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ASSISTÊNCIA SOCIAL. FALTA DE INTERESSE EM RECORRER. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. COMPROV...

Data da publicação: 09/07/2020, 01:34:54

E M E N T A ASSISTÊNCIA SOCIAL. FALTA DE INTERESSE EM RECORRER. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. COMPROVADO IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. MISERABILIDADE DEMONSTRADA. CORREÇÃO MONETÁRIA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. NÃO OCORRÊNCIA. I- Ressente-se do pressuposto de admissibilidade a apelação interposta sem que haja algum proveito prático a ser alcançado, com o que fica afastado o interesse recursal de parte da apelação do INSS. II- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família. III- O requisito da deficiência não foi analisado, vez que reconhecida pelo próprio INSS em seu recurso. IV- No tocante ao requisito da miserabilidade, o estudo social revela que o autor de 32 anos reside com a irmã Fernanda Oliveira Leite, de 31 anos, em casa alugada, bem simples, sem acabamento, construída com blocos e telha brazilit, composta por um dormitório, cozinha e banheiro, com piso de cimento queimado na cozinha e banheiro, e forro de PVC e piso de cerâmica no quarto, guarnecida por mobiliários e eletrodomésticos básicos. A cada 2 meses, recebem uma cesta básica do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social). A renda mensal é proveniente do benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência recebida pela irmã, no valor de um salário mínimo. As despesas mensais totalizam R$ 688,33, sendo R$ 400,00 em aluguel (incluído água e IPTU), R$ 200,00 em alimentação, R$ 65,00 em energia elétrica e R$ 23,33 em gás. V- Como bem asseverou o I. Representante do Parquet Federal a fls. 9/10 (doc. 34810177 – págs. 6/7), "(...)excluído o benefício previdenciário recebido pela irmã da requerente, a renda mensal é igual a zero, notoriamente inferior a ¼ do salário mínimo. Ademais, é necessário ressaltar que é possível verificar a condição de miserabilidade por outros meios. Verifica-se que, conforme documentos juntados pelo Ministério Público de 1º instância (IDs nº 7953965 e 7953966), o requerente e sua irmã são portadores de transtorno mental e vivem em situação de risco em decorrência do abandono familiar. O requerente deixou de frequentar o CAPS (Centro de Apoio Psicosocial) por negligência dos genitores e chegou até residir nas ruas com sua irmã por desentendimentos familiares." Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da hipossuficiência encontra-se comprovado. VI- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices de atualização monetária, deve ser observado o julgamento proferido pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947. VII- Não há que se falar em reconhecimento da prescrição quinquenal, vez que o benefício assistencial foi concedido a partir de 26/8/16, tendo a ação sido ajuizada em 14/5/18. VIII- Apelação do INSS parcialmente conhecida e, nessa parte, parcialmente provida. (TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5068811-48.2018.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA, julgado em 08/05/2019, Intimação via sistema DATA: 10/05/2019)



Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP

5068811-48.2018.4.03.9999

Relator(a)

Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA

Órgão Julgador
8ª Turma

Data do Julgamento
08/05/2019

Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 10/05/2019

Ementa


E M E N T A

ASSISTÊNCIA SOCIAL. FALTA DE INTERESSE EM RECORRER. BENEFÍCIO PREVISTO NO
ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA.
COMPROVADO IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. MISERABILIDADE DEMONSTRADA.
CORREÇÃO MONETÁRIA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. NÃO OCORRÊNCIA.
I- Ressente-se do pressuposto de admissibilidade a apelação interposta sem que haja algum
proveito prático a ser alcançado, com o que fica afastado o interesse recursal de parte da
apelação do INSS.
II- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
III- O requisito da deficiência não foi analisado, vez que reconhecida pelo próprio INSS em seu
recurso.
IV- No tocante ao requisito da miserabilidade, o estudo social revela que o autor de 32 anos
reside com a irmã Fernanda Oliveira Leite, de 31 anos, em casa alugada, bem simples, sem
acabamento, construída com blocos e telha brazilit, composta por um dormitório, cozinha e
banheiro, com piso de cimento queimado na cozinha e banheiro, e forro de PVC e piso de
cerâmica no quarto, guarnecida por mobiliários e eletrodomésticos básicos. A cada 2 meses,
recebem uma cesta básica do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social). A renda
mensal é proveniente do benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência recebida pela
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos

irmã, no valor de um salário mínimo. As despesas mensais totalizam R$ 688,33, sendo R$ 400,00
em aluguel (incluído água e IPTU), R$ 200,00 em alimentação, R$ 65,00 em energia elétrica e R$
23,33 em gás.
V- Como bem asseverou o I. Representante do Parquet Federal a fls. 9/10 (doc. 34810177 –
págs. 6/7), "(...)excluído o benefício previdenciário recebido pela irmã da requerente, a renda
mensal é igual a zero, notoriamente inferior a ¼ do salário mínimo. Ademais, é necessário
ressaltar que é possível verificar a condição de miserabilidade por outros meios. Verifica-se que,
conforme documentos juntados pelo Ministério Público de 1º instância (IDs nº 7953965 e
7953966), o requerente e sua irmã são portadores de transtorno mental e vivem em situação de
risco em decorrência do abandono familiar. O requerente deixou de frequentar o CAPS (Centro
de Apoio Psicosocial) por negligência dos genitores e chegou até residir nas ruas com sua irmã
por desentendimentos familiares." Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos
autos, o requisito da hipossuficiência encontra-se comprovado.
VI- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária, deve ser observado o julgamento proferido pelo C. Supremo Tribunal
Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947.
VII- Não há que se falar em reconhecimento da prescrição quinquenal, vez que o benefício
assistencial foi concedido a partir de 26/8/16, tendo a ação sido ajuizada em 14/5/18.
VIII- Apelação do INSS parcialmente conhecida e, nessa parte, parcialmente provida.


Acórdao



APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5068811-48.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS


APELADO: LUIS GONZAGA OLIVEIRA LEITE

CURADOR: WILMA APARECIDA SANTOS RODRIGUES

Advogado do(a) APELADO: LUCIANA TOSCANO SARTORI - SP149790-N,






APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5068811-48.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUIS GONZAGA OLIVEIRA LEITE
CURADOR: WILMA APARECIDA SANTOS RODRIGUES

Advogado do(a) APELADO: LUCIANA TOSCANO SARTORI - SP149790-N,
OUTROS PARTICIPANTES:



R E L A T Ó R I O

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando ao
restabelecimento do benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o
fundamento de ser pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando o INSS a pagar o benefício assistencial
ao autor, no valor de um salário mínimo mensal, retroativamente à data do requerimento
administrativo, em 26/8/16 (fls. 124 – doc. 7953779 – pág. 2). Determinou o pagamento dos
valores atrasados, de uma só vez, acrescidos de correção monetária, desde os respectivos
vencimentos até seu efetivo pagamento, pelo IPCA-E, conforme tese de percussão geral firmado
pelo C. STF no julgamento do RE nº 870.947, em 20/9/17, e juros moratórios contados a partir da
citação na forma do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. Condenou o réu ao pagamento de honorários
advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor total da condenação até a data da sentença
(Súmula nº 111 do C. STJ), devidamente corrigidas até o efetivo pagamento, e também eventuais
despesas processuais, em devolução, devidamente corrigidas desde o desembolso. Sem custas.
Embargos de declaração opostos pela parte autora foram providos para acrescer ao dispositivo
da sentença embargada, mais um parágrafo, de teor seguinte, in verbis: "Deixo, todavia, de
conceder a antecipação da tutela, pois há risco de dano irreversível ao erário na hipótese de
modificação do julgado em segundo grau de jurisdição. Intimem-se. Atibaia, 16 de outubro de
2018" (fls. 31 – doc. 7953975 – pág. 1).
Inconformada, apelou a autarquia, sustentando em síntese:
- não obstante tenha sido comprovado o impedimento de longo prazo, não houve o
preenchimento do requisito da hipossuficiência, vez que o núcleo familiar é composto pelo autor e
sua irmã, ambos solteiros, sendo que a renda mensal é proveniente do amparo assistencial ao
deficiente recebido pela irmã, e as despesas mensais não superam os rendimentos.
- Caso não seja acolhida a alegação mencionada, pleiteia, a aplicação do art. 1º-F da Lei nº
9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09 no tocante à correção monetária e juros
moratórios, bem como o reconhecimento da prescrição quinquenal.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal a fls. 4/10 (doc. 34810177 – págs. 1/7), opinando pelo não
provimento do recurso do INSS, e consequente manutenção da R. sentença.
É o breve relatório.







APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5068811-48.2018.4.03.9999

RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUIS GONZAGA OLIVEIRA LEITE
CURADOR: WILMA APARECIDA SANTOS RODRIGUES
Advogado do(a) APELADO: LUCIANA TOSCANO SARTORI - SP149790-N,
OUTROS PARTICIPANTES:



V O T O


O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): No que tange à
apelação do INSS, devo ressaltar, inicialmente, que a mesma será parcialmente conhecida, dada
a falta de interesse em recorrer relativamente à aplicação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a
redação dada pela Lei nº 11.960/09, no tocante aos juros moratórios, uma vez que a R. sentença
foi proferida nos exatos termos de seu inconformismo. Como ensina o Eminente Professor Nelson
Nery Júnior ao tratar do tema, "O recorrente deve, portanto, pretender alcançar algum proveito do
ponto de vista prático, com a interposição do recurso, sem o que não terá ele interesse em
recorrer" (in Princípios Fundamentais - Teoria Geral dos Recursos, 4.ª edição, Revista dos
Tribunais, p. 262).
Passo, então, ao exame da parte conhecida do recurso.
Dispõe o art. 203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:

"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)

Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das

atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como
incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover,
por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre
registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para
prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição
Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do
referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:

"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro

a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)

Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:

"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.

131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)

Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:

"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)

Passo à análise do caso concreto.
In casu, deixo de analisar o requisito da deficiência, vez que reconhecida pelo próprio INSS em
seu recurso.
Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 21/6/18, data em que o

salário mínimo era de R$ 954,00) demonstra que o autor de 32 anos reside com a irmã Fernanda
Oliveira Leite, de 31 anos, em casa alugada, bem simples, sem acabamento, construída com
blocos e telha brazilit, composta por um dormitório, cozinha e banheiro, com piso de cimento
queimado na cozinha e banheiro, e forro de PVC e piso de cerâmica no quarto, guarnecida por
mobiliários e eletrodomésticos básicos. A cada 2 meses, recebem uma cesta básica do CRAS
(Centro de Referência de Assistência Social). A renda mensal é proveniente do benefício
assistencial à pessoa portadora de deficiência recebida pela irmã, no valor de um salário mínimo.
As despesas mensais totalizam R$ 688,33, sendo R$ 400,00 em aluguel (incluído água e IPTU),
R$ 200,00 em alimentação, R$ 65,00 em energia elétrica e R$ 23,33 em gás. O requerente
morava com a genitora, porém, quando esta veio a falecer em 17/12/13, foi morar com o pai,
momento em que foi cancelado o benefício assistencial que recebia. O genitor veio a óbito em
12/1/16. Após desentendimentos com a madrasta, os irmãos acabaram indo viver nas ruas,
dormindo em porta de igreja e recebendo alimentação dos vizinhos. Segundo relato da Sra.
Wilma Aparecida Santos Rodrigues à assistente social, esta ficou sensibilizada com a situação
dos mesmos, e foi procurar auxílio assistencial, tendo sido nomeada Curadora Definitiva do
demandante.
Por fim, há que se registrar quão restrita é a vida dos dois irmãos deficientes, pois não há notícia,
no estudo socioeconômico, de sua participação em atividades recreativas, de lazer ou
laborterapia, em estabelecimentos especializados, de forma a garantir um mínimo de dignidade
aos mesmos e interação com a sociedade, ou outros cidadãos em igualdade de condições.
Como bem asseverou o I. Representante do Parquet Federal a fls. 9/10 (doc. 34810177 – págs.
6/7), "(...)excluído o benefício previdenciário recebido pela irmã da requerente, a renda mensal é
igual a zero, notoriamente inferior a ¼ do salário mínimo. Ademais, é necessário ressaltar que é
possível verificar a condição de miserabilidade por outros meios. Verifica-se que, conforme
documentos juntados pelo Ministério Público de 1º instância (IDs nº 7953965 e 7953966), o
requerente e sua irmã são portadores de transtorno mental e vivem em situação de risco em
decorrência do abandono familiar. O requerente deixou de frequentar o CAPS (Centro de Apoio
Psicosocial) por negligência dos genitores e chegou até residir nas ruas com sua irmã por
desentendimentos familiares."
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da hipossuficiência
encontra-se comprovado.
A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora.
Com relação aos índices de atualização monetária, deve ser observado o julgamento proferido
pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947.
Por fim, não há que se falar em reconhecimento da prescrição quinquenal, vez que o benefício
assistencial foi concedido a partir de 26/8/16, tendo a ação sido ajuizada em 14/5/18.
Ante o exposto, não conheço de parte da apelação do INSS, e, na parte conhecida, dou-lhe
parcial provimento somente para determinar a incidência da correção monetária na forma acima
indicada.
É o meu voto.

E M E N T A

ASSISTÊNCIA SOCIAL. FALTA DE INTERESSE EM RECORRER. BENEFÍCIO PREVISTO NO
ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA.
COMPROVADO IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. MISERABILIDADE DEMONSTRADA.
CORREÇÃO MONETÁRIA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. NÃO OCORRÊNCIA.

I- Ressente-se do pressuposto de admissibilidade a apelação interposta sem que haja algum
proveito prático a ser alcançado, com o que fica afastado o interesse recursal de parte da
apelação do INSS.
II- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
III- O requisito da deficiência não foi analisado, vez que reconhecida pelo próprio INSS em seu
recurso.
IV- No tocante ao requisito da miserabilidade, o estudo social revela que o autor de 32 anos
reside com a irmã Fernanda Oliveira Leite, de 31 anos, em casa alugada, bem simples, sem
acabamento, construída com blocos e telha brazilit, composta por um dormitório, cozinha e
banheiro, com piso de cimento queimado na cozinha e banheiro, e forro de PVC e piso de
cerâmica no quarto, guarnecida por mobiliários e eletrodomésticos básicos. A cada 2 meses,
recebem uma cesta básica do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social). A renda
mensal é proveniente do benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência recebida pela
irmã, no valor de um salário mínimo. As despesas mensais totalizam R$ 688,33, sendo R$ 400,00
em aluguel (incluído água e IPTU), R$ 200,00 em alimentação, R$ 65,00 em energia elétrica e R$
23,33 em gás.
V- Como bem asseverou o I. Representante do Parquet Federal a fls. 9/10 (doc. 34810177 –
págs. 6/7), "(...)excluído o benefício previdenciário recebido pela irmã da requerente, a renda
mensal é igual a zero, notoriamente inferior a ¼ do salário mínimo. Ademais, é necessário
ressaltar que é possível verificar a condição de miserabilidade por outros meios. Verifica-se que,
conforme documentos juntados pelo Ministério Público de 1º instância (IDs nº 7953965 e
7953966), o requerente e sua irmã são portadores de transtorno mental e vivem em situação de
risco em decorrência do abandono familiar. O requerente deixou de frequentar o CAPS (Centro
de Apoio Psicosocial) por negligência dos genitores e chegou até residir nas ruas com sua irmã
por desentendimentos familiares." Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos
autos, o requisito da hipossuficiência encontra-se comprovado.
VI- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária, deve ser observado o julgamento proferido pelo C. Supremo Tribunal
Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947.
VII- Não há que se falar em reconhecimento da prescrição quinquenal, vez que o benefício
assistencial foi concedido a partir de 26/8/16, tendo a ação sido ajuizada em 14/5/18.
VIII- Apelação do INSS parcialmente conhecida e, nessa parte, parcialmente provida.

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer de parte da apelação do INSS, e, na parte conhecida, dar-lhe
parcial provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.


Resumo Estruturado

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