Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5278657-37.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
30/09/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 02/10/2020
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. COISA JULGADA. NÃO CABIMENTO. BENEFÍCIO PREVISTO NO
ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA.
MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS.
I- Caracterizada a hipótese de julgado ultra petita, deve o Juízo ad quem restringir a sentença aos
limites do pedido, por força dos arts. 141, 282 e 492 do CPC/2015.
II- Considerando o longo período de tempo entre a realização do laudo pericial no processo
anterior e o ajuizamento da presente ação (13/8/19), bem como o agravamento do estado de
saúde da requerente, não há que se falar em ocorrência de coisa julgada.
III- Deve ser mantida a antecipação dos efeitos do provimento jurisdicional final, já sob a novel
figura da tutela de urgência, uma vez que evidenciado nos presentes autos o preenchimento dos
requisitos do art. 300, do CPC/15.
IV- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
V- In casu, a alegada incapacidade da parte autora - com 34 anos na data do ajuizamento da
ação, em 13/8/19 - ficou plenamente caracterizada no presente feito, conforme parecer técnico
elaborado pelo Perito, datado de 4/12/19. Afirmou o esculápio encarregado do exame que a
autora é portadora de quadro neurológico e mental grave, de natureza irreversível, sem condições
laborativas para subsistência.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
VI- Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 20/9/19, data em
que o salário mínimo era de R$998,00), demonstra que a autora reside com seu esposo Sr. Paulo
Cesar Lopes, nascido em 8/6/75, desempregado, e com seus filhos, Cesar Augusto da Silva
Pereira, nascido em 8/7/07, Ana Vitória da Silva Pereira Lopes, nascida em 20/12/09, e Pollyana
da Silva Pereira Lopes, nascida em 8/7/12, em residência de três cômodos (cozinha, quarto e
banheiro) cedido pela Prefeitura. A renda mensal familiar é composta pela transferência de renda
do governo federal “bolsa família”, no valor de R$246,00. Os gastos mensais são de R$80,00 em
gás, R$87,19 em energia elétrica, R$80,14 em água. Quanto a alimentação, a autora informou
que recebe mensalmente uma cesta básica da igreja, bem como que recebe doações de roupas e
de calçados por populares.
VII- O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do indeferimento administrativo, tal como
pleiteado na exordial, uma vez que a parte autora formulou pedido de amparo social à pessoa
portadora de deficiência em 20/9/17.
VIII- Sentença restringida de ofício. Matéria preliminar rejeitada. Apelação do INSS improvida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5278657-37.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELISANDRA DA SILVA PEREIRA
Advogados do(a) APELADO: RODOLFO DA COSTA RAMOS - SP312675-N, GABRIEL DE
OLIVEIRA DA SILVA - SP305028-N, LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES -
SP111577-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5278657-37.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELISANDRA DA SILVA PEREIRA
Advogados do(a) APELADO: RODOLFO DA COSTA RAMOS - SP312675-N, GABRIEL DE
OLIVEIRA DA SILVA - SP305028-N, LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES -
SP111577-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social visando à concessão do
benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, a partir da data do
indeferimento administrativo, sob o fundamento de ser pessoa portadora de deficiência e não
possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo julgou procedente o pedido, concedendo o benefício requerido a partir da data do
requerimento administrativo. As parcelas vencidas deverão ser acrescidas de correção monetária
de acordo com o IPCA-E e de juros de mora de 0,5% ao mês. Condenou, ainda, a autarquia ao
pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas
até a sentença. Concedeu a tutela antecipada.
Inconformada, apelou a autarquia, alegando em síntese:
- Preliminarmente:
- coisa julgada e
- que deve ser suspensa a tutela antecipada concedida na sentença.
- No mérito:
- a improcedência do pedido, sob o fundamento de que não ficaram comprovados nos autos os
estados de miserabilidade e de incapacidade da parte autora.
- Caso não seja acolhida a alegação acima mencionada, requer que o termo inicial do benefício
se dê a partir do laudo pericial.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal, opinando pelo desprovimento da apelação.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5278657-37.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELISANDRA DA SILVA PEREIRA
Advogados do(a) APELADO: RODOLFO DA COSTA RAMOS - SP312675-N, GABRIEL DE
OLIVEIRA DA SILVA - SP305028-N, LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES -
SP111577-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Inicialmente, da
leitura da exordial, verifica-se que o pedido restringe-se à concessão do benefício previsto no art.
203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, a partir da data do indeferimento administrativo. No
entanto, o MM. Juiz a quo concedeu o benefício a partir do requerimento administrativo (20/9/17).
Conforme dispõe o artigo 141 do Código de Processo Civil/2015, o juiz decidirá a lide nos limites
propostos pelas partes. Igualmente, o artigo 492 do mesmo diploma legal trata da correlação
entre o pedido e a sentença.
Assim sendo, caracterizada a hipótese de julgado ultra petita, a teor do disposto nos artigos 141,
282 e 492 do CPC/2015, declaro a nulidade da sentença em relação à concessão do benefício no
período não pleiteado na exordial.
Passo à análise da apelação.
Preliminarmente, cumpre ressaltar que ocorre coisa julgada material quando se reproduz ação
idêntica à outra - mesmas partes, pedido e causa de pedir - já decidida por sentença de mérito
não mais sujeita a recurso.
Compulsando os autos, observo que a ação nº 2014.03.99.010853-0 foi ajuizada perante a 3ª
Vara de Santa Fé do Sul-SP, objetivando a concessão de benefício assistencial à pessoa
portadora de deficiência, a qual foi julgada improcedente por ausência de incapacidade, a qual
transitou em julgado em 7/7/14.
Dessa forma, considerando o longo período de tempo entre a realização do laudo pericial no
processo anterior e o ajuizamento da presente ação (13/8/19), bem como o agravamento do
estado de saúde da requerente, não há que se falar em ocorrência de coisa julgada.
Outrossim, deve ser mantida a antecipação dos efeitos do provimento jurisdicional final, já sob a
novel figura da tutela de urgência, uma vez que evidenciado nos presentes autos o
preenchimento dos requisitos do art. 300, do CPC/15.
Inequívoca a existência da probabilidade do direito, tendo em vista o reconhecimento à percepção
do benefício pleiteado. Quanto ao perigo de dano, parece-me que, entre as posições
contrapostas, merece acolhida aquela defendida pela parte autora porque, além de desfrutar de
elevada probabilidade, é a que sofre maiores dificuldades de reversão. Outrossim, o perigo da
demora encontra-se evidente, tendo em vista o caráter alimentar do benefício.
Passo ao exame do mérito.
Dispõe o art. 203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das
atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como
incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover,
por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre
registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para
prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição
Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do
referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, a alegada incapacidade da parte autora - com 34 anos na data do ajuizamento da ação,
em 13/8/19 - ficou plenamente caracterizada no presente feito, conforme parecer técnico
elaborado pelo Perito, datado de 4/12/19. Afirmou o esculápio encarregado do exame que a
autora é portadora de quadro neurológico e mental grave, de natureza irreversível, sem condições
laborativas para subsistência.
Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 20/9/19, data em que o
salário mínimo era de R$998,00), demonstra que a autora reside com seu esposo Sr. Paulo
Cesar Lopes, nascido em 8/6/75, desempregado, e com seus filhos, Cesar Augusto da Silva
Pereira, nascido em 8/7/07, Ana Vitória da Silva Pereira Lopes, nascida em 20/12/09, e Pollyana
da Silva Pereira Lopes, nascida em 8/7/12, em residência de três cômodos (cozinha, quarto e
banheiro) cedido pela Prefeitura. A renda mensal familiar é composta pela transferência de renda
do governo federal “bolsa família”, no valor de R$246,00. Os gastos mensais são de R$80,00 em
gás, R$87,19 em energia elétrica, R$80,14 em água. Quanto a alimentação, a autora informou
que recebe mensalmente uma cesta básica da igreja, bem como que recebe doações de roupas e
de calçados por populares.
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, observo que os requisitos da
incapacidade e da miserabilidade encontram-se demonstrados no presente feito.
Cumpre ressaltar que o benefício deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa
disposição legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
Ressalto, ainda, ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada com
qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica,
nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de execução do
julgado os pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do indeferimento administrativo, tal como
pleiteado na exordial, uma vez que a parte autora formulou pedido de amparo social à pessoa
portadora de deficiência em 20/9/17.
Ante o exposto, de ofício, restrinjo a sentença aos limites do pedido, na forma acima indicada,
rejeito a matéria preliminar e, no mérito, nego provimento à apelação do INSS.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. COISA JULGADA. NÃO CABIMENTO. BENEFÍCIO PREVISTO NO
ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA.
MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS.
I- Caracterizada a hipótese de julgado ultra petita, deve o Juízo ad quem restringir a sentença aos
limites do pedido, por força dos arts. 141, 282 e 492 do CPC/2015.
II- Considerando o longo período de tempo entre a realização do laudo pericial no processo
anterior e o ajuizamento da presente ação (13/8/19), bem como o agravamento do estado de
saúde da requerente, não há que se falar em ocorrência de coisa julgada.
III- Deve ser mantida a antecipação dos efeitos do provimento jurisdicional final, já sob a novel
figura da tutela de urgência, uma vez que evidenciado nos presentes autos o preenchimento dos
requisitos do art. 300, do CPC/15.
IV- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
V- In casu, a alegada incapacidade da parte autora - com 34 anos na data do ajuizamento da
ação, em 13/8/19 - ficou plenamente caracterizada no presente feito, conforme parecer técnico
elaborado pelo Perito, datado de 4/12/19. Afirmou o esculápio encarregado do exame que a
autora é portadora de quadro neurológico e mental grave, de natureza irreversível, sem condições
laborativas para subsistência.
VI- Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 20/9/19, data em
que o salário mínimo era de R$998,00), demonstra que a autora reside com seu esposo Sr. Paulo
Cesar Lopes, nascido em 8/6/75, desempregado, e com seus filhos, Cesar Augusto da Silva
Pereira, nascido em 8/7/07, Ana Vitória da Silva Pereira Lopes, nascida em 20/12/09, e Pollyana
da Silva Pereira Lopes, nascida em 8/7/12, em residência de três cômodos (cozinha, quarto e
banheiro) cedido pela Prefeitura. A renda mensal familiar é composta pela transferência de renda
do governo federal “bolsa família”, no valor de R$246,00. Os gastos mensais são de R$80,00 em
gás, R$87,19 em energia elétrica, R$80,14 em água. Quanto a alimentação, a autora informou
que recebe mensalmente uma cesta básica da igreja, bem como que recebe doações de roupas e
de calçados por populares.
VII- O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do indeferimento administrativo, tal como
pleiteado na exordial, uma vez que a parte autora formulou pedido de amparo social à pessoa
portadora de deficiência em 20/9/17.
VIII- Sentença restringida de ofício. Matéria preliminar rejeitada. Apelação do INSS improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu, de ofício, restringir a sentença aos limites do pedido, rejeitar a matéria
preliminar e, no mérito, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
