Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
5000128-82.2020.4.03.6120
Relator(a)
Juiz Federal TAIS VARGAS FERRACINI DE CAMPOS GURGEL
Órgão Julgador
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
07/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 10/02/2022
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BCP. DEFICIENTE. MENOR IMPÚBERE. RENDA PER CAPITA.
PRESUNÇÃO RELATIVA. DEMANDAS EXTRAORDINÁRIAS EM FUNÇAO DA NATUREZA DA
DEFICIÊNCIA. RECURSO DO INSS A QUE SE NEGAPROVIMENTO.
1. É devido o Benefício de Prestação Continuada no valor de uma salário mínimo (Constituição
Federal, em seu art. 203, V). ao deficiente que comprovar deficiência ou impedimento de longo
prazo igual ou superior à dois anos (parágrafo 2º do art. 20, da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pelas Leis 9.720/98, 12.435/2011 e 13.146/2015e estado de miserabilidade.
2. A renda per capita inferior a meio salário mínimo é presunção relativa de miserabilidade.
3. No caso dos autos o autor autista demanda de tratamentos e alimentação especial que não
vem sendo atendida pela renda familiar.
4. Recurso do INSS a que se nega provimento.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº5000128-82.2020.4.03.6120
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RELATOR:41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: V. G. M. D. B.
Advogado do(a) RECORRENTE: VAGNER PIAZENTIN SIQUEIRA - SP166119-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS 29.979.036/0001-40,
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº5000128-82.2020.4.03.6120
RELATOR:41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: V. G. M. D. B.
Advogado do(a) RECORRENTE: VAGNER PIAZENTIN SIQUEIRA - SP166119-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS 29.979.036/0001-40,
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso inominado interposto pelo INSS, ora Recorrente, em face da sentença que
julgou procedente o pedido de concessão do benefício assistencial de prestação continuada ao
deficiente.
Nas razões recursais, o INSS sustenta que a renda per capita é superior a ¼ do salário mínimo
e que não há situação de miserabilidade e que o autor mora em imóvel pertencente ao avô.
Por essa razão requer a reforma da sentença e a improcedência do pedido.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº5000128-82.2020.4.03.6120
RELATOR:41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: V. G. M. D. B.
Advogado do(a) RECORRENTE: VAGNER PIAZENTIN SIQUEIRA - SP166119-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS 29.979.036/0001-40,
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O artigo 1.013 do Código de Processo Civil preconiza que o recurso devolve à instância
recursal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido
solucionadas desde que relativas ao capítulo impugnado.
Não foram arguidas preliminares de mérito e não há aquelas que devem ser conhecidas de
ofício pelo julgador.
Desde já é importante dizer que o benefício pleiteado é uma excepcionalidade criada pelo
legislador com o objetivo de política social de inclusão. Não é benefício previdenciário, mas sim
da Assistência Social. Não exige contribuições e por sua natureza deve ser prestado àqueles
que além de não auferirem renda, seja por velhice, seja por deficiência ou impedimento de logo
prazo, não tem nenhum membro da família que lhes possa prestar qualquer auxílio.
É de se ressaltar, ainda, que a concessão indiscriminada do benefício assistencial, fora de sua
configuração constitucional, é fator que vem ajudando a comprometer a higidez do orçamento
da Seguridade Social, com graves prejuízos a toda a sociedade. O benefício foi previsto como
um mecanismo apto a retirar pessoas da miséria e não como instrumento apto a alçar à classe
média ainda que baixa os menos favorecidos ou complementar renda.
Conceito de grupo familiar.
Considera-se como parte do mesmo grupo familiar “o cônjuge ou companheiro, os pais e, na
ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados
solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto” (art. 20 da Lei n.º
8.742/93,§ 1º).
Deixo consignado que a Lei nº 12.435/11 alterou o conceito de família, dando nova redação ao
artigo 20, § 1º, da Lei nº 8.742/93, não mais remetendo ao artigo 16 da Lei nº 8.213/91 para
identificação dos componentes do grupo familiar. É o que se depreende do dispositivo acima
transcrito.
Do deficiente menor de 16 anos.
No caso de deficiente menor de 16 anos, a incapacidade é presumida, todavia não é fator de
afastamento da hipótese legal, visto que tal situação onera o grupo familiar, seja na
impossibilidade de trabalhar de um dos membros economicamente ativos, seja nos custos
extraordinários para manutenção do deficiente.
Dos critérios para aferição da miserabilidade.
Pois bem.
O benefício assistencial requer o preenchimento de dois requisitos cumulativos para a sua
concessão: a) a existência de deficiência ou de idade mínima; e b) hipossuficiência econômica.
Em relação à questão econômica, cabe observar que, a despeito da controvérsia quanto à
adequação do valor fixado pelo legislador no § 3o., do art. 20, da Lei 8742/93, alterada pela Lei
n. 14.176/21, restou fixado o critério de renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo, podendo
ser este flexibilizado para até ½ salário mínimo nos termos do art. 11-A, e 20-B da aludida lei.
§ 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal
familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o
disposto no art. 20-B desta Lei. (Vigência) (Vide Lei nº 14.176, de 2021)
.....................................................................................................................” (NR)
“Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da
situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os
seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita
de que trata o § 11-A do referido artigo: (Vigência) (Vide Lei nº 14.176, de 2021)
I – o grau da deficiência;
II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e
III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei
exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos
especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados
gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que
comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.
§ 1º A ampliação de que trata o caput deste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais,
definidas em regulamento.
§ 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III do caput
deste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III do caput deste artigo.
§ 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I do caput deste artigo será aferido por meio de
instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei
nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do
art. 40-B desta Lei.
§ 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que
trata o inciso III do caput deste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania,
da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir
de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades,
facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em
regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios.”
Contudo, esta Relatora já vinha adotando o critério de ½ salário mínimo por entender que a
certeza absoluta do estado de miserabilidade das famílias cujos membros sobrevivam com
menos um quarto de salário mínimo não faz inferir a negativa desse estado de carência em
relação àqueles que sobrevivem com pouco mais.
E o E. Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Recurso Extraordinário 567.985-MT, julgado em
18.04.2013, nos termos do voto condutor, entendeu que “sob o ângulo da regra geral, deve
prevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93. Ante razões
excepcionais devidamente comprovadas, é dado ao intérprete do Direito constatar que a
aplicação da lei à situação concreta conduz à inconstitucionalidade, presente o parâmetro
material da Carta da República, qual seja, a miserabilidade, assim frustrando os princípios
observáveis – solidariedade, dignidade, erradicação da pobreza, assistência aos
desemparados. Em tais casos, pode o Juízo superar a norma legal sem declará-la
inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames constitucionais.”
Aliás, a comprovação da insuficiência de recursos familiares não se limita à demonstração da
renda per capita mensal inferior a ¼ do salário mínimo. “O STF esclareceu que ao longo dos
últimos anos houve uma proliferação de leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a
concessão de outros benefícios assistenciais (Lei n. 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; Lei
n. 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Informação; e a Lei n.
10.219/2001, que criou o Bolsa Escola) e apontou a utilização do valor de meio salário mínimo
como valor padrão da renda familiar per capita para análise do preenchimento do requisito da
hipossuficiência econômica que deve ser analisado em conjunto com as peculiaridades do caso
concreto”. (PEDILEF 00009172220084036304, JUIZ FEDERAL BOAVENTURA JOÃO
ANDRADE, TNU, DOU 09/10/2015 PÁGINAS 117/255.)
Nesse sentido, a Súmula nº 21 (TRU 3ª Região):"Na concessão do benefício assistencial,
deverá ser observado como critério objetivo a renda per capita de ½ salário mínimo gerando
presunção relativa de miserabilidade, a qual poderás ser infirmada por critérios subjetivos em
caso de renda superior ou inferior a ½ salário mínimo."
Da exclusão de renda e do indivíduo que aufere proventos de aposentadoria ou benefício de
prestação continuada no valor de até um salário mínimo e exclusão de valores obtidos com
programa assistencial de Bolsa Família.
O benefício previdenciário ou assistencial no valor de até 1 (um) salário mínimo pago a(o)
qualquer um dos membros do grupo familiar da parte autora não pode ser considerado para o
cálculo da renda familiar, por aplicação analógica do artigo 34 da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do
Idoso), in verbis:
“Artigo 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para
prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal
de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput
não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.”
Nesse mesmo sentido a jurisprudência:
“BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGO 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E LEI Nº
8.742/93. PESSOA IDOSA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. BENEFÍCIO DEVIDO.
1. O benefício previdenciário em valor igual a um salário mínimo, recebido por qualquer membro
da família, não se computa para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o
art. 20 da Lei nº 8.742/93, diante do disposto no parágrafo único do art. 34 da Lei nº
10.741/2003 (Estatuto do Idoso), cujo preceito é aplicável por analogia.
2. Preenchido o requisito idade, bem como comprovada a ausência de meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, é devida a concessão do benefício
assistencial de que tratam o art. 203, inciso V, da Constituição Federal e a Lei nº 8.742/93.
3. Apelação do INSS improvida.
(APELAÇÃO CIVEL - 825039, Rel. Desembargador GALVÃO MIRANDA, DÉCIMA TURMA,
julgado em 19.12.2006, DJ 31.01.2007 p. 585)”
Nesse passo, diante dos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, evidencia-
se razoável a adoção de interpretação mais ampla, por analogia ao disposto no parágrafo único
do artigo 34 da Lei n.º 10.741/03, de modo a desconsiderar, no cômputo da renda per capita,
não somente o benefício recebido por pessoa idosa maior de 65 anos como também o amparo
social ao deficiente e os decorrentes de aposentadoria, de valor mínimo, percebido por
integrante do grupo familiar.
Nesse sentido é a jurisprudência do E. Tribunal Regional da 3ª Região:
“ASSISTENCIAL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO LEGAL. ART. 557, § 1º, DO CPC.
BENEFÍCIO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. ART. 203, V, DA CF. RENDA FAMILIAR PER
CAPITA. ART. 20, §3º, DA LEI N.º 8.742/93. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO PARÁGRAFO
ÚNICO DO ART. 34 DA LEI nº 10.741/2003. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. 1. Para a
concessão do benefício de assistência social (LOAS) faz-se necessário o preenchimento dos
seguintes requisitos: 1) ser pessoa portadora de deficiência ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (art. 34 do Estatuto do Idoso - Lei n.º 10.741 de 01.10.2003); 2) não possuir meios
de subsistência próprios ou de tê-la provida por sua família, cuja renda mensal per capita seja
inferior a ¼ do salário mínimo (art. 203, V, da CF; art. 20, § 3º, e art. 38 da Lei n.º 8.742 de
07.12.1993). 2. Preenchidos os requisitos legais ensejadores à concessão do benefício. 3. O C.
Supremo Tribunal Federal já decidiu não haver violação ao inciso V do art. 203 da Magna Carta
ou à decisão proferida na ADIN nº 1.232-1-DF, a aplicação aos casos concretos do disposto
supervenientemente pelo Estatuto do Idoso (art. 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.741/2003). 4.
Por aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, não somente os
valores referentes ao benefício assistencial ao idoso devem ser descontados do cálculo da
renda familiar, mas também aqueles referentes ao amparo social ao deficiente e os decorrentes
de aposentadoria no importe de um salário mínimo. 5. Agravo Legal a que se nega provimento.
(APELREEX 00084908020094036109, DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS,
TRF3 - SÉTIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/09/2013)”
Excluída a renda de até um salário mínimo, de rigor excluir o beneficiário do cálculo da renda
per capita.
É de se observar que, uma vez excluídos os rendimentos de até um salário mínimo, pago ao
idoso ou deficiente físico, para efeito de apuração da renda per capita do núcleo familiar,
também é de ser excluído aquele que recebe tais rendimentos, e tal sistemática atende ao
disposto no parágrafo único, art. 34 do Estatuto do Idoso.
Veja que constitui equívoco a exclusão da referida renda se também não excluído aquele que a
recebe, para efeito de apuração da renda per capita do núcleo familiar em exame.
Com efeito, embora a lei não explicite a exclusão do idoso ou deficiente que já recebe benefício
assistencial ou previdenciário no valor de um salário mínimo, ditando, apenas, que referida
renda deve ser excluída, tal se mostra decorrência lógica do ditame legal, pois o indivíduo em
questão já está devidamente socorrido pela seguridade social, e, portanto, deve ser excluído do
núcleo familiar para efeito de apuração da renda per capita, de modo a restar sem efeito, nessa
apuração, o valor em questão.
É evidente o escopo da lei em preservar a "neutralidade", para efeito de apuração da renda per
capita, dos valores pagos a título de benefício assistencial, neutralidade esta que inexistiria se
retirada essa renda, em obediência ao ditame legal, mas mantido aquele que a recebe, como se
fosse membro do núcleo familiar sob análise, e, por isso, ainda carente dos recursos financeiros
totais obtidos pelo referido grupo.
Esse equívoco, o de excluir os rendimentos pagos a idosos ou deficientes, a título de benefício
assistencial ou previdenciário no valor de um salário mínimo, porém, com a manutenção do
componente em questão para efeito de apuração da renda per capita, resultaria em apuração
de renda per capita artificialmente diminuída, na medida em que incluiria membro que, em
verdade, não afeta os rendimentos do núcleo familiar, pois, como ressaltado, já tem suas
necessidades básicas atendidas por meio de seus rendimentos próprios, de modo que extirpar
esses vencimentos, mas manter dito componente, implica em renda per capita
equivocadamente apurada, na medida em que leva em consideração indivíduo que não
depende economicamente do núcleo familiar sob exame.
Insta salientar que é falsa a conclusão de que “excluir o componente do grupo e sua renda
resulta no mesmo que não excluir ambos”, o que, evidentemente, não tenderia ao disposto no
parágrafo único do art. 34 do Estatuto do idoso.
Basta analisar cada um dos casos concretos, e apurar a renda per capita com a exclusão do
componente devidamente assistido pelo benefício de um salário mínimo, mas excluído do
núcleo familiar, e comparar o resultado matemático considerando sua inclusão mais seus
rendimentos (nesta última hipótese simulação contrária à lei), e se constatará diferença
comprobatória de que não há equivalência entre "excluir o componente do grupo e sua renda e
manter ambos", última hipótese, repita-se, contrária ao dispositivo legal examinado, com o que
tenho que a correta aplicação do disposto no art. 34 do Estatuto do Idoso tem como vetor a
desconsideração de qualquer efeito financeiro decorrente do cômputo dos rendimentos de um
salário mínimo pago ao idoso ou deficiente a título de benefício assistencial ou previdenciário,
com fim de que tal seja indiferente à apuração da renda per capita, neutralidade esta obtida
desde que haja, também, a desconsideração daquele assistido por esse recurso financeiro,
uma vez que, pontuasse, não depende economicamente do núcleo familiar em questão, porque
já supridas suas necessidades básicas por meio de seus rendimentos próprios.
Quanto ao bolsa-família, consigno que o próprio regulamento do benefício assistencial ora
almejado (Decreto 6.214/2007) prevê a desconsideração, do cálculo da renda mensal, dos
valores oriundos de programas sociais de transferência de renda:
“Art. 4º Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:
(...)
VI - renda mensal bruta familiar: a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos
membros da família composta por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias,
benefícios de previdência pública ou privada, seguro-desemprego, comissões, pro-labore,
outros rendimentos do trabalho não assalariado, rendimentos do mercado informal ou
autônomo, rendimentos auferidos do patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de
Prestação Continuada, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 19.
§ 2o Para fins do disposto no inciso VI do caput, não serão computados como renda mensal
bruta familiar: (Redação dada pelo Decreto nº 7.617, de 2011)
I - benefícios e auxílios assistenciais de natureza eventual e temporária; (Incluído pelo Decreto
nº 7.617, de 2011)
II - valores oriundos de programas sociais de transferência de renda;(...)”
O Bolsa Família é, por dicção legal, um programa social de transferência de renda, vide o caput
do art. 1º da Lei 10.836/04:
“Art. 1º Fica criado, no âmbito da Presidência da República, o Programa Bolsa Família,
destinado às ações de transferência de renda com condicionalidades.”
Assim, verifica-se que segundo o próprio entendimento da Administração Previdenciária, o valor
oriundo do Bolsa Família deve ser desconsiderado para fins de concessão do LOAS.
Quanto à capacidade financeira da família em prover o sustento de seu ente idoso ou
deficiente.
Mesmo que já apurada a renda per capita, é necessária também a aferição da capacidade
financeira da família da parte autora (aqui entendida de forma ampla) em prover o seu sustento,
visto que a assistência estatal é subsidiária à assistência que deve ser provida pelos entes
familiares (parte final do art.203, V, da CF88). Ou seja, apenas na impossibilidade da família
sustentar seus idosos ou deficientes é que deve a sociedade arcar com este custo.
Ressalto que, diferentemente do cálculo da renda per capita utilizado para aferição do estado
de miserabilidade, entendo que, neste requisito, toda e qualquer renda deve ser considerada,
de forma a verificar, de fato, se a família é capaz de adimplir ao dever de alimentar.
Tal entendimento está pautado na principiologia constitucional (Princípio da Solidariedade, art.
3º, I, da CF88), transpassando o direito de família (Princípio da Solidariedade Familiar, art.
1.694 do Código Civil) e é excludente legal do direito de concessão do benefício assistencial
(art. 203, V, da CF88), a ver (grifo nosso):
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos
de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para
atender às necessidades de sua educação.
Art. 203, V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
É preciso levar em consideração para a correta interpretação dos requisitos necessários para a
obtenção do benefício assistencial pretendido o disposto nos arts. 229 e 230, caput, da
Constituição Federal, verbis:
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores
têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Art. 230. A família, a sociedade, e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas,
assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e
garantindo-lhes o direito à vida.
Assim, ainda que o interessado em obter o benefício assistencial não resida com seus pais ou
filhos maiores sob o mesmo teto, a responsabilidade destes não pode ser desprezada para
efeito de avaliação do requisito da miserabilidade, porque é aos familiares, em primeiro lugar,
que a Constituição Federal atribui o dever de prestar alimentos.
Esse dever é repetido e detalhado no Código Civil, especialmente nos arts. 1.695 a 1.697, que
reproduzo abaixo por questão de clareza:
Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem
pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode
fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos
os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de
sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.
Em outras palavras, diante do dever dos pais e dos filhos maiores e, na falta destes, dos
irmãos, a responsabilidade do Estado pelo sustento do idoso é tão somente subsidiária.
Ressalto que o conceito de família expresso no art. 203, V, da CF88, é amplo e não se
relaciona à restrição contida no §1º do artigo 20 da lei 8742/93, este o qual possui caráter
evidentemente operacional e deve ser utilizado exclusivamente para cálculo da renda per
capita.
Entendo que a análise da capacidade financeira da família para o sustento de seu ente em
estado de necessidade deve ser efetuada de forma objetiva, a partir da verificação de qual
percentual da renda dos familiares corresponde a um salário mínimo (valor do benefício a ser
concedido).
Em suma, caso um pequeno percentual da renda da família seja equivalente ao valor a ser
pago pelo benefício assistencial, salvo prova em contrário, entendo que se presume a
capacidade dos parentes em prover o sustento do seu ente necessitado, afastando assim, a
necessidade da tutela assistencial.
Das reais condições de moradia e da possível ocultação de renda.
O critério de renda per capita é apenas um dos elementos do estado de miserabilidade e
constitui presunção relativa de vulnerabilidade social se abaixo de ½ salário mínimo.
Porém, outros elementos, tais como as condições de moradia incoerentes com a renda
declarada, podem indiciar a existência de ocultação de renda, sobretudo, nos casos em que o
membro da unidade familiar não possui vínculo de emprego com renda demonstrada nos autos
(cópia da CTPS, CNIS ou holerites) ou não consta histórico das contribuições individuais no
CNIS.
Há que se ter em conta, ainda, que a miserabilidade não pode ser presumida, muito menos de
forma absoluta utilizando-se apenas como critério o valor da renda per capita, conforme recente
decisão da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) que
abaixo transcrevo: É de conhecimento notório que a economia brasileira é marcada por alto
percentual de informalidade, não sendo raros os casos de famílias que, a despeito de não
registrarem renda formal, ostentam qualidade de vida satisfatória, de acordo com padrões
internacionalmente aceitos. Ademais, a adoção da presunção de miserabilidade baseada
exclusivamente na renda formal, retira do juiz o livre convencimento motivado com base na
prova dos autos ( CPC – artigos 131 e 436) que é um dos cânones do direito processual pátrio.
Processo 5009459- 52.2011.4.04.7001, Relator JUIZ FEDERAL PAULO ERNANE MOREIRA
BARROS.
No mérito.
A sentença recorrida decidiu o pedido inicial de modo exauriente, analisando todas as questões
suscitadas pelas partes, revelando-se desnecessárias meras repetições de sua fundamentação.
Vejamos seu conteúdo quanto a análise do mérito pertinente ao objeto do recurso:
“(...)
No caso em tela, a parte autora alega que tem deficiência e não possui meios de prover a
própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
A deficiência restou demonstrada pela perícia médica, que concluiu que a parte autora é
portadora de transtorno do espectro do autismo e de impedimento de longo prazo – igual ou
superior a dois anos.
O laudo de avaliação social informa que o grupo familiar é formado pela parte autora e pelos
pais.
A parte autora, atualmente com seis anos de idade, e seus familiares residem em imóvel
pertencente ao avô paterno, localizado em assentamento rural, tratando-se de uma casa com
três quartos, uma sala, copa, cozinha e banheiro. A renda familiar é composta pela
remuneração obtida pelo pai, no valor de R$1.045,00 mensais, em razão das atividades rurais
desenvolvidas no sítio, e pela renda da mãe, no lugar do bolsa-família, de auxílio emergencial
no valor de R$1.200,00.
Em consulta ao CNIS, não se observou vínculo empregatício formal e rendimentos registrados
em nome dos pais.
A parte autora é autista e necessita de cuidados especiais. Nesse aspecto, convém repetir que
há importante impacto da deficiência da parte autora menor não apenas em relação ao
exercício de futuras atividades e restrição severa na participação social, mas também na
economia do próprio grupo familiar, ante a exigência do constante cuidado e atenção dos pais,
principalmente da mãe.
As despesas foram razoavelmente estimadas pela assistente social e, à falta de quaisquer
elementos elisivos, devem ser consideradas como verdadeiras. Saliento que o Instituto-réu não
apresentou impugnação aos laudos.
Logo, levando-se em conta as condições humildes de subsistência e bem-estar social, o grau
da deficiência, o nível de perda de autonomia da parte autora, porquanto há total dependência
de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária, as dificuldades de
inserção social, bem como a baixa renda familiar, resta evidenciada a situação de
vulnerabilidade social.
A parte autora preencheu, portanto, os requisitos exigidos à concessão do benefício assistencial
.
A data inicial do benefício deve ser fixada na data do requerimento administrativo, em
09.03.2019.
Ante o exposto, julgo procedente o pedido para condenar o INSS a conceder à parte autora o
benefício assistencial de prestação continuada previsto no art. 203, inciso V da Constituição
Federal e instituído pela Lei 8.742/93, a partir de 09.03.2019, data do requerimento
administrativo.
Defiro tutela de urgência, pois presentes a plausibilidade jurídica do pedido, conforme ora
reconhecido, em cognição exauriente, bem como o perigo na demora, este caracterizado pela
natureza alimentar do benefício. Em consequência, determino ao INSS que implante o benefício
em favor da parte autora no prazo de 30 dias úteis. Oficie-se ao INSS - CEABDJ-SR1.
As prestações vencidas serão atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora de
acordo com os critérios previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, descontando-se
eventuais valores percebidos a título de benefício inacumulável.
(...)”
Desta feita, o artigo 46 combinadamente com o § 5º do art. 82, ambos da Lei nº 9099/95,
facultam à Turma Recursal dos Juizados especiais a remissão aos fundamentos adotados na
sentença.
Ademais a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a adoção
dos fundamentos contidos na sentença pela Turma Recursal não contraria o art. 93, inciso IX,
da Constituição Federal, vejamos, por exemplo, o seguinte julgado:
EMENTA - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA
INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA
INDIRETA. JUIZADO ESPECIAL. REMISSÃO AOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA.
AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA.
1. Controvérsia decidida à luz de legislações infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição
do Brasil.
2. O artigo 46 da Lei nº 9.099/95 faculta ao Colégio Recursal do Juizado Especial a remissão
aos fundamentos adotados na sentença, sem que isso implique afronta ao artigo 93, IX ,da
Constituição do Brasil.
Agravo Regimental a que se nega provimento. ( AI 726.283-7-AgR, Rel. Min. Eros Grau, 2ª
Turma, DJe nº 227, Publicação 28/11/2008).
O parágrafo 5º do artigo 82 da Lei nº 9.099/95, dispõe “se a sentença for confirmada pelos
próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.”
O dispositivo legal prevê, expressamente, a possibilidade de o órgão revisor adotar como razão
de decidir os fundamentos do ato impugnado, o que não implica violação do artigo 93, IX, da
Constituição Federal.
Assim, considerando que a sentença recorrida bem decidiu a questão, deve ser mantida nos
termos do artigo 46 da Lei nº 9.099/95.
Posto isso, nego provimento ao recurso.
Condeno o Recorrente vencido ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo
moderadamente, no valor de 10% sobre o valor da condenação. A parte ré ficará dispensada
desse pagamento se a parte autora não for assistida por advogado ou for assistida pela DPU
(STJ, Súmula 421 e REsp 1.199.715/RJ). Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de
assistência judiciária gratuita e recorrente vencida, o pagamento dos valores mencionados
ficará suspenso nos termos do § 3º do art. 98, do novo CPC – Lei nº 13.105/15.
É como voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BCP. DEFICIENTE. MENOR IMPÚBERE. RENDA PER CAPITA.
PRESUNÇÃO RELATIVA. DEMANDAS EXTRAORDINÁRIAS EM FUNÇAO DA NATUREZA
DA DEFICIÊNCIA. RECURSO DO INSS A QUE SE NEGAPROVIMENTO.
1. É devido o Benefício de Prestação Continuada no valor de uma salário mínimo (Constituição
Federal, em seu art. 203, V). ao deficiente que comprovar deficiência ou impedimento de longo
prazo igual ou superior à dois anos (parágrafo 2º do art. 20, da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pelas Leis 9.720/98, 12.435/2011 e 13.146/2015e estado de miserabilidade.
2. A renda per capita inferior a meio salário mínimo é presunção relativa de miserabilidade.
3. No caso dos autos o autor autista demanda de tratamentos e alimentação especial que não
vem sendo atendida pela renda familiar.
4. Recurso do INSS a que se nega provimento. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Quarta Turma
Recursal decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA