Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0000217-08.2011.4.03.6121
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
12/05/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 18/05/2021
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO
DOS REQUISITOS LEGAIS.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- In casu, a alegada incapacidade da parte autora ficou plenamente caracterizada no presente
feito,
III - Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado a partir da realização do segundo estudo social (6/11/17).
IV- O termo inicial de concessão do benefício deve ser fixado na data da realização do segundo
estudo social (6/11/17).
V- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os posicionamentos firmados na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos
a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. A taxa de juros deve incidir de acordo
com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
VI- A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera
condignamente o serviço profissional prestado, nos termos do art. 85 do CPC/15 e precedentes
desta Oitava Turma. No que se refere à sua base de cálculo, considerando que o direito pleiteado
pela parte autora foi reconhecido somente no Tribunal, passo a adotar o posicionamento do C.
STJ de que os honorários devem incidir até o julgamento do recurso nesta Corte, in verbis: "Nos
termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça, o marco final da verba honorária deve
ser o decisum no qual o direito do segurado foi reconhecido, que no caso corresponde ao
acórdão proferido pelo Tribunal a quo." (AgRg no Recurso Especial nº 1.557.782-SP, 2ª Turma,
Relator Ministro Mauro Campbell Marques, j. em 17/12/15, v.u., DJe 18/12/15).
VII- Deve ser deferida a antecipação dos efeitos do provimento jurisdicional final, já sob a novel
figura da tutela de urgência, uma vez que evidenciado nos presentes autos o preenchimento dos
requisitos do art. 300, do CPC/15.
VIII- Apelação parcialmente provida. Tutela de urgência deferida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000217-08.2011.4.03.6121
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: SIMONE APARECIDA GALVAO
Advogados do(a) APELANTE: MICHELE ADRIANA DE ALMEIDA SANTOS - SP143562-N,
LOURIVAL DA SILVA - SP123174-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000217-08.2011.4.03.6121
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: SIMONE APARECIDA GALVAO
Advogados do(a) APELANTE: MICHELE ADRIANA DE ALMEIDA SANTOS - SP143562-N,
LOURIVAL DA SILVA - SP123174-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social visando à concessão do
benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser
pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-
la provida por sua família. Pleiteia a concessão do benefício desde a data do requerimento
administrativo (2/8/10).
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo julgou improcedente o pedido, sob o fundamento de ausência de miserabilidade.
Apelou a parte autora, requerendo a reforma da R. sentença.
Em decisão monocrática, este Relator, de ofício, anulou a sentença, determinando o retorno
dos autos à Vara de Origem, para a elaboração da perícia médica, negando provimento à
apelação.
O Juízo a quo julgou improcedente o pedido, sob o fundamento de ausência de miserabilidade.
Inconformada, apelou a parte autora, requerendo em síntese:
- a procedência do pedido, tendo em vista o preenchimento dos requisitos de incapacidade de
longo prazo (art. 20 da Lei nº 8.742/93), e da miserabilidade.
- Pleiteia, ainda, a concessão da tutela de urgência.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal, opinando pelo parcial provimento da apelação, com a
fixação do termo inicial do benefício na data do segundo estudo social (6/11/17).
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000217-08.2011.4.03.6121
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: SIMONE APARECIDA GALVAO
Advogados do(a) APELANTE: MICHELE ADRIANA DE ALMEIDA SANTOS - SP143562-N,
LOURIVAL DA SILVA - SP123174-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Dispõe o art.
203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da
CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses,
que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização
das atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender
como incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para
promover, por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade.
Cumpre registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A
incapacidade para prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a
caracterização da incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V,
da Constituição Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei).
Ademais, a redação do referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de
concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela
que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual,
em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C.
Supremo Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido
formulado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário
nº 567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do
mencionado § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar
Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo
Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a
1/4 (um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a
Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01,
que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias
mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da
Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para
aferir a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem
o direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO
SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98,
dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas
portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja
família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para
o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de
se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade,
ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos
autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de
um salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de
um ser humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO
DOS REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples
e faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição
desse benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os
beneficiários, além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria
direito a parte autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da
Lei nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre
o rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, a alegada incapacidade da autora, nascida em 23/7/86, ficou plenamente caracterizada
no presente feito. No laudo pericial produzido nos autos, afirmou o Sr. Perito que a demandante
é portadora de deficiência mental leve desde a infância, concluindo que há incapacidade total e
permanente para o trabalho. A autora frequentava a APAE desde criança e nunca exerceu
atividade laborativa.
Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social elaborado em 28/7/11, data em que
o salário mínimo era de R$545,00, demonstra que a autora residia com seu genitor, com 51
anos de idade, limpador de vidros, em imóvel alugado por sua mãe, composto por 3 cômodos,
sendo um quarto, cozinha e banheiro, em ruim estado de conservação. A renda mensal familiar
era de R$590,17, proveniente do salário de seu pai. Os gastos mensais totalizavam R$633,00.
No entanto, conforme consultas realizadas no Cadastro Nacional de Informações Sociais –
CNIS juntadas aos autos, a renda do pai da autora, à época da realização do estudo social, era
de R$882,31. Dessa forma, não ficou comprovada a alegada miserabilidade da parte autora à
época da realização do primeiro estudo social.
Por sua vez, o estudo social realizado em 6/11/17, quando o salário mínimo era de R$937,00,
demonstra que a autora, à época, residia com sua filha Maria Eduarda, com 3 anos de idade,
nascida em 19/10/12, em imóvel cedido pelos pais, composto por 3 cômodos, cobertos por
telhas Eternit, sem reboco ou pintura, sendo o chão de cimento. O estado de conservação é
regular, estando o imóvel inacabado, e as condições de higiene e organização são ruins. Os
pais e os dois irmãos residem no imóvel ao lado. A renda mensal familiar é composta pela
pensão alimentícia recebida pela filha da autora, no valor de R$150,00, e pelo benefício Bolsa
Família equivalente a R$87,00, totalizando R$237,00. Os gastos mensais são de R$100,00 em
alimentação (as refeições são feitas na casa dos pais), R$40,33 em água, R$49,09 em energia
elétrica, R$50,00 em gás, totalizando R$239,62. Os vestuários são recebidos por doação e o
pai paga o imposto da casa, assim como presta auxílio financeiro, de acordo com suas
possibilidades.
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos e tendo em vista que a
autora e sua filha formam um núcleo familiar independente ao do restante da família (pais e
irmãos), observo que o requisito da miserabilidade encontra-se demonstrado no presente feito,
a partir da realização do segundo estudo social, em 6/11/17.
Cumpre ressaltar que o benefício deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa
disposição legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
Ressalto, ainda, ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada
com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência
médica, nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de
execução do julgado os pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.
O termo inicial de concessão do benefício deve ser fixado na data da realização do segundo
estudo social (6/11/17).
A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora.
Com relação aos índices de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os
posicionamentos firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema
810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o
IPCA-E nos processos relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários.
Quadra ressaltar haver constado expressamente do voto do Recurso Repetitivo que “a adoção
do INPC não configura afronta ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de
repercussão geral (RE 870.947/SE). Isso porque, naquela ocasião, determinou-se a aplicação
do IPCA-E para fins de correção monetária de benefício de prestação continuada (BPC), o qual
se trata de benefício de natureza assistencial, previsto na Lei 8.742/93. Assim, é imperioso
concluir que o INPC, previsto no art. 41-A da Lei 8.213/91, abrange apenas a correção
monetária dos benefícios de natureza previdenciária.” Outrossim, como bem observou o E.
Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira: “Importante ter presente, para a adequada
compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em
referência – INPC e IPCA-E tiveram variação muito próxima no período de julho de 2009 (data
em que começou a vigorar a TR) e até setembro de 2019, quando julgados os embargos de
declaração no RE 870947 pelo STF (IPCA-E: 76,77%; INPC 75,11), de forma que a adoção de
um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas
sobre o valor da condenação.” (TRF-4ª Região, AI nº 5035720-27.2019.4.04.0000/PR, 6ª
Turma, v.u., j. 16/10/19).
A taxa de juros deve incidir de acordo com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-
F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera
condignamente o serviço profissional prestado, nos termos do art. 85 do CPC/15 e precedentes
desta Oitava Turma.
No que se refere à sua base de cálculo, considerando que o direito pleiteado pela parte autora
foi reconhecido somente no Tribunal, passo a adotar o posicionamento do C. STJ de que os
honorários devem incidir até o julgamento do recurso nesta Corte, in verbis: "Nos termos da
Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça, o marco final da verba honorária deve ser o
decisum no qual o direito do segurado foi reconhecido, que no caso corresponde ao acórdão
proferido pelo Tribunal a quo." (AgRg no Recurso Especial nº 1.557.782-SP, 2ª Turma, Relator
Ministro Mauro Campbell Marques, j. em 17/12/15, v.u., DJe 18/12/15).
Por derradeiro, deve ser deferida a antecipação dos efeitos do provimento jurisdicional final, já
sob a novel figura da tutela de urgência, uma vez que evidenciado nos presentes autos o
preenchimento dos requisitos do art. 300, do CPC/15.
Inequívoca a existência da probabilidade do direito, tendo em vista o reconhecimento à
percepção do benefício pleiteado. Quanto ao perigo de dano, parece-me que, entre as posições
contrapostas, merece acolhida aquela defendida pela parte autora porque, além de desfrutar de
elevada probabilidade, é a que sofre maiores dificuldades de reversão. Outrossim, o perigo da
demora encontra-se evidente, tendo em vista o caráter alimentar do benefício, motivo pelo qual
concedo a tutela pleiteada, determinando ao INSS a implementação do benefício no prazo de
30 dias, sob pena de multa, a ser oportunamente fixada na hipótese de inadimplemento.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação para condenar o INSS ao pagamento do
benefício pleiteado, no valor de um salário mínimo mensal, a partir da data da realização do
segundo estudo social (6/11/17), devendo a correção monetária, juros moratórios e honorários
advocatícios incidir na forma acima indicada. Concedo a tutela de urgência, determinando a
expedição de ofício ao INSS para que implemente a amparo social à pessoa portadora de
deficiência, com DIB em 6/11/17, no prazo de 30 dias.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO
DOS REQUISITOS LEGAIS.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- In casu, a alegada incapacidade da parte autora ficou plenamente caracterizada no presente
feito,
III - Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade
encontra-se demonstrado a partir da realização do segundo estudo social (6/11/17).
IV- O termo inicial de concessão do benefício deve ser fixado na data da realização do segundo
estudo social (6/11/17).
V- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos
índices de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os posicionamentos
firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no
Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos
processos relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. A taxa de juros
deve incidir de acordo com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-F da Lei nº
9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na Repercussão
Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº
1.492.221 (Tema 905).
VI- A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera
condignamente o serviço profissional prestado, nos termos do art. 85 do CPC/15 e precedentes
desta Oitava Turma. No que se refere à sua base de cálculo, considerando que o direito
pleiteado pela parte autora foi reconhecido somente no Tribunal, passo a adotar o
posicionamento do C. STJ de que os honorários devem incidir até o julgamento do recurso
nesta Corte, in verbis: "Nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça, o marco
final da verba honorária deve ser o decisum no qual o direito do segurado foi reconhecido, que
no caso corresponde ao acórdão proferido pelo Tribunal a quo." (AgRg no Recurso Especial nº
1.557.782-SP, 2ª Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, j. em 17/12/15, v.u., DJe
18/12/15).
VII- Deve ser deferida a antecipação dos efeitos do provimento jurisdicional final, já sob a novel
figura da tutela de urgência, uma vez que evidenciado nos presentes autos o preenchimento
dos requisitos do art. 300, do CPC/15.
VIII- Apelação parcialmente provida. Tutela de urgência deferida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação e conceder a tutela de urgência, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
