Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5154005-45.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
22/07/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 24/07/2020
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. RECURSO RECEBIDO NO DUPLO EFEITO. NÃO CABIMENTO.
BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA IDOSA.
MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. CORREÇÃO MONETÁRIA.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- In casu, despicienda qualquer discussão quanto ao atendimento do requisito etário porquanto
os documentos acostados aos autos comprovam inequivocamente a idade avançada da parte
autora (69 anos) à época do ajuizamento da ação.
III- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado no presente feito. Observa-se que o estudo social (elaborado em 8/7/19, data em
que o salário mínimo era de R$ 954,00), demonstra que a autora reside com seu marido, nascido
em 7/9/46, aposentado, em casa própria, composta por “05 cômodos e 02 banheiros, sendo um
interno e outro externo, de alvenaria, assoalho de madeira nos quartos e sala e dos demais com
piso cerâmico, forro de gesso em todos os cômodos, sobreposto ao de madeira existente
anteriormente. (...) Os móveis que guarnecem a residência são simples e de padrão popular, em
boas condições de conservação” (ID 123529526 - Pág. 3). A renda mensal familiar é proveniente
da aposentadoria percebida pelo marido da autora, no valor de um salário mínimo, bem como de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
alguns “bicos” como pedreiro que o cônjuge da demandante realiza. As despesas mensais são:
R$ 41,00 em água, R$ 81,14 em energia elétrica, R$ 70,00 em gás de cozinha, R$ 500,00 em
alimentação, R$ 200,00 em medicamentos, R$ 89,00 em plano funerário (a cada três meses), R$
48,69 em IPTU (10 parcelas), R$ 100,00 em dois aparelhos de telefone móvel e R$ 18,00 em
conta claro/TV. Consta do estudo social que a autora tem “problemas de saúde como hipertensão
arterial, varizes em ambas as pernas e complicações na coluna (desgaste e hérnia de disco)” e
que o “casal possui cinco filhos, todos casados e residentes neste município, os quais, segundo
eles, auxiliam dentro das possibilidades de cada um. (...) Informaram não possuir demais bens
imóveis, automóveis e outras fontes de rendimentos” (ID 123529526 - Pág. 4).
IV- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária, devem ser observados os posicionamentos firmados na Repercussão
Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº
1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos a benefício
assistencial e o INPC nos feitos previdenciários.
V- Apelação improvida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5154005-45.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIA DO AMARAL VIEIRA
Advogado do(a) APELADO: KATIA CRISTINA DE MOURA - SP128157-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5154005-45.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIA DO AMARAL VIEIRA
Advogado do(a) APELADO: KATIA CRISTINA DE MOURA - SP128157-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social visando à concessão do
benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser
pessoa idosa (69 anos à época do ajuizamento da ação) e não possuir meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família. Requer a concessão do benefício a partir do
requerimento administrativo.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo julgou procedente o pedido, concedendo o benefício requerido a partir da data do
requerimento administrativo (31/1/18), devendo as parcelas vencidas ser acrescidas de correção
monetária pelo INPC e juros de mora nos termos da Lei n° 11.960/09. Os honorários advocatícios
foram arbitrados em 10% sobre o valor da condenação até a sentença. Concedeu a tutela
antecipada.
Inconformada, apelou a autarquia, alegando em síntese:
- o não preenchimento do requisito da hipossuficiência, devendo ser julgado improcedente o
pedido.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal, opinando pelo não provimento da apelação.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5154005-45.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIA DO AMARAL VIEIRA
Advogado do(a) APELADO: KATIA CRISTINA DE MOURA - SP128157-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Dispõe o art.
203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, despicienda qualquer discussão quanto ao atendimento do requisito etário porquanto os
documentos acostados aos autos comprovam inequivocamente a idade avançada da parte autora
(69 anos) à época do ajuizamento da ação.
Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 8/7/19, data em que o
salário mínimo era de R$ 954,00), demonstra que a autora reside com seu marido, nascido em
7/9/46, aposentado, em casa própria, composta por “05 cômodos e 02 banheiros, sendo um
interno e outro externo, de alvenaria, assoalho de madeira nos quartos e sala e dos demais com
piso cerâmico, forro de gesso em todos os cômodos, sobreposto ao de madeira existente
anteriormente. (...) Os móveis que guarnecem a residência são simples e de padrão popular, em
boas condições de conservação” (ID 123529526 - Pág. 3). A renda mensal familiar é proveniente
da aposentadoria percebida pelo marido da autora, no valor de um salário mínimo, bem como de
alguns “bicos” como pedreiro que o cônjuge da demandante realiza. As despesas mensais são:
R$ 41,00 em água, R$ 81,14 em energia elétrica, R$ 70,00 em gás de cozinha, R$ 500,00 em
alimentação, R$ 200,00 em medicamentos, R$ 89,00 em plano funerário (a cada três meses), R$
48,69 em IPTU (10 parcelas), R$ 100,00 em dois aparelhos de telefone móvel e R$ 18,00 em
conta claro/TV. Consta do estudo social que a autora tem “problemas de saúde como hipertensão
arterial, varizes em ambas as pernas e complicações na coluna (desgaste e hérnia de disco)” e
que o “casal possui cinco filhos, todos casados e residentes neste município, os quais, segundo
eles, auxiliam dentro das possibilidades de cada um. (...) Informaram não possuir demais bens
imóveis, automóveis e outras fontes de rendimentos” (ID 123529526 - Pág. 4).
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, observo que o requisito da
miserabilidade encontra-se demonstrado no presente feito.
Cumpre ressaltar que o benefício deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa
disposição legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
Ressalto, ainda, ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada com
qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica,
nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de execução do
julgado os pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.
A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora.
Com relação aos índices de atualização monetária, devem ser observados os posicionamentos
firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso
Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos
relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. Quadra ressaltar haver
constado expressamente do voto do Recurso Repetitivo que “a adoção do INPC não configura
afronta ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral (RE
870.947/SE). Isso porque, naquela ocasião, determinou-se a aplicação do IPCA-E para fins de
correção monetária de benefício de prestação continuada (BPC), o qual se trata de benefício de
natureza assistencial, previsto na Lei 8.742/93. Assim, é imperioso concluir que o INPC, previsto
no art. 41-A da Lei 8.213/91, abrange apenas a correção monetária dos benefícios de natureza
previdenciária.” Outrossim, como bem observou o E. Desembargador Federal João Batista Pinto
Silveira: “Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os
créditos dos segurados, que os índices em referência – INPC e IPCA-E tiveram variação muito
próxima no período de julho de 2009 (data em que começou a vigorar a TR) e até setembro de
2019, quando julgados os embargos de declaração no RE 870947 pelo STF (IPCA-E: 76,77%;
INPC 75,11), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas
não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.” (TRF-4ª Região, AI nº
5035720-27.2019.4.04.0000/PR, 6ª Turma, v.u., j. 16/10/19).
Ante o exposto, nego provimento à apelação, devendo a correção monetária incidir na forma
acima indicada.
É o meu voto.
A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA. Com a devida licença do Excelentíssimo
Senhor Relator, peço vênia para divergir no presente caso.
O benefício de prestação continuada é “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”, conforme disposto no art. 203, inciso V,
da Constituição Federal, e regulamentado pelos arts. 20 a 21-A, da Lei n.º 8.742/1993.
A legislação exige a presença cumulativa de dois requisitos para a concessão do benefício.
Primeiro, o requerente deve, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos (art. 20,
caput, da Lei n.º 8.742/1993) ou ser deficiente, isto é, deter “impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras,
pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas (art. 20, § 2.º).
Segundo, o beneficiário deve comprovar situação de miserabilidade, caracterizada pela
inexistência de condições econômicas para prover o próprio sustento ou tê-lo provido por alguém
da família, consoante art. 20, § 3.º. da Lei n.º 8.742/1993 – dispositivo objeto de declaração
parcial de inconstitucionalidade, pela qual firmou o Supremo Tribunal Federal que “sob o ângulo
da regra geral, deve prevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º, da Lei nº
8.742/93”, mas “Ante razões excepcionais devidamente comprovadas, é dado ao intérprete do
Direito constatar que a aplicação da lei à situação concreta conduz à inconstitucionalidade,
presente o parâmetro material da Carta da República, qual seja, a miserabilidade, assim
frustrando os princípios observáveis – solidariedade, dignidade, erradicação da pobreza,
assistência aos desemparados” sendo que “Em tais casos, pode o Juízo superar a norma legal
sem declará-la inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames constitucionais” (STF,
Plenário, RE n.º 567.985, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, 2.10.2013).
A condição de idosa da requerente restou comprovada pela juntada de documento de identidade
sob Id. 123529500.
Quanto ao requisito da miserabilidade, de acordo com o estudo social de Id. 123529526, a parte
autora reside em imóvel próprio, “composto por 05 cômodos e 02 banheiros, sendo um interno e
outro externo, de alvenaria, assoalho de madeira nos quartos e sala e os demais com piso
cerâmico, forro de gesso em todos os cômodos, sobreposto ao de madeira”, e “localizado em
área urbana, contando com a seguinte infraestrutura: água encanada, rede de esgoto, energia
elétrica, rua pavimentada, em bom estado de conservação e higiene”.
Ademais, os “móveis que guarnecem a residência são simples e de padrão popular, em boas
condições de conservação”.
As despesas do núcleo familiar, segundo relatado, dizem respeito a água (R$ 41,00), energia
elétrica (R$ 81,14), gás (R$ 70,00), alimentação (R$ 500,00), medicamentos (R$ 200,00), plano
funerário (R$ 89,00, a cada três meses), IPTU (R$ 48,69, em dez meses), telefonia móvel (R$
100,00) e Claro TV (R$ 18,00).
Quanto à renda familiar, consta dos autos que a parte autora reside com seu marido, Antônio
Gomes Vieira, que percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo e “realiza uns ‘bicos’ de
pedreiro a fim de complementar a renda familiar”.
Ademais, o casal “possui cinco filhos, todos casados e residentes neste município, os quais,
segundo eles, auxiliam dentro das possibilidades de cada um”.
Cabe considerar, a esse respeito, que os valores percebidos pelo marido da parte autora, no mais
das vezes, devem ser desconsiderados para o cômputo da renda familiar até o limite de um
salário mínimo, uma vez que, tratando-se de benefício previdenciário, incide a aplicação
analógica do art. 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.741/2003, nos termos fixados pelo Supremo
Tribunal Federal no RE n.º 580.963 (STF, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14.11.2013), depois
objeto de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos recursos repetitivos,
no REsp n.º 1.355.052/SP (STJ, Primeira Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 5.11.2015).
Nada obstante, e parafraseando o entendimento consignado pela Excelentíssima Senhora
Desembargadora Federal Daldice Santana no âmbito da Apelação Cível de registro n.º 6078022-
57.2019.4.03.9999, trazida a julgamento em 18/3/2020, “a despeito do teor do RE n. 580.963
(STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013 – repercussão geral), não
há que se falar em hipossuficiência no caso”.
Ademais, “se o critério da baixa renda não é ‘taxativo’, pode ser levado em conta tanto para a
concessão quanto para o indeferimento do pleito”.
Por isso que “a regra contida no § 3º do artigo 20 da LOAS não pode ser reduzida ao critério
matemático, cabendo a aferição individual da situação socioeconômica”.
Veja-se, quanto ao mais, do voto proferido por Sua Excelência no feito acima mencionado:
“(...) diante do entendimento consagrado por ocasião do julgamento do RE n. 580963, abriu-se a
possibilidade de exclusão, do cálculo da renda familiar, dos benefícios assistenciais recebidos por
idosos e por deficientes e também dos benefícios previdenciários concedidos ao idoso, no valor
de até um salário mínimo.
A decisão concluiu, ainda, que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode
resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos nos quais, embora o limite legal de
rendaper capitaseja ultrapassado, evidencia-se um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não apenas das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da
Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas
assistenciais destinados a famílias carentes, considera pobres aqueles que possuem renda
mensalper capitade até meio salário mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/1997,
regulamentada pelos Decretos n. 2.609/1998 e 2.728/1999, as Portarias n. 458 e 879, de
03/12/2001, da Secretaria da Assistência Social, o Decreto n. 4.102/2002, a Lei n. 10.689/2003,
criadora do Programa Nacional de Acesso à Alimentação).
Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993 como
absoluto e único para aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado
Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Deve-se verificar, na questãoin concreto, a ocorrência de situação de pobreza – entendida como
a falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial –, para se concluir se é devida ou não a
prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Assim, ao menos desde 14/11/2013 (RE n. 580963), o critério da miserabilidade contido no § 3º
do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de
identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem
presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com
educação.
Nesse diapasão, podem-se estabelecer alguns parâmetros norteadores da análise individual de
cada caso, como, por exemplo:(i)todos os que recebem renda familiarper capitainferior a ¼ do
salário mínimo são miseráveis;(ii)nem todos os que percebem renda familiarper capitasuperior a
¼ do salário mínimo e inferior a ½ salário mínimo são miseráveis;(iii)nem todos os que percebem
renda familiarper capitasuperior a ½ salário mínimo deixam de ser miseráveis;(iv)todos os que
perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da Constituição
Federal) não são miseráveis.
Dessa forma, em todos os casos, outras circunstâncias devem ser levadas em conta, mormente
se o patrimônio do requerente também se subsome à noção de hipossuficiência, devendo ser
apurado se vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones
celulares, auxílio permanente de parentes ou de terceiros etc.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer aos desamparados (artigo 6º,caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que nem sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico,
pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.”
Do exposto, constata-se que a parte autora reside com familiar em imóvel próprio, não havendo
gasto com aluguel, denotando-se que o sustento do núcleo familiar é provido tanto por seu
cônjuge, via aposentadoria e pequenos serviços, quanto, eventualmente, por seus filhos que,
como relatado, residem no mesmo município e prestam auxílio dentro das possibilidades de cada
um.
Ressalte-se, a esse respeito, que o objetivo do benefício assistencial não é complementar a
renda, mas fornecer o mínimo àqueles que vivem em situação verdadeiramente indigna, cuja
precariedade coloca em risco a própria sobrevivência, exigindo-se, para tanto, a constatação de
extrema vulnerabilidade – o que não é o caso dos autos.
O quadro apresentado, dessa forma, não se ajusta ao de miserabilidade exigido pelo diploma
legal a que se fez menção acima.
De rigor, portanto, o indeferimento do benefício, porquanto não comprovado um dos requisitos
indispensáveis à sua concessão.
Condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em
10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspensa, porém, a exigibilidade, na
forma do art. 98, § 3.º, do CPC, por se tratar de beneficiária de gratuidade da justiça.
Posto isso, reiterada a vênia, divirjo do Excelentíssimo Senhor Relator para dar provimento à
apelação, reformar a sentença e julgar improcedente o pedido formulado.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. RECURSO RECEBIDO NO DUPLO EFEITO. NÃO CABIMENTO.
BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA IDOSA.
MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. CORREÇÃO MONETÁRIA.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- In casu, despicienda qualquer discussão quanto ao atendimento do requisito etário porquanto
os documentos acostados aos autos comprovam inequivocamente a idade avançada da parte
autora (69 anos) à época do ajuizamento da ação.
III- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado no presente feito. Observa-se que o estudo social (elaborado em 8/7/19, data em
que o salário mínimo era de R$ 954,00), demonstra que a autora reside com seu marido, nascido
em 7/9/46, aposentado, em casa própria, composta por “05 cômodos e 02 banheiros, sendo um
interno e outro externo, de alvenaria, assoalho de madeira nos quartos e sala e dos demais com
piso cerâmico, forro de gesso em todos os cômodos, sobreposto ao de madeira existente
anteriormente. (...) Os móveis que guarnecem a residência são simples e de padrão popular, em
boas condições de conservação” (ID 123529526 - Pág. 3). A renda mensal familiar é proveniente
da aposentadoria percebida pelo marido da autora, no valor de um salário mínimo, bem como de
alguns “bicos” como pedreiro que o cônjuge da demandante realiza. As despesas mensais são:
R$ 41,00 em água, R$ 81,14 em energia elétrica, R$ 70,00 em gás de cozinha, R$ 500,00 em
alimentação, R$ 200,00 em medicamentos, R$ 89,00 em plano funerário (a cada três meses), R$
48,69 em IPTU (10 parcelas), R$ 100,00 em dois aparelhos de telefone móvel e R$ 18,00 em
conta claro/TV. Consta do estudo social que a autora tem “problemas de saúde como hipertensão
arterial, varizes em ambas as pernas e complicações na coluna (desgaste e hérnia de disco)” e
que o “casal possui cinco filhos, todos casados e residentes neste município, os quais, segundo
eles, auxiliam dentro das possibilidades de cada um. (...) Informaram não possuir demais bens
imóveis, automóveis e outras fontes de rendimentos” (ID 123529526 - Pág. 4).
IV- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária, devem ser observados os posicionamentos firmados na Repercussão
Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº
1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos a benefício
assistencial e o INPC nos feitos previdenciários.
V- Apelação improvida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no
julgamento, a Oitava Turma, por maioria, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do
voto do Relator, com quem votaram os Desembargadores Federais Luiz Stefanini, David Dantas e
Batista Gonçalves, vencida a Desembargadora Federal Therezinha Cazerta, que lhe dava
provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
