Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5157454-45.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
18/06/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 25/06/2019
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO
DOS REQUISITOS LEGAIS.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- A alegada incapacidade do autor, nascido em 8/7/54, ficou plenamente caracterizada no
presente feito. Conforme parecer técnico elaborado pelo Perito, afirmou o esculápio encarregado
do exame que o autor é portador de gonartrose bilateral, genu varo, redução do espaço
tibiofemoral medial, hipertensão arterial com hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo,
transtorno de ansiedade e depressão e transtorno de personalidade com instabilidade, concluindo
que há incapacidade total e permanente para sua atividade habitual de motorista, podendo ser
reabilitado para outras atividades para as quais se sinta capaz.
III – Embora não caracterizada a total invalidez - ou, ainda, havendo a possibilidade de
reabilitação em atividade diversa -, devem ser considerados outros fatores, como a idade
avançada da parte autora ou o seu nível sociocultural. Tais circunstâncias nos levam à conclusão
de que não lhe seria fácil, senão ilusório, iniciar outro tipo de atividade.
IV- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
se demonstrado no presente feito. O estudo social (elaborado em 22/9/17, data em que o salário
mínimo era de R$937,00), demonstra que o autor, com 63 anos de idade, reside com sua esposa,
com 59 anos, “em imóvel edificado em terreno pertencente a municipalidade e ali tomou posse
em meados da década de 80”. Ainda, “Trata-se de um imóvel edificado todo em alvenaria, sem
reboque nas paredes externas, paredes internas rebocadas mas sem pintura, piso em material
cerâmico, forrado com laje e coberto com telhas de barro do tipo romana e as janelas dos quartos
não possuem vidros. Possui uma garagem coberta com telhas de fibrocimento, uma lavanderia
nos fundos coberta com telhas plásticas translucidas danificadas . Composto de 01 (uma) sala, 01
(uma) cozinha, um (01) banheiro, três (03) quartos internos, 01 (um) quarto externo pequeno com
ferramentas e petrechos de marcenaria e uma pequena horta para consumo próprio Localizado
ao lado de uma escola pública em rua asfaltada, iluminada, atendida pelos serviços públicos de
agua, esgoto, energia elétrica e coleta de lixo regular. Encontrava-se limpo, organizado, sem
odores desagradáveis, com pouca iluminação e ventilação”. No que tange à renda mensal
familiar, a mesma é composta pelo benefício previdenciário por incapacidade recebido por sua
esposa, no valor de um salário mínimo. Ainda, “Contam também com o auxílio de um amigo
morador no mesmo município que comercializa cestas básicas e eventualmente cede ao autor
alguns de seus produtos. Um comerciante do ramo de telefonia e cópias reprográficas, auxilia
com pequena quantidade em dinheiro, propiciando assim a aquisição de frutas e legumes, porém
tal auxilio não é frequente. A esposa do autor, além de problemas psiquiátricos que a levaram a
obter o benefício mensal, também é portadora de obesidade e diabetes e necessita alimentação
especifica, porém tem dificuldades em obtê-la”. A família possui um automóvel Ford Escort ano
1992. As despesas mensais apontadas são de R$34,00 em água e esgoto, R$29,00 em energia
elétrica, e R$10,00 em crédito para o telefone celular. Ressaltou o assistente social que, “diante
da situação apresentada, levando-se em conta os problemas de saúde de ambos, aliada a
precária quantidade de gêneros alimentícios constatada e a impossibilidade física de prover seu
próprio sustento, entendo que encontra-se sim em situação de hipossuficiência”.
V- Conforme documento juntado aos autos, a parte autora formulou pedido de amparo social à
pessoa portadora de deficiência em 16/12/15, motivo pelo qual o termo inicial de concessão do
benefício deve ser fixado na data do pedido na esfera administrativa, conforme jurisprudência
pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins,
v.u., j. 10/9/13, DJe 18/9/13).
VI- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, deve ser observado o julgamento proferido pelo C.
Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947.
VII- A verba honorária fixada, no presente caso, à razão de 10% sobre o valor da condenação
remunera condignamente o serviço profissional prestado. No que se refere à sua base de cálculo,
considerando que o direito pleiteado pela parte autora foi reconhecido somente no Tribunal,
passo a adotar o posicionamento do C. STJ de que os honorários devem incidir até o julgamento
do recurso nesta Corte, in verbis: "Nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça,
o marco final da verba honorária deve ser o decisum no qual o direito do segurado foi
reconhecido, que no caso corresponde ao acórdão proferido pelo Tribunal a quo." (AgRg no
Recurso Especial nº 1.557.782-SP, 2ª Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, j. em
17/12/15, v.u., DJe 18/12/15).
VIII- Apelação provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5157454-45.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: IVANIR APARECIDO RODRIGUES
Advogados do(a) APELANTE: APARECIDO ROBERTO DE LIMA - SP165520-N, ANTONIO
MARCOS GONCALVES - SP169885-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5157454-45.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: IVANIR APARECIDO RODRIGUES
Advogados do(a) APELANTE: APARECIDO ROBERTO DE LIMA - SP165520-N, ANTONIO
MARCOS GONCALVES - SP169885-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social visando à concessão do
benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser
pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo julgou improcedente o pedido, sob o fundamento de a renda per capita do núcleo
familiar do demandante ser superior a ¼ do salário mínimo, bem como não ter ficado comprovada
nos autos a incapacidade total e permanente para o trabalho.
Inconformada, apelou a parte autora, requerendo em síntese:
- a procedência do pedido, tendo em vista o preenchimento dos requisitos de incapacidade de
longo prazo (art. 20 da Lei nº 8.742/93), e da miserabilidade.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal, opinando pelo provimento da apelação.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5157454-45.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: IVANIR APARECIDO RODRIGUES
Advogados do(a) APELANTE: APARECIDO ROBERTO DE LIMA - SP165520-N, ANTONIO
MARCOS GONCALVES - SP169885-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Dispõe o art.
203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das
atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como
incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover,
por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre
registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para
prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição
Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do
referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, a alegada incapacidade do autor, nascido em 8/7/54, ficou plenamente caracterizada no
presente feito. Conforme parecer técnico elaborado pelo Perito, afirmou o esculápio encarregado
do exame que o autor é portador de gonartrose bilateral, genu varo, redução do espaço
tibiofemoral medial, hipertensão arterial com hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo,
transtorno de ansiedade e depressão e transtorno de personalidade com instabilidade, concluindo
que há incapacidade total e permanente para sua atividade habitual de motorista, podendo ser
reabilitado para outras atividades para as quais se sinta capaz.
Embora não caracterizada a total invalidez - ou, ainda, havendo a possibilidade de reabilitação
em atividade diversa -, devem ser considerados outros fatores, como a idade avançada da parte
autora ou o seu nível sociocultural. Tais circunstâncias nos levam à conclusão de que não lhe
seria fácil, senão ilusório, iniciar outro tipo de atividade.
Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 22/9/17, data em que o
salário mínimo era de R$937,00), demonstra que o autor, com 63 anos de idade, reside com sua
esposa, com 59 anos, “em imóvel edificado em terreno pertencente a municipalidade e ali tomou
posse em meados da década de 80”. Ainda, “Trata-se de um imóvel edificado todo em alvenaria,
sem reboque nas paredes externas, paredes internas rebocadas mas sem pintura, piso em
material cerâmico, forrado com laje e coberto com telhas de barro do tipo romana e as janelas
dos quartos não possuem vidros. Possui uma garagem coberta com telhas de fibrocimento, uma
lavanderia nos fundos coberta com telhas plásticas translucidas danificadas . Composto de 01
(uma) sala, 01 (uma) cozinha, um (01) banheiro, três (03) quartos internos, 01 (um) quarto
externo pequeno com ferramentas e petrechos de marcenaria e uma pequena horta para
consumo próprio Localizado ao lado de uma escola pública em rua asfaltada, iluminada, atendida
pelos serviços públicos de agua, esgoto, energia elétrica e coleta de lixo regular. Encontrava-se
limpo, organizado, sem odores desagradáveis, com pouca iluminação e ventilação”. No que tange
à renda mensal familiar, a mesma é composta pelo benefício previdenciário por incapacidade
recebido por sua esposa, no valor de um salário mínimo. Ainda, “Contam também com o auxílio
de um amigo morador no mesmo município que comercializa cestas básicas e eventualmente
cede ao autor alguns de seus produtos. Um comerciante do ramo de telefonia e cópias
reprográficas, auxilia com pequena quantidade em dinheiro, propiciando assim a aquisição de
frutas e legumes, porém tal auxilio não é frequente. A esposa do autor, além de problemas
psiquiátricos que a levaram a obter o benefício mensal, também é portadora de obesidade e
diabetes e necessita alimentação especifica, porém tem dificuldades em obtê-la”. A família possui
um automóvel Ford Escort ano 1992. As despesas mensais apontadas são de R$34,00 em água
e esgoto, R$29,00 em energia elétrica, e R$10,00 em crédito para o telefone celular. Ressaltou o
assistente social que, “diante da situação apresentada, levando-se em conta os problemas de
saúde de ambos, aliada a precária quantidade de gêneros alimentícios constatada e a
impossibilidade física de prover seu próprio sustento, entendo que encontra-se sim em situação
de hipossuficiência”.
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, observo que o requisito da
miserabilidade encontra-se demonstrado no presente feito.
Cumpre ressaltar que o benefício deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa
disposição legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
Ressalto, ainda, ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada com
qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica,
nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de execução do
julgado os pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.
Conforme documento juntado aos autos, a parte autora formulou pedido de amparo social à
pessoa portadora de deficiência em 16/12/15, motivo pelo qual o termo inicial de concessão do
benefício deve ser fixado na data do pedido na esfera administrativa, conforme jurisprudência
pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins,
v.u., j. 10/9/13, DJe 18/9/13).
A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora.
Com relação aos índices de atualização monetária e taxa de juros, deve ser observado o
julgamento proferido pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 870.947.
A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera condignamente
o serviço profissional prestado, nos termos do art. 85 do CPC/15 e precedentes desta Oitava
Turma.
No que se refere à sua base de cálculo, considerando que o direito pleiteado pela parte autora foi
reconhecido somente no Tribunal, passo a adotar o posicionamento do C. STJ de que os
honorários devem incidir até o julgamento do recurso nesta Corte, in verbis: "Nos termos da
Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça, o marco final da verba honorária deve ser o
decisum no qual o direito do segurado foi reconhecido, que no caso corresponde ao acórdão
proferido pelo Tribunal a quo." (AgRg no Recurso Especial nº 1.557.782-SP, 2ª Turma, Relator
Ministro Mauro Campbell Marques, j. em 17/12/15, v.u., DJe 18/12/15).
Ante o exposto, dou provimento à apelação para condenar o INSS ao pagamento do benefício
pleiteado, no valor de um salário mínimo mensal a partir da data do requerimento administrativo
(16/12/15), devendo a correção monetária, juros moratórios e honorários advocatícios incidir na
forma acima indicada.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO
DOS REQUISITOS LEGAIS.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- A alegada incapacidade do autor, nascido em 8/7/54, ficou plenamente caracterizada no
presente feito. Conforme parecer técnico elaborado pelo Perito, afirmou o esculápio encarregado
do exame que o autor é portador de gonartrose bilateral, genu varo, redução do espaço
tibiofemoral medial, hipertensão arterial com hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo,
transtorno de ansiedade e depressão e transtorno de personalidade com instabilidade, concluindo
que há incapacidade total e permanente para sua atividade habitual de motorista, podendo ser
reabilitado para outras atividades para as quais se sinta capaz.
III – Embora não caracterizada a total invalidez - ou, ainda, havendo a possibilidade de
reabilitação em atividade diversa -, devem ser considerados outros fatores, como a idade
avançada da parte autora ou o seu nível sociocultural. Tais circunstâncias nos levam à conclusão
de que não lhe seria fácil, senão ilusório, iniciar outro tipo de atividade.
IV- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado no presente feito. O estudo social (elaborado em 22/9/17, data em que o salário
mínimo era de R$937,00), demonstra que o autor, com 63 anos de idade, reside com sua esposa,
com 59 anos, “em imóvel edificado em terreno pertencente a municipalidade e ali tomou posse
em meados da década de 80”. Ainda, “Trata-se de um imóvel edificado todo em alvenaria, sem
reboque nas paredes externas, paredes internas rebocadas mas sem pintura, piso em material
cerâmico, forrado com laje e coberto com telhas de barro do tipo romana e as janelas dos quartos
não possuem vidros. Possui uma garagem coberta com telhas de fibrocimento, uma lavanderia
nos fundos coberta com telhas plásticas translucidas danificadas . Composto de 01 (uma) sala, 01
(uma) cozinha, um (01) banheiro, três (03) quartos internos, 01 (um) quarto externo pequeno com
ferramentas e petrechos de marcenaria e uma pequena horta para consumo próprio Localizado
ao lado de uma escola pública em rua asfaltada, iluminada, atendida pelos serviços públicos de
agua, esgoto, energia elétrica e coleta de lixo regular. Encontrava-se limpo, organizado, sem
odores desagradáveis, com pouca iluminação e ventilação”. No que tange à renda mensal
familiar, a mesma é composta pelo benefício previdenciário por incapacidade recebido por sua
esposa, no valor de um salário mínimo. Ainda, “Contam também com o auxílio de um amigo
morador no mesmo município que comercializa cestas básicas e eventualmente cede ao autor
alguns de seus produtos. Um comerciante do ramo de telefonia e cópias reprográficas, auxilia
com pequena quantidade em dinheiro, propiciando assim a aquisição de frutas e legumes, porém
tal auxilio não é frequente. A esposa do autor, além de problemas psiquiátricos que a levaram a
obter o benefício mensal, também é portadora de obesidade e diabetes e necessita alimentação
especifica, porém tem dificuldades em obtê-la”. A família possui um automóvel Ford Escort ano
1992. As despesas mensais apontadas são de R$34,00 em água e esgoto, R$29,00 em energia
elétrica, e R$10,00 em crédito para o telefone celular. Ressaltou o assistente social que, “diante
da situação apresentada, levando-se em conta os problemas de saúde de ambos, aliada a
precária quantidade de gêneros alimentícios constatada e a impossibilidade física de prover seu
próprio sustento, entendo que encontra-se sim em situação de hipossuficiência”.
V- Conforme documento juntado aos autos, a parte autora formulou pedido de amparo social à
pessoa portadora de deficiência em 16/12/15, motivo pelo qual o termo inicial de concessão do
benefício deve ser fixado na data do pedido na esfera administrativa, conforme jurisprudência
pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins,
v.u., j. 10/9/13, DJe 18/9/13).
VI- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, deve ser observado o julgamento proferido pelo C.
Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947.
VII- A verba honorária fixada, no presente caso, à razão de 10% sobre o valor da condenação
remunera condignamente o serviço profissional prestado. No que se refere à sua base de cálculo,
considerando que o direito pleiteado pela parte autora foi reconhecido somente no Tribunal,
passo a adotar o posicionamento do C. STJ de que os honorários devem incidir até o julgamento
do recurso nesta Corte, in verbis: "Nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça,
o marco final da verba honorária deve ser o decisum no qual o direito do segurado foi
reconhecido, que no caso corresponde ao acórdão proferido pelo Tribunal a quo." (AgRg no
Recurso Especial nº 1.557.782-SP, 2ª Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, j. em
17/12/15, v.u., DJe 18/12/15).
VIII- Apelação provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
