e da miserabilidade.
A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora.
Com relação aos índices de atualização monetária e taxa de juros, deve ser observado o
julgamento proferido pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 870.947.
A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera condignamente
o serviço profissional prestado, nos termos do art. 85 do CPC/15 e precedentes desta Oitava
Turma.
Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, dou parcial provimento à apelação para
condenar o INSS ao pagamento do benefício pleiteado, no valor de um salário mínimo mensal, no
período de 7/12/17 a 24/10/18, devendo a correção monetária, juros moratórios e honorários
advocatícios incidir na forma acima indicada.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO
DOS REQUISITOS LEGAIS.
I- A perícia médica foi devidamente realizada por Perito nomeado pelo Juízo a quo, tendo sido
apresentado o parecer técnico devidamente elaborado, com respostas claras e objetivas, motivo
pelo qual não merece prosperar o pedido de realização de nova prova pericial por médico
especialista. Cumpre ressaltar que o magistrado, ao analisar o conjunto probatório, pode concluir
pela dispensa de produção de outras provas, nos termos do parágrafo único do art. 370 do CPC.
II- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
III- In casu, consta do laudo pericial, datado de 28/6/18, que a autora, de 50 anos e trabalhadora
rural, refere ter se submetido “a cirurgia do fígado (devido a adenoma hepático) no ano de 2013 e
de tireoide em 24/11/2014 devido a neoplasia de tireoide, desde então faz acompanhamento
médico ambulatorial. Portadora de hipertensão arterial há mais de 5 anos, costuma ter tontura,
turvor nas vistas, zumbido nos ouvidos, dores na nuca e às vezes inchaço nas pernas. Tem muita
fraqueza. Há 3 anos foi-lhe diagnosticado diabetes, tem a sensação que sua boca fica seca, bebe
muita água e urina muito”. Em resposta aos quesitos formulados, esclareceu o esculápio que a
demandante é portadora de “hipertensão arterial e problemas no fígado há 5 anos, problemas na
tireoide há 4 anos e de diabetes há 3 anos”, concluindo que a mesma “na atualidade não se
encontra incapaz” (ID 8583132). No entanto, não obstante a conclusão do laudo pericial, cumpre
notar que o relatório elaborado por médico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo,
acostado aos autos (ID 8583090), datado de 9/8/17, revela que a mesma é portadora de
neoplasia maligna da glândula tireóide, diagnosticada em 1°/2/17, tendo sido submetida, “em
26/5/17 a Tireoidectomia total + esvaziamento cervical VI bilaterial – II a V a Direita + reimplante
de paratireoide inferior direita em MECM D. AP: CARCINOMA PAPILÍFERO TIREÓIDE”. Consta,
ainda, do referido documento que a demandante apresenta “HAS, DM, transtorno de ansiedade”.
Como bem asseverou o I. Representante do parquet Federal, “In casu, a perícia médica (id
8583132) concluiu que a autora "na atualidade não se encontra incapaz". Contudo, analisando os
autos, verifica-se que acompanha a inicial relatório médico (id 8583090), de 09/08/2017, que
atesta ser a autora portadora de Neoplasia Maligna da Glândula Tireóide. Conforme o referido
relatório, a data do diagnóstico é de 01/02/2017. Deste modo, embora a doença por si só não seja
incapacitante, deve se levar em consideração o contexto socioeconômico da autora - o seu
reduzido grau de escolaridade (estudou até a 4ª série primária) e o fato de ter ao longo da vida
exercido serviços braçais (trabalhador rural, cultivo de laranja e serviços gerais). Nesse passo, e
considerando ainda o conceito de deficiência acima, bem como a inconstitucionalidade da regra
estabelecida pelo §10 do art. 20 da LOAS sobre longo prazo, parece prudente ter à espécie como
cumprido pela apelante o primeiro requisito, da deficiência necessária para a obtenção do BPC”
(grifos meus). Desse modo, entendo que ficou comprovado o requisito da deficiência.
IV- Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 18/4/18, data em
que o salário mínimo era de R$ 954,00 reais), demonstra que a autora reside com seu filho,
nascido em 4/1/97, em imóvel de “uso fruto dos filhos, encontra-se inacabado, sem forro, sem
piso, composto por 02 quartos, 01 sala, 01 cozinha e 01 banheiro. A construção é muito simples,
os poucos móveis que guarnecem o lar encontram-se desgastados pelo tempo de uso”. A família
não possui renda mensal, sendo apenas beneficiária do “Programa Bolsa Família”, no valor de R$
170,00. Consta do estudo social que “A situação vivenciada pelo requerente encontra-se
extremamente fragilizada, pois devido aos problemas de saúde, não consegue inserir-se no
mercado de trabalho” e que “O filho João Marcos encerrou o Ensino Médio e pela falta de
experiência, ainda não conseguiu nenhum trabalho. Sra. Bernadete, possui mais 03 filhas, que
moram em municípios vizinhos e, apesar das dificuldades financeiras, auxiliam no pagamento das
despesas básicas”.Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, observo
que o requisito da miserabilidade encontra-se demonstrado no presente feito.
V- A parte autora formulou pedido de amparo social à pessoa portadora de deficiência em 7/12/17
(ID 8583164), motivo pelo qual o termo inicial de concessão do benefício deve ser fixado na data
do pedido na esfera administrativa, conforme jurisprudência pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp
nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, v.u., j. 10/9/13, DJe 18/9/13).
Conforme revela a pesquisa realizada no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS,
acostada aos autos pelo I. Procurador Federal (ID 45811994), o filho da demandante passou a
exercer atividade laborativa a partir de 24/10/18, percebendo o valor de R$ 1.313,00 em
dezembro/18, de modo que não há que se falar em miserabilidade do núcleo familiar da
demandante a partir desta data. Desse modo, a parte autora faz jus ao benefício assistencial no
período de7/12/17a24/10/18, época em que foram preenchidos os requisitos da incapacidade de
longo prazo (art. 20 da Lei nº 8.742/93) e da miserabilidade.
VI- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, deve ser observado o julgamento proferido pelo C.
Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947.
VII- A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera
condignamente o serviço profissional prestado, nos termos do art. 85 do CPC/15 e precedentes
desta Oitava Turma.
VIII- Preliminar rejeitada. No mérito, apelação parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, dar parcial provimento à apelação,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
