Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5003147-65.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
07/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 10/12/2021
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIALBENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA IDOSA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS
LEGAIS. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
I- No que tange à apelação do INSS, cumpre notar, inicialmente, que a mesma será parcialmente
conhecida, dada a falta de interesse em recorrer relativamente às custas processuais, uma vez
que a R. sentença foi proferida nos exatos termos de seu inconformismo.
II- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
III- In casu, despicienda qualquer discussão quanto ao atendimento do requisito etário porquanto
os documentos acostados aos autos comprovam inequivocamente a idade avançada da parte
autora (65 anos) à época do ajuizamento da ação.
IV- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado no presente feito. Observa-se que o estudo social (elaborado em 12/2/20, data
em que o salário mínimo era de R$1.039,00), demonstra que o autor reside sozinho “em moradia
própria de tijolo sem reboco, contra piso, sem forro, telha de amianto, composta por um quarto,
banheiro, cozinha e varanda. Vive sem conforto algum e higiene totalmente precária” (ID
190121269 - Pág. 133), sendo que o demandante “Possui apenas uma bicicleta, quase nenhum
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
móvel, nem mesmo os essenciais, a roupa é pendurada em um varal acima da cama.Fogão,
geladeira e mesa muito velhos. Não possui guarda roupa e TV” (ID 190121269 - Pág. 133). A
renda mensal familiar é de R$ 1.500,00, informando a assistente social que “o questionamos
quanto a falta de mínimo conforto, já que as despesas somam 1/3 de sua renda, ao que disse ter
um "dinheirinho" - mil reais - guardado na poupança. No entanto, constatamos que o autor vive
em condições de miserabilidade” (ID 190121269 - Pág. 134). Os gastos mensais são: R$ 50,00
em água, R$ R$ 70,00 em energia, R$ 400,00 em alimentação e R$ 60,00 em farmácia. Como
bem asseverou o MM. Juiz a quo, “No caso em apreço, a condição de miserabilidade da parte
autora, pessoa de humilde condição e com saúde extremamente fragilizada, é atestada pelas
provas colhidas nos autos, especialmente, pelo depoimento das testemunhas e registros
fotográficos, de modo que está presente o segundo requisito, restando comprovado que a parte
autora não possui meios de prover à própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família,
cuja renda familiar não é suficiente para fazer frente a todas as despesas advindas de gastos com
alimentação, remédios, vestuário, etc.” (ID 190121269 - Pág. 199). A testemunha Luciano Richi
Reganham declarou que conhece o autor há 15 anos, aproximadamente, desde quando ainda
trabalhava em propriedades rurais, sendo que atualmente o demandante sobrevive de trabalhos
esporádicos e da ajuda dos amigos. Conforme a testemunha Rosalina Silva, o autor não tem
trabalho fixo e depende da ajuda dos vizinhos.
V- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os posicionamentos firmados na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos
a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. A taxa de juros deve incidir de acordo
com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação
dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
VI- Apelação parcialmente conhecida e parcialmente provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003147-65.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO RIBAS DE ALMEIDA
Advogado do(a) APELADO: MARIA DE FATIMA RIBEIRO DE SOUZA - MS18162-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003147-65.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO RIBAS DE ALMEIDA
Advogado do(a) APELADO: MARIA DE FATIMA RIBEIRO DE SOUZA - MS18162-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social visando à concessão do
benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser
pessoa idosa (65 anos à época do ajuizamento da ação) e não possuir meios de prover a
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo julgou procedente o pedido, concedendo o benefício requerido a partir do
requerimento administrativo (20/5/19), devendo as parcelas vencidas ser acrescidas de
correção monetária e juros de mora. Os honorários advocatícios foram arbitrados em 10%
sobre o valor da condenação até a sentença. Concedeu a tutela antecipada.
Inconformada, apelou a autarquia, alegando em síntese:
- o não preenchimento do requisito da hipossuficiência, devendo ser julgado improcedente o
pedido.
- Caso não seja esse o entendimento, requer a fixação do termo inicial do benefício a partir da
data da juntada do estudo social aos autos, a incidência da correção monetária e dos juros de
mora nos termos da Lei n° 11.960/09, bem como a isenção do pagamento das custas
processuais.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal, opinando pelo não provimento da apelação.
É o breve relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003147-65.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO RIBAS DE ALMEIDA
Advogado do(a) APELADO: MARIA DE FATIMA RIBEIRO DE SOUZA - MS18162-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): No que tange
à apelação do INSS, devo ressaltar, inicialmente, que a mesma será parcialmente conhecida,
dada a falta de interesse em recorrer relativamente às custas processuais, uma vez que a R.
sentença foi proferida nos exatos termos de seu inconformismo. Como ensina o Eminente
Professor Nelson Nery Júnior ao tratar do tema, "O recorrente deve, portanto, pretender
alcançar algum proveito do ponto de vista prático, com a interposição do recurso, sem o que
não terá ele interesse em recorrer" (in Princípios Fundamentais - Teoria Geral dos Recursos, 4.ª
edição, Revista dos Tribunais, p. 262).
Passo ao exame do recurso, relativamente à parte conhecida.
Dispõe o art. 203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da
CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses,
que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C.
Supremo Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido
formulado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário
nº 567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do
mencionado § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar
Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo
Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a
1/4 (um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a
Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01,
que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias
mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da
Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para
aferir a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem
o direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO
SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98,
dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas
portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja
família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para
o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de
se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade,
ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos
autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de
um salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de
um ser humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO
DOS REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples
e faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição
desse benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os
beneficiários, além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria
direito a parte autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da
Lei nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre
o rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, despicienda qualquer discussão quanto ao atendimento do requisito etário porquanto
os documentos acostados aos autos comprovam inequivocamente a idade avançada da parte
autora (65 anos) à época do ajuizamento da ação.
Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 12/2/20, data em que
o salário mínimo era de R$1.039,00), demonstra que o autor reside sozinho “em moradia
própria de tijolo sem reboco, contra piso, sem forro, telha de amianto, composta por um quarto,
banheiro, cozinha e varanda. Vive sem conforto algum e higiene totalmente precária” (ID
190121269 - Pág. 133), sendo que o demandante “Possui apenas uma bicicleta, quase nenhum
móvel, nem mesmo os essenciais, a roupa é pendurada em um varal acima da cama.Fogão,
geladeira e mesa muito velhos. Não possui guarda roupa e TV” (ID 190121269 - Pág. 133,
grifos meus). A renda mensal familiar é de R$ 1.500,00, informando a assistente social que “o
questionamos quanto a falta de mínimo conforto, já que as despesas somam 1/3 de sua renda,
ao que disse ter um "dinheirinho" - mil reais - guardado na poupança. No entanto, constatamos
que o autor vive em condições de miserabilidade” (ID 190121269 - Pág. 134, grifos meus). Os
gastos mensais são: R$ 50,00 em água, R$ 70,00 em energia, R$ 400,00 em alimentação e R$
60,00 em farmácia. Como bem asseverou o MM. Juiz a quo, “No caso em apreço, a condição
de miserabilidade da parte autora, pessoa de humilde condição e com saúde extremamente
fragilizada, é atestada pelas provas colhidas nos autos, especialmente, pelo depoimento das
testemunhas e registros fotográficos, de modo que está presente o segundo requisito, restando
comprovado que a parte autora não possui meios de prover à própria manutenção, nem de tê-la
provida por sua família, cuja renda familiar não é suficiente para fazer frente a todas as
despesas advindas de gastos com alimentação, remédios, vestuário, etc.” (ID 190121269 - Pág.
199, grifos meus). A testemunha Luciano Richi Reganham declarou que conhece o autor há 15
anos, aproximadamente, desde quando ainda trabalhava em propriedades rurais, sendo que
atualmente o demandantesobrevive de trabalhos esporádicos e da ajuda dos amigos. Conforme
a testemunha Rosalina Silva, o autor não tem trabalho fixo e depende da ajuda dos vizinhos.
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, observo que o requisito da
miserabilidade encontra-se demonstrado no presente feito.
Cumpre ressaltar que o benefício deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa
disposição legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
Ressalto, ainda, ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada
com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência
médica, nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de
execução do julgado os pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.
Conforme documento ID 190121269 - Pág. 50, o autor formulou pedido de amparo social ao
idoso em 20/5/19, motivo pelo qual o termo inicial de concessão do benefício deve ser fixado na
data do pedido na esfera administrativa, conforme jurisprudência pacífica do C. STJ (AgRg no
AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, v.u., j. 10/9/13, DJe
18/9/13).
A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora.
Com relação aos índices de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os
posicionamentos firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema
810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o
IPCA-E nos processos relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários.
Quadra ressaltar haver constado expressamente do voto do Recurso Repetitivo que “a adoção
do INPC não configura afronta ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de
repercussão geral (RE 870.947/SE). Isso porque, naquela ocasião, determinou-se a aplicação
do IPCA-E para fins de correção monetária de benefício de prestação continuada (BPC), o qual
se trata de benefício de natureza assistencial, previsto na Lei 8.742/93. Assim, é imperioso
concluir que o INPC, previsto no art. 41-A da Lei 8.213/91, abrange apenas a correção
monetária dos benefícios de natureza previdenciária.” Outrossim, como bem observou o E.
Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira: “Importante ter presente, para a adequada
compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em
referência – INPC e IPCA-E tiveram variação muito próxima no período de julho de 2009 (data
em que começou a vigorar a TR) e até setembro de 2019, quando julgados os embargos de
declaração no RE 870947 pelo STF (IPCA-E: 76,77%; INPC 75,11), de forma que a adoção de
um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas
sobre o valor da condenação.” (TRF-4ª Região, AI nº 5035720-27.2019.4.04.0000/PR, 6ª
Turma, v.u., j. 16/10/19).
A taxa de juros deve incidir de acordo com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-
F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
Ante o exposto, não conheço de parte da apelação e, na parte conhecida, dou-lhe parcial
provimento para determinar a incidência da correção monetária e dos juros de mora na forma
acima indicada.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIALBENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA IDOSA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS
LEGAIS. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
I- No que tange à apelação do INSS, cumpre notar, inicialmente, que a mesma será
parcialmente conhecida, dada a falta de interesse em recorrer relativamente às custas
processuais, uma vez que a R. sentença foi proferida nos exatos termos de seu inconformismo.
II- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
III- In casu, despicienda qualquer discussão quanto ao atendimento do requisito etário
porquanto os documentos acostados aos autos comprovam inequivocamente a idade avançada
da parte autora (65 anos) à época do ajuizamento da ação.
IV- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado no presente feito. Observa-se que o estudo social (elaborado em 12/2/20, data
em que o salário mínimo era de R$1.039,00), demonstra que o autor reside sozinho “em
moradia própria de tijolo sem reboco, contra piso, sem forro, telha de amianto, composta por um
quarto, banheiro, cozinha e varanda. Vive sem conforto algum e higiene totalmente precária” (ID
190121269 - Pág. 133), sendo que o demandante “Possui apenas uma bicicleta, quase nenhum
móvel, nem mesmo os essenciais, a roupa é pendurada em um varal acima da cama.Fogão,
geladeira e mesa muito velhos. Não possui guarda roupa e TV” (ID 190121269 - Pág. 133). A
renda mensal familiar é de R$ 1.500,00, informando a assistente social que “o questionamos
quanto a falta de mínimo conforto, já que as despesas somam 1/3 de sua renda, ao que disse
ter um "dinheirinho" - mil reais - guardado na poupança. No entanto, constatamos que o autor
vive em condições de miserabilidade” (ID 190121269 - Pág. 134). Os gastos mensais são: R$
50,00 em água, R$ R$ 70,00 em energia, R$ 400,00 em alimentação e R$ 60,00 em farmácia.
Como bem asseverou o MM. Juiz a quo, “No caso em apreço, a condição de miserabilidade da
parte autora, pessoa de humilde condição e com saúde extremamente fragilizada, é atestada
pelas provas colhidas nos autos, especialmente, pelo depoimento das testemunhas e registros
fotográficos, de modo que está presente o segundo requisito, restando comprovado que a parte
autora não possui meios de prover à própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família,
cuja renda familiar não é suficiente para fazer frente a todas as despesas advindas de gastos
com alimentação, remédios, vestuário, etc.” (ID 190121269 - Pág. 199). A testemunha Luciano
Richi Reganham declarou que conhece o autor há 15 anos, aproximadamente, desde quando
ainda trabalhava em propriedades rurais, sendo que atualmente o demandante sobrevive de
trabalhos esporádicos e da ajuda dos amigos. Conforme a testemunha Rosalina Silva, o autor
não tem trabalho fixo e depende da ajuda dos vizinhos.
V- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos
índices de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os posicionamentos
firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no
Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos
processos relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. A taxa de juros
deve incidir de acordo com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-F da Lei nº
9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na Repercussão
Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº
1.492.221 (Tema 905).
VI- Apelação parcialmente conhecida e parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer de parte da apelação e, na parte conhecida, dar-lhe parcial
provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
