Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5134528-02.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
07/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 10/12/2021
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO
DOS REQUISITOS LEGAIS. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA.
I- No que tange à apelação do INSS, cumpre ressaltar, inicialmente, que a mesma será
parcialmente conhecida, dada a falta de interesse em recorrer relativamente aos juros de mora,
uma vez que a R. sentença foi proferida nos exatos termos de seu inconformismo.
II- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
III- In casu, a alegada incapacidade do autor - com 60 anos na data do ajuizamento da ação, em
21/5/19 - ficou caracterizada no presente feito, conforme parecer técnico elaborado pela Perita,
datado de 22/10/20. Afirmou a esculápia encarregada do exame que o autor é portador de lesão
no ombro direito, concluindo que há incapacidade parcial e permanente para o trabalho.
Esclareceu a Sra. Perita que o demandante “Relata que trabalhava como pedreiro. Interrompeu
há 7 anos, quando sofreu acidente de carro em 2013, com trauma de braço direito, ficando com
limitação de movimento do mesmo” (ID 165651916 - Pág. 2) e que, em virtude da
deficiência/doença, o demandante apresenta “Limitação para atividades de esforço e
levantamento de peso” (quesito n° 3, formulado pelo INSS - ID 165651916 - Pág. 4). Como bem
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
asseverou o MM. Juiz a quo, “No caso em tela, a perita judicial no laudo pericial de fls. 120/130,
reconheceu que o requerente é portador de lesão de ombro, com limitação para atividades de
esforço e levantamento de peso e não é capaz de desenvolver qualquer atividade econômica que
lhe possibilite prover sua subsistência (fl. 123, quesitos “1/4”). Afirmou também que, o
impedimento é de longa duração (fl. 125, quesito do INSS “7”). Segundo afirmado pela perita, o
autor apresenta incapacidade laboral para suas atividades laborais habituais de forma parcial e
permanente (fl. 126, quesitos do Juízo “a” e “b”) e concluiu que o periciado apresenta uma
incapacidade parcial e definitiva para atividades de esforço e levantamento de peso, não apto pra
atividade que se propõe a fazer.(conclusão de fl. 126), o que diminui a sua participação na
sociedade no seu contexto sociocultural” (ID 165651935 - Pág. 3).
IV- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado no presente feito. O estudo social (elaborado em 29/1/20, data em que o salário
mínimo era de R$ 1.045,00), demonstra que o autor reside com sua companheira, de 64 anos,
em imóvel próprio, “com dois quartos, sala, cozinha, banheiro e lavanderia de alvenaria, o imóvel
encontra-se em reforma, estando apenas concluído o banheiro e a lavanderia, os demais
encontram-se ainda apenas com tijolos, sem reboco e sem piso, sala sem janela e sem porta.
Aludem que logo que chegaram iniciaram a reforma da casa, contudo como o requerente veio a
se acidentar ficando sem condições para o trabalho não conseguiu terminar a obra” (ID
165651892 - Pág. 2). Informou a assistente social que a “residência é guarnecida com mobiliário
básico: cama de casal, cama de solteiro, guarda roupa, tv de 22 polegadas, sofá, geladeira, fogão
e uma lavadora de roupas, alguns antigos e em condições precárias de conservação” (ID
165651892 - Pág. 3). A renda mensal familiar é proveniente da pensão por morte percebida pela
companheira do autor, no valor de um salário mínimo. As despesas mensais são: R$ 650,00 em
alimentação, R$ 52,00 em água, R$ 70,00 em energia elétrica, R$ 78,00 (a cada dois meses) em
gás de cozinha, R$ 225,00 em empréstimo, R$ 40,00 em celular, R$20,00 em ração para gato.
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, observo que o requisito da
miserabilidade encontra-se demonstrado no presente feito.
V- Conforme documento ID 165651871 - Pág. 10, a parte autora formulou pedido de amparo
social à pessoa portadora de deficiência em 29/1/19, motivo pelo qual o termo inicial de
concessão do benefício deve ser fixado na data do pedido na esfera administrativa, conforme
jurisprudência pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro
Humberto Martins, v.u., j. 10/9/13, DJe 18/9/13).
VI- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária, devem ser observados os posicionamentos firmados na Repercussão
Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº
1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos a benefício
assistencial e o INPC nos feitos previdenciários.
VII- Apelação do INSS parcialmente conhecida e parcialmente provida. Apelação da parte autora
provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5134528-02.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: MIGUEL BRAZ DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: NATHALIE SOUZA TEIXEIRA DE OLIVEIRA - SP418267-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MIGUEL BRAZ DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: NATHALIE SOUZA TEIXEIRA DE OLIVEIRA - SP418267-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5134528-02.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: MIGUEL BRAZ DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: NATHALIE SOUZA TEIXEIRA DE OLIVEIRA - SP418267-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MIGUEL BRAZ DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: NATHALIE SOUZA TEIXEIRA DE OLIVEIRA - SP418267-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social visando à concessão do
benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser
pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-
la provida por sua família.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo julgou procedente o pedido, concedendo o benefício requerido a partir da
publicação da sentença. As parcelas vencidas deverão ser acrescidas de correção monetária
pelo INPC e de juros de mora, nos termos da Lei n° 11.960/2009. Condenou, ainda, a autarquia
ao pagamento dos honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor das parcelas
vencidas até a sentença. Concedeu a tutela antecipada.
Inconformada, apelou a parte autora, pleiteando a concessão do benefício a partir do
requerimento administrativo (29/1/19).
O INSS também apelou, requerendo em síntese:
- a improcedência do pedido, sob o fundamento de que não ficaram comprovados nos autos os
estados de miserabilidade e de incapacidade da parte autora.
- Caso não seja esse o entendimento, requer a incidência da correção monetária pelo IPCA-E e
dosjuros de mora nos termos da Lei n° 11.960/09.
Com contrarrazões da parte autora, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal, deixando de “ofertar parecer sobre o mérito da demanda,
opinando tão somente, pelo seu prosseguimento” (ID 167864819 - Pág. 3).
É o breve relatório.
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5134528-02.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: MIGUEL BRAZ DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: NATHALIE SOUZA TEIXEIRA DE OLIVEIRA - SP418267-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MIGUEL BRAZ DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: NATHALIE SOUZA TEIXEIRA DE OLIVEIRA - SP418267-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): No que tange
à apelação do INSS, devo ressaltar, inicialmente, que a mesma será parcialmente conhecida,
dada a falta de interesse em recorrer relativamente aos juros de mora, uma vez que a R.
sentença foi proferida nos exatos termos de seu inconformismo. Como ensina o Eminente
Professor Nelson Nery Júnior ao tratar do tema, "O recorrente deve, portanto, pretender
alcançar algum proveito do ponto de vista prático, com a interposição do recurso, sem o que
não terá ele interesse em recorrer" (in Princípios Fundamentais - Teoria Geral dos Recursos, 4.ª
edição, Revista dos Tribunais, p. 262).
Passo ao exame do recurso da autarquia, relativamente à parte conhecida, bem como da
apelação da parte autora.
Dispõe o art. 203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da
CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses,
que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização
das atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender
como incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para
promover, por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade.
Cumpre registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A
incapacidade para prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a
caracterização da incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V,
da Constituição Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei).
Ademais, a redação do referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de
concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela
que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual,
em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C.
Supremo Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido
formulado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário
nº 567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do
mencionado § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar
Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo
Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a
1/4 (um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a
Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01,
que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias
mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da
Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para
aferir a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem
o direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO
SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98,
dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas
portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja
família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para
o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de
se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade,
ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos
autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de
um salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de
um ser humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO
DOS REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples
e faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição
desse benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os
beneficiários, além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria
direito a parte autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da
Lei nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre
o rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, a alegada incapacidade do autor - com 60 anos na data do ajuizamento da ação, em
21/5/19 - ficou caracterizada no presente feito, conforme parecer técnico elaborado pela Perita,
datado de 22/10/20. Afirmou a esculápia encarregada do exame que o autor é portador de lesão
no ombro direito, concluindo que há incapacidade parcial e permanente para o trabalho.
Esclareceu a Sra. Perita que o demandante “Relata que trabalhava como pedreiro. Interrompeu
há 7 anos, quando sofreu acidente de carro em 2013, com trauma de braço direito, ficando com
limitação de movimento do mesmo” (ID 165651916 - Pág. 2) e que, em virtude da
deficiência/doença, o demandante apresenta “Limitação para atividades de esforço e
levantamento de peso” (quesito n° 3, formulado pelo INSS - ID 165651916 - Pág. 4).
Como bem asseverou o MM. Juiz a quo, “No caso em tela, a perita judicial no laudo pericial de
fls. 120/130, reconheceu que o requerente é portador de lesão de ombro, com limitação para
atividades de esforço e levantamento de peso e não é capaz de desenvolver qualquer atividade
econômica que lhe possibilite prover sua subsistência (fl. 123, quesitos “1/4”). Afirmou também
que, o impedimento é de longa duração (fl. 125, quesito do INSS “7”). Segundo afirmado pela
perita, o autor apresenta incapacidade laboral para suas atividades laborais habituais de forma
parcial e permanente (fl. 126, quesitos do Juízo “a” e “b”) e concluiu que o periciado apresenta
uma incapacidade parcial e definitiva para atividades de esforço e levantamento de peso, não
apto pra atividade que se propõe a fazer.(conclusão de fl. 126), o que diminui a sua participação
na sociedade no seu contexto sociocultural” (ID 165651935 - Pág. 3).
Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 29/1/20, data em que
o salário mínimo era de R$ 1.045,00), demonstra que o autor reside com sua companheira, de
64 anos, em imóvel próprio, “com dois quartos, sala, cozinha, banheiro e lavanderia de
alvenaria, o imóvel encontra-se em reforma, estando apenas concluído o banheiro e a
lavanderia, os demais encontram-se ainda apenas com tijolos, sem reboco e sem piso, sala
sem janela e sem porta. Aludem que logo que chegaram iniciaram a reforma da casa, contudo
como o requerente veio a se acidentar ficando sem condições para o trabalho não conseguiu
terminar a obra” (ID 165651892 - Pág. 2). Informou a assistente social que a “residência é
guarnecida com mobiliário básico: cama de casal, cama de solteiro, guarda roupa, tv de 22
polegadas, sofá, geladeira, fogão e uma lavadora de roupas, alguns antigos e em condições
precárias de conservação” (ID 165651892 - Pág. 3). A renda mensal familiar é proveniente da
pensão por morte percebida pela companheira do autor, no valor de um salário mínimo. As
despesas mensais são: R$ 650,00 em alimentação, R$ 52,00 em água, R$ 70,00 em energia
elétrica, R$ 78,00 (a cada dois meses) em gás de cozinha, R$ 225,00 em empréstimo, R$ 40,00
em celular, R$20,00 em ração para gato.
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, observo que o requisito da
miserabilidade encontra-se demonstrado no presente feito.
Conforme documento ID 165651871 - Pág. 10, a parte autora formulou pedido de amparo social
à pessoa portadora de deficiência em 29/1/19, motivo pelo qual o termo inicial de concessão do
benefício deve ser fixado na data do pedido na esfera administrativa, conforme jurisprudência
pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto
Martins, v.u., j. 10/9/13, DJe 18/9/13).
Cumpre ressaltar que o benefício deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa
disposição legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
Ressalto, ainda, ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada
com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência
médica, nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de
execução do julgado os pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.
A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora.
Com relação aos índices de atualização monetária, devem ser observados os posicionamentos
firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no
Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos
processos relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. Quadra
ressaltar haver constado expressamente do voto do Recurso Repetitivo que “a adoção do INPC
não configura afronta ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de
repercussão geral (RE 870.947/SE). Isso porque, naquela ocasião, determinou-se a aplicação
do IPCA-E para fins de correção monetária de benefício de prestação continuada (BPC), o qual
se trata de benefício de natureza assistencial, previsto na Lei 8.742/93. Assim, é imperioso
concluir que o INPC, previsto no art. 41-A da Lei 8.213/91, abrange apenas a correção
monetária dos benefícios de natureza previdenciária.” Outrossim, como bem observou o E.
Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira: “Importante ter presente, para a adequada
compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em
referência – INPC e IPCA-E tiveram variação muito próxima no período de julho de 2009 (data
em que começou a vigorar a TR) e até setembro de 2019, quando julgados os embargos de
declaração no RE 870947 pelo STF (IPCA-E: 76,77%; INPC 75,11), de forma que a adoção de
um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas
sobre o valor da condenação.” (TRF-4ª Região, AI nº 5035720-27.2019.4.04.0000/PR, 6ª
Turma, v.u., j. 16/10/19).
Ante o exposto, não conheço de parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, dou-lhe
parcial provimento para determinar a incidência da correção monetária pelo IPCA-Ee dou
provimento à apelação da parte autora para fixar o termo inicial do benefício a partir do
requerimento administrativo (29/1/19).
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO
DOS REQUISITOS LEGAIS. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA.
I- No que tange à apelação do INSS, cumpre ressaltar, inicialmente, que a mesma será
parcialmente conhecida, dada a falta de interesse em recorrer relativamente aos juros de mora,
uma vez que a R. sentença foi proferida nos exatos termos de seu inconformismo.
II- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
III- In casu, a alegada incapacidade do autor - com 60 anos na data do ajuizamento da ação,
em 21/5/19 - ficou caracterizada no presente feito, conforme parecer técnico elaborado pela
Perita, datado de 22/10/20. Afirmou a esculápia encarregada do exame que o autor é portador
de lesão no ombro direito, concluindo que há incapacidade parcial e permanente para o
trabalho. Esclareceu a Sra. Perita que o demandante “Relata que trabalhava como pedreiro.
Interrompeu há 7 anos, quando sofreu acidente de carro em 2013, com trauma de braço direito,
ficando com limitação de movimento do mesmo” (ID 165651916 - Pág. 2) e que, em virtude da
deficiência/doença, o demandante apresenta “Limitação para atividades de esforço e
levantamento de peso” (quesito n° 3, formulado pelo INSS - ID 165651916 - Pág. 4). Como bem
asseverou o MM. Juiz a quo, “No caso em tela, a perita judicial no laudo pericial de fls. 120/130,
reconheceu que o requerente é portador de lesão de ombro, com limitação para atividades de
esforço e levantamento de peso e não é capaz de desenvolver qualquer atividade econômica
que lhe possibilite prover sua subsistência (fl. 123, quesitos “1/4”). Afirmou também que, o
impedimento é de longa duração (fl. 125, quesito do INSS “7”). Segundo afirmado pela perita, o
autor apresenta incapacidade laboral para suas atividades laborais habituais de forma parcial e
permanente (fl. 126, quesitos do Juízo “a” e “b”) e concluiu que o periciado apresenta uma
incapacidade parcial e definitiva para atividades de esforço e levantamento de peso, não apto
pra atividade que se propõe a fazer.(conclusão de fl. 126), o que diminui a sua participação na
sociedade no seu contexto sociocultural” (ID 165651935 - Pág. 3).
IV- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado no presente feito. O estudo social (elaborado em 29/1/20, data em que o
salário mínimo era de R$ 1.045,00), demonstra que o autor reside com sua companheira, de 64
anos, em imóvel próprio, “com dois quartos, sala, cozinha, banheiro e lavanderia de alvenaria, o
imóvel encontra-se em reforma, estando apenas concluído o banheiro e a lavanderia, os demais
encontram-se ainda apenas com tijolos, sem reboco e sem piso, sala sem janela e sem porta.
Aludem que logo que chegaram iniciaram a reforma da casa, contudo como o requerente veio a
se acidentar ficando sem condições para o trabalho não conseguiu terminar a obra” (ID
165651892 - Pág. 2). Informou a assistente social que a “residência é guarnecida com
mobiliário básico: cama de casal, cama de solteiro, guarda roupa, tv de 22 polegadas, sofá,
geladeira, fogão e uma lavadora de roupas, alguns antigos e em condições precárias de
conservação” (ID 165651892 - Pág. 3). A renda mensal familiar é proveniente da pensão por
morte percebida pela companheira do autor, no valor de um salário mínimo. As despesas
mensais são: R$ 650,00 em alimentação, R$ 52,00 em água, R$ 70,00 em energia elétrica, R$
78,00 (a cada dois meses) em gás de cozinha, R$ 225,00 em empréstimo, R$ 40,00 em celular,
R$20,00 em ração para gato. Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos
autos, observo que o requisito da miserabilidade encontra-se demonstrado no presente feito.
V- Conforme documento ID 165651871 - Pág. 10, a parte autora formulou pedido de amparo
social à pessoa portadora de deficiência em 29/1/19, motivo pelo qual o termo inicial de
concessão do benefício deve ser fixado na data do pedido na esfera administrativa, conforme
jurisprudência pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro
Humberto Martins, v.u., j. 10/9/13, DJe 18/9/13).
VI- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos
índices de atualização monetária, devem ser observados os posicionamentos firmados na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos
relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários.
VII- Apelação do INSS parcialmente conhecida e parcialmente provida. Apelação da parte
autora provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer de parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, dar-
lhe parcial provimento e dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
