Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5064214-36.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
31/05/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 07/06/2019
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. COISA JULGADA. NÃO CABIMENTO. BENEFÍCIO PREVISTO NO
ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA.
MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS.
I- Preliminarmente, cumpre ressaltar que ocorre coisa julgada material quando se reproduz ação
idêntica à outra - mesmas partes, pedido e causa de pedir - já decidida por sentença de mérito
não mais sujeita a recurso. No presente caso, considerando o longo período de tempo entre a
realização do estudo social no processo anterior e o ajuizamento da presente ação, bem como o
fato de que as causas de pedir das ações são distintas, não há que se falar em ocorrência de
coisa julgada.
II- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
III - Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado no presente feito. O estudo social (elaborado em 5/4/18, data em que o salário
mínimo era de R$954,00), demonstra que a autora, nascida em 17/8/81, portadora de deficiência
mental grave e epilepsia, reside com sua mãe, com 53 anos de idade, viúva, pensionista, em
imóvel cedido, de madeira, com acabamento insatisfatório, sem forro e calçada na área externa,
composto por 4 cômodos e 1 banheiro. A residência, o mobiliário, os eletrodomésticos e eletro
portáteis são precários, não atendendo adequadamente as necessidades da requerente. A família
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
não recebe assistência de familiares ou entidades filantrópicas. A autora é totalmente dependente
de sua genitora, pois não se comunica verbalmente e se locomove com dificuldade, além de
apresentar retardo mental. A renda familiar é composta pela pensão por morte recebida por sua
mãe, que, segundo consta na consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS
juntada aos autos, equivalia a R$1.101,13 em 15/6/18. Os gastos mensais, com alimentação,
contas públicas e farmácia são de, aproximadamente, R$939,00. Ressaltou a assistente social
que a situação financeira da família é prejudicada devido aos empréstimos contraídos pela mãe
da requerente para possibilitar o sustento de ambas. Ademais, sua genitora nunca pode exercer
atividade laborativa remunerada, pois sempre teve que cuidar da filha. Concluiu, assim, pela
fragilidade social e econômica da requerente, sendo que o benefício pleiteado poderá impactar
positivamente, “amenizando assim a situação de risco pessoal social vivenciado no momento pela
requerente”.
IV- Matéria preliminar rejeitada. No mérito, Apelação improvida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5064214-36.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DEISE APARECIDA DA SILVA
CURADOR: MARIA CONCEICAO DA PAZ SILVA
Advogado do(a) APELADO: ADRIANO MASSAQUI KASHIURA - SP163406-N,
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5064214-36.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DEISE APARECIDA DA SILVA
CURADOR: MARIA CONCEICAO DA PAZ SILVA
Advogado do(a) APELADO: ADRIANO MASSAQUI KASHIURA - SP163406-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social visando à concessão do
benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser
pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo julgou procedente o pedido, concedendo o benefício requerido a partir da citação
(24/4/18). As parcelas vencidas deverão ser acrescidas de correção monetária e juros de mora.
Os honorários advocatícios foram arbitrados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a
sentença.
Inconformada, apelou o INSS, alegando em síntese:
- Preliminarmente:
- a existência de coisa julgada.
- No mérito:
- a improcedência do pedido, sob o fundamento de que não ficou comprovado nos autos o estado
de miserabilidade da parte autora.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal, opinando pelo desprovimento da apelação e pela
concessão da tutela antecipada, de ofício.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5064214-36.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DEISE APARECIDA DA SILVA
CURADOR: MARIA CONCEICAO DA PAZ SILVA
Advogado do(a) APELADO: ADRIANO MASSAQUI KASHIURA - SP163406-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR):
Preliminarmente, cumpre ressaltar que ocorre coisa julgada material quando se reproduz ação
idêntica à outra - mesmas partes, pedido e causa de pedir - já decidida por sentença de mérito
não mais sujeita a recurso.
Compulsando os autos, observo que a ação nº 08.00001431 foi ajuizada perante a Comarca de
Pacaembu-SP, objetivando o restabelecimento de benefício assistencial à pessoa portadora de
deficiência, a qual foi julgada improcedente por ausência do estado de miserabilidade, sendo que,
à época, a autora residia com sua mãe e outros familiares, conforme apontou o estudo social
realizado em 10/3/09. Referida ação transitou em julgado em 4/3/15. No presente feito, ajuizado
em 9/3/18, alega a autora que reside somente com sua genitora.
Dessa forma, considerando o longo período de tempo entre a realização do estudo social no
processo anterior e o ajuizamento da presente ação, bem como o fato de que as causas de pedir
das ações são distintas, não há que se falar em ocorrência de coisa julgada.
Nesse sentido, transcrevo o precedente jurisprudencial, in verbis:
"AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. COISA JULGADA . INOCORRÊNCIA. JULGAMENTO SINGULAR. ARTIGO 557, DO
CPC. NÃO PROVIMENTO.
(...)
2. Não ocorre coisa julgada em relação aos motivos, por mais importantes que sejam, que
determinaram o pronunciamento judicial. Ademais, tal instituto não se aplica a fatos
supervenientes à sentença.(...)"
(STJ, AgRg no AREsp. nº 114.401-PR, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j.
em 13/03/12, vu., DJe 23/03/2012).
Passo à análise do mérito.
Dispõe o art. 203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das
atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como
incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover,
por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre
registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para
prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição
Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do
referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V,
da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz
de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal
per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo'. O requisito financeiro estabelecido
pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações
de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial
previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o
Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal
Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da
renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-
se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real
estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente,
foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros
benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever
anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a
ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas
(políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares
econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte
do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 5/4/18, data
em que o salário mínimo era de R$954,00), demonstra que a autora, nascida em 17/8/81,
portadora de deficiência mental grave e epilepsia, reside com sua mãe, com 53 anos de idade,
viúva, pensionista, em imóvel cedido, de madeira, com acabamento insatisfatório, sem forro e
calçada na área externa, composto por 4 cômodos e 1 banheiro. A residência, o mobiliário, os
eletrodomésticos e eletro portáteis são precários, não atendendo adequadamente as
necessidades da requerente. A família não recebe assistência de familiares ou entidades
filantrópicas. A autora é totalmente dependente de sua genitora, pois não se comunica
verbalmente e se locomove com dificuldade, além de apresentar retardo mental. A renda familiar
é composta pela pensão por morte recebida por sua mãe, que, segundo consta na consulta ao
Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS juntada aos autos, equivalia a R$1.101,13 em
15/6/18. Os gastos mensais, com alimentação, contas públicas e farmácia são de,
aproximadamente, R$939,00. Ressaltou a assistente social que a situação financeira da família é
prejudicada devido aos empréstimos contraídos pela mãe da requerente para possibilitar o
sustento de ambas. Ademais, sua genitora nunca pode exercer atividade laborativa remunerada,
pois sempre teve que cuidar da filha. Concluiu, assim, pela fragilidade social e econômica da
requerente, sendo que o benefício pleiteado poderá impactar positivamente, “amenizando assim a
situação de risco pessoal social vivenciado no momento pela requerente”.
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, observo que o requisito da
miserabilidade encontra-se demonstrado no presente feito.
Deixo de apreciar a questão da incapacidade laborativa, à míngua de recurso do INSS
relativamente a esta matéria.
Cumpre ressaltar que o benefício deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa
disposição legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
Ressalto, ainda, ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada com
qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica,
nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de execução do
julgado os pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.
Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, nego provimento à apelação.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. COISA JULGADA. NÃO CABIMENTO. BENEFÍCIO PREVISTO NO
ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA.
MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS.
I- Preliminarmente, cumpre ressaltar que ocorre coisa julgada material quando se reproduz ação
idêntica à outra - mesmas partes, pedido e causa de pedir - já decidida por sentença de mérito
não mais sujeita a recurso. No presente caso, considerando o longo período de tempo entre a
realização do estudo social no processo anterior e o ajuizamento da presente ação, bem como o
fato de que as causas de pedir das ações são distintas, não há que se falar em ocorrência de
coisa julgada.
II- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
III - Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado no presente feito. O estudo social (elaborado em 5/4/18, data em que o salário
mínimo era de R$954,00), demonstra que a autora, nascida em 17/8/81, portadora de deficiência
mental grave e epilepsia, reside com sua mãe, com 53 anos de idade, viúva, pensionista, em
imóvel cedido, de madeira, com acabamento insatisfatório, sem forro e calçada na área externa,
composto por 4 cômodos e 1 banheiro. A residência, o mobiliário, os eletrodomésticos e eletro
portáteis são precários, não atendendo adequadamente as necessidades da requerente. A família
não recebe assistência de familiares ou entidades filantrópicas. A autora é totalmente dependente
de sua genitora, pois não se comunica verbalmente e se locomove com dificuldade, além de
apresentar retardo mental. A renda familiar é composta pela pensão por morte recebida por sua
mãe, que, segundo consta na consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS
juntada aos autos, equivalia a R$1.101,13 em 15/6/18. Os gastos mensais, com alimentação,
contas públicas e farmácia são de, aproximadamente, R$939,00. Ressaltou a assistente social
que a situação financeira da família é prejudicada devido aos empréstimos contraídos pela mãe
da requerente para possibilitar o sustento de ambas. Ademais, sua genitora nunca pode exercer
atividade laborativa remunerada, pois sempre teve que cuidar da filha. Concluiu, assim, pela
fragilidade social e econômica da requerente, sendo que o benefício pleiteado poderá impactar
positivamente, “amenizando assim a situação de risco pessoal social vivenciado no momento pela
requerente”.
IV- Matéria preliminar rejeitada. No mérito, Apelação improvida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, negar provimento à apelação, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
