Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5055341-47.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
08/05/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 10/05/2019
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. FALTA DE INTERESSE EM RECORRER. BENEFÍCIO PREVISTO NO
ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA.
COMPROVADO IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. MISERABILIDADE DEMONSTRADA.
CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. VERBA HONORÁRIA. HONORÁRIOS
SUCUMBENCIAIS RECURSAIS.
I- Ressente-se do pressuposto de admissibilidade a apelação interposta sem que haja algum
proveito prático a ser alcançado, com o que fica afastado o interesse recursal de parte da
apelação do INSS.
II- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
III- A deficiência foi comprovada pela perícia judicial.
IV- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado no presente feito. O estudo social revela que o autor de 40 anos reside com a
esposa Alessandra Gomes Silva Tomazoli, de 42 anos, e o filho adotivo nascido em 7/6/03 e
estudante, em casa cedida pela genitora, necessitando de reformas, composta por dois quartos,
sala, cozinha e banheiro, e guarnecida por mobiliários e eletrodomésticos usados, sendo que o
fogão, a geladeira (20 anos de uso) e o televisor estão em condições precárias. A renda mensal
familiar é proveniente da remuneração recebida pela esposa como cabeleireira, no valor líquido
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
de R$ 500,00, deduzidas as despesas de R$ 650,00, em aluguel do salão, R$ 100,00 em energia
elétrica, R$ 80,00 em água, sem contar a aquisição de produtos para o salão, consoante
declaração escrita. Os gastos mensais totalizam R$ 1.230,18, sendo R$ 700,00 em alimentação,
R$ 171,37 em energia elétrica, R$ 47,62 em água/esgoto e R$ 311,19 em farmácia, conforme
contas apresentadas à assistente social e encartadas no laudo social. Conforme declaração do
requerente, os gastos em farmácia referem-se à aquisição de sonda uretral, quando não
encontrada no posto de saúde, sem contar a manutenção da cadeira de rodas (aproximadamente
R$ 100,00). Recebe auxílio de familiares para quitar as despesas.
V- Como bem asseverou o I. Representante do Parquet Federal a fls. 9 (doc. 35379204 – pág. 5),
"(...)é conclusão lógica que o núcleo familiar atravessa dificuldades financeiras, de tal forma que
possa comprometer a sobrevivência de seus membros. Assim, verifica-se que a hipossuficiência
do autor é inconteste. Concluir o contrário implicaria vilipêndio ao princípio da dignidade da
pessoa humana e ao objetivo fundamental da erradicação da pobreza, outorgados pela
Constituição Federal."
VI- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, deve ser observado o julgamento proferido pelo C.
Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947.
VII- A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera
condignamente o serviço profissional prestado. No que se refere à sua base de cálculo, devem
ser levadas em conta apenas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, nos
termos da Súmula nº 111, do C. STJ.
VIII- Não merece prosperar o pedido formulado pela parte autora de majoração dos honorários
advocatícios recursais (art. 85, §11, do CPC/15), tendo em vista que a apelação da autarquia foi
parcialmente provida, não caracterizando recurso meramente protelatório, sendo que a decisão
proferida pelo C. STF no Recurso Extraordinário nº 870.947 ainda não transitou em julgado.
IX- Apelação do INSS parcialmente conhecida e, nessa parte, parcialmente provida. Recurso
adesivo do autor improvido.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5055341-47.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: RENATO DE CARVALHO TOMAZOLI
Advogado do(a) APELADO: ALVARO AUGUSTO RODRIGUES - SP232951-N
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5055341-47.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: RENATO DE CARVALHO TOMAZOLI
Advogado do(a) APELADO: ALVARO AUGUSTO RODRIGUES - SP232951-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando ao
restabelecimento do benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o
fundamento de ser pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando o INSS a restabelecer o benefício
assistencial à pessoa deficiente ao autor, no valor de um salário mínimo mensal, a partir da
suspensão em 25/11/14. Determinou o pagamento dos valores atrasados, acrescidos de correção
monetária, na forma do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça
Federal, e de acordo com o Enunciado nº 148 da Súmula de jurisprudência consolidada do C.
STJ e o Enunciado nº 8 de jurisprudência dominante deste Tribunal, aplicando-se, ainda, o
disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, nos termos do decidido pelo C. STF nas ADIs nºs 4.357 e
4.425. Quantos aos juros moratórios incidirão de uma única vez e pelo mesmo percentual
aplicado à caderneta de poupança (0,5%), consoante o preconizado na Lei nº 11.960/09, art. 5º,
de forma decrescente, a partir da citação até a data da elaboração da conta de liquidação. Os
honorários advocatícios foram arbitrados em 10% sobre as prestações vencidas até a data da
sentença (Art. 85, § 2º, do CPC/15 e Súmula nº 111 do C. STJ),
Inconformada, apelou a autarquia, sustentando em síntese:
- a ausência de comprovação do requisito da miserabilidade, considerando os móveis e
eletrodomésticos da residência conforme fotos, bem como não proceder ser a renda mensal
familiar somente no valor de R$ 500,00, em razão de o pagamento de R$ 650,00 de aluguel do
salão em que a esposa do requerente trabalha como cabeleireira pressupor renda maior do que o
informado.
- Caso não sejam acolhidas as alegações mencionadas, pleiteia, a aplicação do art. 1º-F da Lei nº
9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09 no tocante à correção monetária e juros
moratórios, e, ainda, o reconhecimento da isenção de custas processuais.
Por sua vez, adesivamente recorreu a parte autora, requerendo:
- a majoração da verba honorária em percentual mínimo de 15% sobre o valor da condenação,
compreendendo as parcelas vencidas no curso do processo até a prolação do v. acórdão (art. 85,
§2º, incisos I a IV, do CPC/15), e, também, levando-se em conta o trabalho adicional em grau de
recurso, a fixação de honorários sucumbenciais recursais, conforme o disposto no § 11 do art. 85,
do mesmo diploma legal.
Com contrarrazões do demandante e do INSS, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal a fls. 5/10 (doc. 35379204 – págs. 1/6), opinando pelo não
provimento do recurso do INSS, abstraída a análise do recurso adesivo do autor, restrito aos
honorários advocatícios.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5055341-47.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: RENATO DE CARVALHO TOMAZOLI
Advogado do(a) APELADO: ALVARO AUGUSTO RODRIGUES - SP232951-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): No que tange à
apelação do INSS, devo ressaltar, inicialmente, que a mesma será parcialmente conhecida, dada
a falta de interesse em recorrer relativamente à isenção de custas processuais, uma vez que não
houve na R. sentença a condenação da autarquia ao seu pagamento. Como ensina o Eminente
Professor Nelson Nery Júnior ao tratar do tema, "O recorrente deve, portanto, pretender alcançar
algum proveito do ponto de vista prático, com a interposição do recurso, sem o que não terá ele
interesse em recorrer" (in Princípios Fundamentais - Teoria Geral dos Recursos, 4.ª edição,
Revista dos Tribunais, p. 262).
Passo, então, ao exame da parte conhecida da apelação, bem como do recurso adesivo da parte
autora.
Dispõe o art. 203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das
atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como
incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover,
por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre
registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para
prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição
Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do
referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, o requisito da deficiência ficou comprovado na perícia judicial realizada em 9/1/17,
consoante o parecer técnico elaborado pelo Perito a fls. 107/114 (doc. 6679853 – págs. 1/8), em
que foi constatada a incapacidade laborativa total e permanente do autor desde a data do
acidente em que foi baleado na coluna vertebral em março/01, em razão de apresentar lesão a
nível cervical e torácico, causando paraplegia em membros inferiores e uso de sonda vesical de
caráter irreversível, com necessidade de uso de cadeira de rodas.
Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em maio/17, data em que
o salário mínimo era de R$ 937,00) demonstra que o autor de 40 anos reside com a esposa
Alessandra Gomes Silva Tomazoli, de 42 anos, e o filho adotivo nascido em 7/6/03 e estudante,
em casa cedida pela genitora, necessitando de reformas, composta por dois quartos, sala,
cozinha e banheiro, e guarnecida por mobiliários e eletrodomésticos usados, sendo que o fogão,
a geladeira (20 anos de uso) e o televisor estão em condições precárias. A renda mensal familiar
é proveniente da remuneração recebida pela esposa como cabeleireira, no valor líquido de R$
500,00, deduzidas as despesas de R$ 650,00 em aluguel do salão, R$ 100,00 em energia
elétrica, R$ 80,00 em água, sem contar a aquisição de produtos para o salão, consoante
declaração escrita. Os gastos mensais totalizam R$ 1.230,18, sendo R$ 700,00 em alimentação,
R$ 171,37 em energia elétrica, R$ 47,62 em água/esgoto e R$ 311,19 em farmácia, conforme
contas apresentadas à assistente social e encartadas no laudo social. Conforme declaração do
requerente, os gastos em farmácia referem-se à aquisição de sonda uretral, quando não
encontrada no posto de saúde, sem contar a manutenção da cadeira de rodas (aproximadamente
R$ 100,00). Recebe auxílio de familiares para quitar as despesas.
Como bem asseverou o I. Representante do Parquet Federal a fls. 9 (doc. 35379204 – pág. 5),
"(...)é conclusão lógica que o núcleo familiar atravessa dificuldades financeiras, de tal forma que
possa comprometer a sobrevivência de seus membros. Assim, verifica-se que a hipossuficiência
do autor é inconteste. Concluir o contrário implicaria vilipêndio ao princípio da dignidade da
pessoa humana e ao objetivo fundamental da erradicação da pobreza, outorgados pela
Constituição Federal."
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da hipossuficiência
encontra-se comprovado.
A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora.
Com relação aos índices de atualização monetária e taxa de juros, deve ser observado o
julgamento proferido pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 870.947.
A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera condignamente
o serviço profissional prestado, nos termos do art. 85 do CPC/15 e precedentes desta Oitava
Turma.
No que se refere à sua base de cálculo, devem ser levadas em conta apenas as parcelas
vencidas até a data da prolação da sentença, nos termos da Súmula nº 111, do C. STJ.
Por fim, não merece prosperar o pedido formulado pela parte autora de majoração dos honorários
advocatícios recursais (art. 85, §11, do CPC/15), tendo em vista que a apelação da autarquia foi
parcialmente provida, não caracterizando recurso meramente protelatório, sendo que a decisão
proferida pelo C. STF no Recurso Extraordinário nº 870.947 ainda não transitou em julgado.
Ante o exposto, não conheço de parte da apelação do INSS, e, na parte conhecida, dou-lhe
parcial provimento somente para determinar a incidência da correção monetária e juros
moratórios na forma acima indicada, e nego provimento ao recurso adesivo do autor.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. FALTA DE INTERESSE EM RECORRER. BENEFÍCIO PREVISTO NO
ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA.
COMPROVADO IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. MISERABILIDADE DEMONSTRADA.
CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. VERBA HONORÁRIA. HONORÁRIOS
SUCUMBENCIAIS RECURSAIS.
I- Ressente-se do pressuposto de admissibilidade a apelação interposta sem que haja algum
proveito prático a ser alcançado, com o que fica afastado o interesse recursal de parte da
apelação do INSS.
II- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
III- A deficiência foi comprovada pela perícia judicial.
IV- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado no presente feito. O estudo social revela que o autor de 40 anos reside com a
esposa Alessandra Gomes Silva Tomazoli, de 42 anos, e o filho adotivo nascido em 7/6/03 e
estudante, em casa cedida pela genitora, necessitando de reformas, composta por dois quartos,
sala, cozinha e banheiro, e guarnecida por mobiliários e eletrodomésticos usados, sendo que o
fogão, a geladeira (20 anos de uso) e o televisor estão em condições precárias. A renda mensal
familiar é proveniente da remuneração recebida pela esposa como cabeleireira, no valor líquido
de R$ 500,00, deduzidas as despesas de R$ 650,00, em aluguel do salão, R$ 100,00 em energia
elétrica, R$ 80,00 em água, sem contar a aquisição de produtos para o salão, consoante
declaração escrita. Os gastos mensais totalizam R$ 1.230,18, sendo R$ 700,00 em alimentação,
R$ 171,37 em energia elétrica, R$ 47,62 em água/esgoto e R$ 311,19 em farmácia, conforme
contas apresentadas à assistente social e encartadas no laudo social. Conforme declaração do
requerente, os gastos em farmácia referem-se à aquisição de sonda uretral, quando não
encontrada no posto de saúde, sem contar a manutenção da cadeira de rodas (aproximadamente
R$ 100,00). Recebe auxílio de familiares para quitar as despesas.
V- Como bem asseverou o I. Representante do Parquet Federal a fls. 9 (doc. 35379204 – pág. 5),
"(...)é conclusão lógica que o núcleo familiar atravessa dificuldades financeiras, de tal forma que
possa comprometer a sobrevivência de seus membros. Assim, verifica-se que a hipossuficiência
do autor é inconteste. Concluir o contrário implicaria vilipêndio ao princípio da dignidade da
pessoa humana e ao objetivo fundamental da erradicação da pobreza, outorgados pela
Constituição Federal."
VI- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, deve ser observado o julgamento proferido pelo C.
Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947.
VII- A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera
condignamente o serviço profissional prestado. No que se refere à sua base de cálculo, devem
ser levadas em conta apenas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, nos
termos da Súmula nº 111, do C. STJ.
VIII- Não merece prosperar o pedido formulado pela parte autora de majoração dos honorários
advocatícios recursais (art. 85, §11, do CPC/15), tendo em vista que a apelação da autarquia foi
parcialmente provida, não caracterizando recurso meramente protelatório, sendo que a decisão
proferida pelo C. STF no Recurso Extraordinário nº 870.947 ainda não transitou em julgado.
IX- Apelação do INSS parcialmente conhecida e, nessa parte, parcialmente provida. Recurso
adesivo do autor improvido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer de parte da apelação do INSS, e, na parte conhecida, dar-lhe
parcial provimento, e negar provimento ao recurso adesivo do autor, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
