Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5006155-55.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
22/04/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 26/04/2019
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. FALTA DE INTERESSE EM RECORRER. BENEFÍCIO PREVISTO NO
ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA.
IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO E MISERABILIDADE COMPROVADOS. PREENCHIMENTO
DOS REQUISITOS LEGAIS. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS.
I- Ressente-se do pressuposto de admissibilidade a apelação interposta sem que haja algum
proveito prático a ser alcançado, com o que fica afastado o interesse recursal de parte do recurso
do INSS.
II- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
III- Na perícia judicial, ficou comprovada a deficiência, em razão de a demandante apresentar
sequela de fratura da perna direita, devido a acidente de trânsito ocorrido em 23/8/15.
IV- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado no presente feito. A autora de 19 anos reside com seu companheiro de 22 anos
em casa alugada, construída em alvenaria, composta por cinco cômodos, sendo dois quartos,
sala, cozinha e banheiro, de piso cerâmico, sem forro e sem pintura, e guarnecida por móveis e
eletrodomésticos de primeira necessidade. Sua sogra, além de auxiliá-la nos afazeres
domésticos, se responsabiliza pelo filho mais velho do casal, de 4 anos, acompanhando-o em
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
todas as atividades, bem como em relação a sua manutenção. A renda mensal familiar é
proveniente das diárias recebidas pelo marido como ajudante de servente de pedreiro,
perfazendo um total de R$ 250,00 a R$ 400,00 mensais. Os gastos mensais totalizam R$ 515,00
mensais, sendo R$ 200,00 em alimentação, R$ 90,00 em água/esgoto, R$ 75,00 em energia
elétrica e R$ 150,00 em medicamentos para amenizar dores e reverter o quadro de infecção em
sua perna, não disponível na rede pública de saúde. Não recebem benefícios de transferência de
renda.
V- O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo,
conforme jurisprudência pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator
Ministro Humberto Martins, v.u., j. 10/9/13, DJe 18/9/13).
VI- Com relação aos índices de atualização monetária, deve ser observado o julgamento proferido
pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947.
VII- A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera
condignamente o serviço profissional prestado. No que se refere à sua base de cálculo, devem
ser levadas em conta apenas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, nos
termos da Súmula nº 111, do C. STJ.
VIII- Apelação do INSS não conhecida parcialmente. Na parte conhecida, provida em parte.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006155-55.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: CRISTIANE MENDES DE AZEVEDO
PROCURADOR: ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006155-55.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: CRISTIANE MENDES DE AZEVEDO
PROCURADOR: ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à concessão do
benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser
pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família. Pleiteia que o termo inicial seja fixado na data do requerimento
administrativo formulado em 7/10/16, bem como a concessão da tutela de urgência.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita, e a tutela de
urgência.
O Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando o INSS a conceder o benefício
assistencial à pessoa portadora de deficiência à autora, no valor de um salário mínimo mensal, a
partir da data do requerimento administrativo (7/10/16 - fls. 41 – doc. 9986170 – pág. 31).
Determinou o pagamento dos valores atrasados, de uma só vez, acrescidos de correção
monetária a partir da data em que deveriam ter sido pagas, pelo IPCA, e juros moratórios na
forma do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, havendo a incidência, uma única vez, até o efetivo
pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de
poupança. Os honorários advocatícios foram arbitrados em 10% sobre o valor das prestações
vencidas até a data da sentença (art. 85 do CPC/15). Com relação às custas, "vale mencionar
que "o entendimento consolidado na Súmula nº 178 do Superior Tribunal de Justiça, no sentido
de que 'O INSS não goza de isenção do pagamento de custas e emolumentos, nas ações
acidentárias e de benefícios propostas na Justiça Estadual' não tem aplicação no âmbito da
Terceira Região, tendo em vista a isenção previstas nas leis nºs 4.952/85 e 11.608/83, do Estado
de São Paulo, e nºs 1.135/91, 1.936/98 e 2.185/2000, do Estado do Mato Grosso do Sul" (TRF da
3ª Região, Apelação Cível 397406, Turma Suplementar da Terceira Seção, Relator Juiz
Convocado Alexandre Sormani. J. 17.6.2008). Ademais, em se tratando de parte autora
beneficiária da assistência judiciária gratuita, não há despesas a serem reembolsadas pelo
sucumbente e, também por este motivo, está isento o INSS dessa condenação." (fls. 141 – doc.
9986170 – pág. 131). Reafirmou a antecipação dos efeitos da tutela.
Inconformada, apelou a autarquia, sustentando em síntese:
- a impossibilidade de a família da autora ser considerada "em situação de vulnerabilidade
financeira" e
- a subsidiariedade da assistência social pública, somente sendo acionada nas situações em que
a assistência familiar e particular não se mostra operantes.
Caso não sejam acolhidas as alegações mencionadas, pleiteia a alteração do termo inicial do
benefício para a data da juntada do laudo pericial aos autos; a fixação dos honorários de
sucumbência em no máximo 5% sobre o valor da causa; a incidência da TR como índice de
correção monetária até a data da requisição do precatório e, entre esta data e o efetivo
pagamento, a aplicação do IPCA-E ou SELIC, observados os cortes de modulação definidos pelo
C. STF, bem como a exclusão da condenação ao pagamento de custas processuais.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal a fls. 2/7 (doc. 26996783 – págs. 1/6), opinando pelo não
provimento do recurso do INSS, mantendo-se a R. sentença, por seus próprios fundamentos.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006155-55.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: CRISTIANE MENDES DE AZEVEDO
PROCURADOR: ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): No que tange à
apelação do INSS, devo ressaltar, inicialmente, que a mesma será parcialmente conhecida, dada
a falta de interesse em recorrer relativamente à exclusão do pagamento de custas processuais,
tendo em vista que não houve condenação nesse sentido na R. sentença. Como ensina o
Eminente Professor Nelson Nery Júnior ao tratar do tema, "O recorrente deve, portanto, pretender
alcançar algum proveito do ponto de vista prático, com a interposição do recurso, sem o que não
terá ele interesse em recorrer" (in Princípios Fundamentais - Teoria Geral dos Recursos, 4.ª
edição, Revista dos Tribunais, p. 262).
Passo ao exame da parte conhecida do recurso.
Dispõe o art. 203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das
atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como
incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover,
por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre
registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para
prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição
Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do
referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, para a constatação da alegada deficiência, foi realizada perícia judicial em 20/9/17. No
parecer técnico elaborado a fls. 107/111 (doc. 9986170 – págs. 97/101), afirmou o esculápio
encarregado do exame que a autora, de 20 anos, casada, ensino fundamental incompleto,
diarista (informal) por um ano e desempregada há dois anos, "foi vítima de acidente de trânsito
em 23/8/15, apresentando fratura de tíbia e fíbula direitas (terço médio), evoluindo com
osteomielite e pseudoartrose, com impotência funcional do membro inferior ipsilateral" (fls.
110/111 – doc. 9986170 – págs. 100/101). Em resposta aos quesitos do Juízo, esclareceu que tal
sequela implica "impedimento de longo prazo e incapacidade total e indefinida para o trabalho em
geral e para algumas atividades de vida diária". Ademais, enfatizou o expert que "A sequela
suportada pela periciada é permanente, ainda que não imutável, visto que há indicação de
tratamento cirúrgico para estabilização e fixação da fratura. Há possibilidade de melhora com
nova abordagem. Tem-se a falsa ideia de que uma vez estabelecido o grau de sequela, ele não
muda. A lesão é verdadeira, não se retira. Não são só os movimentos, existe a dificuldade de
como vai completar os movimentos, lesões de nervo, irrigação do tendão, dentre outras. Não se
pode garantir que com um novo procedimento cirúrgico os movimentos do membro inferior direito
serão restabelecidos à normalidade. Quanto mais tardio for o reparo, pior o prognóstico.
Certamente, pelo prognóstico reservado, entendemos que haverá sequelas futuras. Necessária
reavaliação pericial em tempo oportuno (dois anos) para determinar se será possível a
recuperação, ao menos parcial, para que volte a exercer sua habitual profissão, ou se haverá
necessidade de reabilitação profissional" (fls. 109 – doc. 9986170 – pág. 99). Estabeleceu o início
da incapacidade na data do acidente. Considerando que a incapacidade perdura por mais de dois
anos, encontra-se comprovado o impedimento de longo prazo para a vida independente e para o
trabalho.
Com relação à miserabilidade, o estudo social (elaborado em 28/3/17, data em que o salário
mínimo era de R$ 937,00), demonstra que a autora reside com o companheiro Everson Vieira de
Souza, de 22 anos, em casa alugada, construída em alvenaria, composta por cinco cômodos,
sendo dois quartos, sala, cozinha e banheiro, de piso cerâmico, sem forro e sem pintura. O imóvel
é guarnecido por móveis e eletrodomésticos de primeira necessidade, todos em bom estado de
conservação. Segundo relatado à assistente social, a demandante "depende da ajuda de amigos
e da rede sócioassitencial para se deslocar o que é realizado frequentemente pelas equipes do
CRAS e CREAS que atuam no bairro. Principalmente dando total atenção no que se refere aos
benefícios e programas assistenciais, onde narra que já recebeu várias cestas básicas e neste
momento está dependendo do auxílio aluguel que está sendo pago pela prefeitura municipal pelo
período de oito meses com término em outubro do corrente ano, totalizando oito meses de
benefício" (fls. 50 - doc. 9986170 – pág. 40). Os clínicos gerais do município lhe prestam
atendimento domiciliar, já que não consegue se deslocar em razão da mobilidade reduzida. A
genitora e irmãos residem no Paraguai, não recebendo visitas. O genitor ajuda como pode,
também realizando serviços como diarista. Sua sogra, além de auxiliá-la nos afazeres
domésticos, se responsabiliza pelo filho mais velho do casal, de 4 anos, acompanhando-o em
todas as atividades, bem como em relação a sua manutenção. A renda mensal familiar é
proveniente das diárias recebidas pelo marido como ajudante de servente de pedreiro,
perfazendo um total de R$ 250,00 a R$ 400,00 mensais. Os gastos mensais totalizam R$ 515,00
mensais, sendo R$ 200,00 em alimentação, R$ 90,00 em água/esgoto, R$ 75,00 em energia
elétrica e R$ 150,00 em medicamentos para amenizar dores e reverter o quadro de infecção em
sua perna, não disponível na rede pública de saúde. Não recebem benefícios de transferência de
renda.
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade
encontra-se demonstrado no presente feito.
Como bem asseverou o I. Representante do Parquet Federal a fls. 5 (doc. 26996783 – pág. 4),
"De fato, o relatório social demonstra que a autora encontra-se em situação de miserabilidade e
vulnerabilidade social. Assim, sem dúvida, a parte autora possui impedimentos, os quais, em
interação com diversas barreiras, obstruem sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas. Dessa forma, presentes os requisitos de caráter
objetivo e subjetivo, a autora faz jus ao recebimento do benefício assistencial de prestação
continuada."
Cumpre salientar que o amparo social deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa
disposição legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
Ressalto, ainda, ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada com
qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica,
nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de execução do
julgado os pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.
Conforme documento de fls. 41 (doc. 9986170 – pág. 31), a parte autora formulou pedido de
amparo social à pessoa portadora de deficiência em 7/10/16, motivo pelo qual o termo inicial de
concessão do benefício deve ser mantido na data do pedido na esfera administrativa, conforme
jurisprudência pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro
Humberto Martins, v.u., j. 10/9/13, DJe 18/9/13).
A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora.
Com relação aos índices de atualização monetária, deve ser observado o julgamento proferido
pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947.
A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera condignamente
o serviço profissional prestado, nos termos do art. 85 do CPC/15 e precedentes desta Oitava
Turma.
No que se refere à sua base de cálculo, devem ser levadas em conta apenas as parcelas
vencidas até a data da prolação da sentença, nos termos da Súmula nº 111, do C. STJ.
Ante o exposto, não conheço de parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, dou-lhe
parcial provimento para determinar a incidência da correção monetária na forma acima
explicitada.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. FALTA DE INTERESSE EM RECORRER. BENEFÍCIO PREVISTO NO
ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA.
IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO E MISERABILIDADE COMPROVADOS. PREENCHIMENTO
DOS REQUISITOS LEGAIS. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS.
I- Ressente-se do pressuposto de admissibilidade a apelação interposta sem que haja algum
proveito prático a ser alcançado, com o que fica afastado o interesse recursal de parte do recurso
do INSS.
II- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
III- Na perícia judicial, ficou comprovada a deficiência, em razão de a demandante apresentar
sequela de fratura da perna direita, devido a acidente de trânsito ocorrido em 23/8/15.
IV- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado no presente feito. A autora de 19 anos reside com seu companheiro de 22 anos
em casa alugada, construída em alvenaria, composta por cinco cômodos, sendo dois quartos,
sala, cozinha e banheiro, de piso cerâmico, sem forro e sem pintura, e guarnecida por móveis e
eletrodomésticos de primeira necessidade. Sua sogra, além de auxiliá-la nos afazeres
domésticos, se responsabiliza pelo filho mais velho do casal, de 4 anos, acompanhando-o em
todas as atividades, bem como em relação a sua manutenção. A renda mensal familiar é
proveniente das diárias recebidas pelo marido como ajudante de servente de pedreiro,
perfazendo um total de R$ 250,00 a R$ 400,00 mensais. Os gastos mensais totalizam R$ 515,00
mensais, sendo R$ 200,00 em alimentação, R$ 90,00 em água/esgoto, R$ 75,00 em energia
elétrica e R$ 150,00 em medicamentos para amenizar dores e reverter o quadro de infecção em
sua perna, não disponível na rede pública de saúde. Não recebem benefícios de transferência de
renda.
V- O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo,
conforme jurisprudência pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator
Ministro Humberto Martins, v.u., j. 10/9/13, DJe 18/9/13).
VI- Com relação aos índices de atualização monetária, deve ser observado o julgamento proferido
pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947.
VII- A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera
condignamente o serviço profissional prestado. No que se refere à sua base de cálculo, devem
ser levadas em conta apenas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, nos
termos da Súmula nº 111, do C. STJ.
VIII- Apelação do INSS não conhecida parcialmente. Na parte conhecida, provida em parte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer de parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, dar-lhe
parcial provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
