
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002003-51.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CREONILDA APARECIDA DA SILVA SOBRINHO
Advogado do(a) APELADO: MARCELA VIEIRA RODRIGUES MURATA - MS18872-S
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002003-51.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CREONILDA APARECIDA DA SILVA SOBRINHO
Advogado do(a) APELADO: MARCELA VIEIRA RODRIGUES MURATA - MS18872-S
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) contra sentença que julgou procedente o pedido de concessão do benefício assistencial à pessoa com deficiência, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, com termo inicial na data da perícia médica.
Em suas razões recursais (ID 294525437, pp. 154/158), o apelante alega, em síntese, que a parte autora não faz jus ao benefício assistencial, porquanto deixou de preencher o requisito atinente à deficiência.
A apelada apresentou contrarrazões recursais (ID 294525437, pp. 168/171).
O Ministério Público Federal opina pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002003-51.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CREONILDA APARECIDA DA SILVA SOBRINHO
Advogado do(a) APELADO: MARCELA VIEIRA RODRIGUES MURATA - MS18872-S
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A questão controversa refere-se à análise dos requisitos para a concessão do benefício assistencial a pessoa deficiente, desde a data do requerimento administrativo.
A Constituição da República, no artigo 203, inciso V, prevê o benefício de amparo social no valor de um salário mínimo, nos seguintes termos:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A Lei 8.742/1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), conferiu eficácia às normas constitucionais, instituindo o benefício de prestação continuada (BPC), também denominado benefício assistencial, na forma de seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei 12.435/2011)
A LOAS está regulamentada pelo Decreto 6.214/2007. O artigo 20 da LOAS e o artigo 1º de seu decreto regulamentar estabelecem que são requisitos à concessão do amparo assistencial, a comprovação: (1) alternativamente, ser idoso com idade igual ou superior a 65 anos ou ser pessoa com deficiência; e (2) estar em situação de hipossuficiência econômica (miserabilidade), que se caracteriza pela ausência de condições para prover a própria subsistência ou tê-la provida pela família.
Dos beneficiários
O benefício assistencial é devido a “brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais”, conforme foi pacificado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 587.970, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, com repercussão geral (Tribunal Pleno, j. 20/04/2017, publ. 22-09-2017).
Anote-se, ainda, que a concessão, a manutenção e a revisão do benefício assistencial depende da regularidade das inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), consoante previsto em regulamento (§ 12 do art. 20 da LOAS, incluído pela Lei 13.846/2019).
Pessoa idosa é considerada aquela com idade mínima de 65 anos, conforme o artigo 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
Pessoa com deficiência, segundo o artigo 20, § 2º, da LOAS, é aquela que tem “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”, conforme a redação dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Ressalte-se que o impedimento de longo prazo é aquele que produz efeitos pelo período mínimo de dois anos, na forma do artigo 20, § 10º, da LOAS, incluído pela Lei 12.470/2011. Também, “para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação” - esse é o teor da Súmula 48 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU). (Redação alterada na sessão de 25/04/2019).
Esse tema foi enfrentado por esta Egrégia Décima Turma conforme a ementa a seguir transcrita:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REQUISITOS PREENCHIDOS. TERMO INICIAL MANTIDO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA EM CASO DE ATRASO NO CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. PRAZO EXÍGUO PARA IMPLANTAÇÃO DE BENEFÍCIO. AMPLIAÇÃO.
1. O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família.
2. Segundo a Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) "para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". De acordo com a referida lei, entende-se por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
3. Consoante perícia médica produzida é possível concluir que o estado clínico da parte autora implica a existência de impedimento de longo prazo, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, poderia obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, devendo, assim, ser considerada pessoa com deficiência para os efeitos legais.
(...)
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, APELAÇÃO CÍVEL - 0010184-23.2011.4.03.6139, Rel. Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, julgado em 30/11/2021, Intimação via sistema DATA: 03/12/2021)
Da situação de hipossuficiência econômica
O conceito de família para fins de obtenção do BPC está contido no artigo 20, § 1º, da LOAS:
Art. 20 (...)
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei 12.435/2011)
Cabe anotar que a evolução do conceito de família, para fins de se avaliar a hipossuficiência econômica, passou pela unidade mononuclear sob o mesmo teto (redação original da LOAS); depois alcançou o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei 8.213/1991, desde que vivessem sob o mesmo teto (MP 1.473-34, de 11/08/1997, convertida na Lei 9.720/1998).
A respeito, destaca o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI 8.742/1993. CONCEITO DE FAMÍLIA PARA AFERIÇÃO DA RENDA PER CAPITA. EXCLUSÃO DA RENDA DO FILHO CASADO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 20, § 1o. DA LEI 12.435/2011 (LOAS). AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A Constituição Federal prevê, em seu art. 203, caput e inciso V, a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. A Lei 12.435/2011 alterou o § 1o. do art. 20 da LOAS, determinando que § 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
3. O critério da família reside no estado civil, vez que as pessoas que possuírem vínculo matrimonial ou de união estável fazem parte de outro grupo familiar, e seus rendimentos são direcionados a este, mesmo que resida sobre o mesmo teto, para efeito de aferição da renda mensal per capita nos termos da Lei.
4. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento.
(STJ, AgInt REsp 1.718.668/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 26/03/2019)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.RENDA MENSAL PER CAPITA.CONCEITO DE FAMÍLIA. ART. 20, § 1º, DA LEI N. 8.742/93, ALTERADO PELA LEI N. 12.435/2011. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - Na origem, cuida-se de ação ajuizada em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS objetivando a concessão do benefício da assistência social à pessoa com deficiência. Foram interpostos recursos especiais pelo beneficiário e pelo Ministério Público Federal.
II - O Tribunal de origem negou o benefício assistencial pleiteado por entender que a renda mensal, proveniente da aposentadoria por invalidez do cunhado e do salário do sobrinho da parte autora, é suficiente para prover o seu sustento, afastando, assim, a condição de miserabilidade.
III - O conceito de renda mensal da família contido na Lei n. 8.472/1991 deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar indicado no § 1º do citado art. 20 que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência), qual seja: '[...] o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto'.
IV - Portanto, entende-se que 'são excluídas desse conceito as rendas das pessoas que não habitem sob o mesmo teto daquele que requer o benefício social de prestação continuada e das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam responsáveis por sua manutenção socioeconômica'.
(REsp n. 1.538.828/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, julgado em 17/10/2017, DJe 27/10/2017)
No julgamento do REsp 1.355.052, sob o rito dos recursos repetitivos, o STJ firmou o Tema 640: “Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93”, (j. 25/02/2015, DJe 05/11/2015, transitado em 16/12/2015).
Na mesma linha, a Lei 13.982/2020 incluiu o § 14 ao artigo 20 da LOAS, prevendo expressamente a exclusão de benefício assistencial ou previdenciário de um salário mínimo na composição da renda para fins de concessão de BPC:
Art. 20 (...)
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.
Dessa forma, deve ser excluído do cômputo da renda per capita o valor proveniente de benefício assistencial ou previdenciário no valor de até um salário mínimo, recebido por idoso ou pessoa com deficiência, pertencente ao núcleo familiar.
Da condição de miserabilidade
A definição legal de hipossuficiência, para fins de concessão do BPC, foi também marcada por discussões que conduziram à evolução legislativa e jurisprudencial.
Diversas alterações legais foram verificadas quanto à fixação da renda mensal per capita máxima, inicialmente, na dicção originária do § 3º do artigo 20 da LOAS, era exigida a renda inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
Na esfera judicial, esse parâmetro foi confrontado por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 1.232-1/DF, a qual foi julgada improcedente pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, que declarou a constitucionalidade do § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993 (ADI 1232, Relator p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, j. 27/08/1998).
Entretanto, diversas leis editadas posteriormente fixaram parâmetros mais favoráveis, conduzindo à conclusão lógica de que o Poder Legislativo havia suplantado o limite de um quarto do salário mínimo, permeando, assim, a análise judicial dos pedidos pela interpretação sistemática, para fins de observar a ordem jurídica como um todo coeso.
O STJ pacificou o entendimento quanto à possibilidade de admitir distintos parâmetros para aferição da condição de miserabilidade, assentando o Tema 185: “A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo". (REsp 1.112.557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Terceira Seção, j. 28/10/2009, transitado em julgado em 21/03/2014).
A persistência dos debates conduziu o STF a declarar a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do artigo 20 da LOAS, no julgamento do RE 567.985, sob o regime da repercussão geral, nestes termos:
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 567.985, Relator p/ Acórdão Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, j. 18/04/2013, publ. 03/10/2013)
O precedente ensejou a tese do Tema 27/STF:“É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição”.
A Lei 13.146/2015 incluiu o § 11 ao artigo 20 da Lei 8.742/1993, possibilitando a utilização de outros parâmetros aptos à avaliação da renda per capita familiar e, consequentemente, da miserabilidade, neste teor:
Art. 20 (...)
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
Em complemento à definição dos critérios de concessão do benefício assistencial, a Lei 14.176/2021 acrescentou o § 11-A ao artigo 20 da Lei 8.742/1993, concedendo expressamente licença normativa ao regulamento para fins de ampliar o limite da renda per capita até ½ (meio) salário mínimo, in verbis:
Art. 20 (...)
§ 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei.
Nesse contexto, superada está a questão relacionada à limitação do critério de avaliação socioeconômica, cuja ampliação ao limite de ½ (meio) salário mínimo encontra supedâneo legal.
Dos elementos probatórios
O artigo 20-B da LOAS, incluído pela Lei 14.176/2021, estabeleceu que para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita, prevista no § 11 do mesmo artigo, devem ser avaliados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade. São eles:
I – o grau da deficiência;
II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária;
III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.
O exame da condição da pessoa com deficiência e do grau de impedimento está a cargo do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), por meio de perícia médica e social, observando-se, inclusive, a avaliação biopsicossocial, nos termos do artigo 2º, §§ 1º e 2º, da Lei 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, bem assim do artigo 20, § 6º, e 20-B, § 3º, e 40-B da LOAS.
Do Caso Concreto
Trata-se de pedido de concessão de benefício assistencial ao deficiente.
A deficiência física da parte autora, decorrente de "BURSITE DE OMBROS E ESPONDILODISCARTROSE LOMBAR. CID M754, M512.", foi confirmada por perícia médica, realizada em 05/09/2023.
Em resposta aos quesitos apresentados, o perito-médico informou que a incapacidade tem natureza parcial e permanente, concluindo o laudo nestes termos (ID 294525437, p. 108/123):
DIAGNÓSTICO: BURSITE DE OMBROS E ESPONDILODISCARTROSE LOMBAR. CID M754, M512.
• DATA DE INÍCIO DA DOENÇA (DID): NÃO É POSSÍVEL DETERMINAR COM EXATIDÃO. RELATA SINTOMAS HÁ VÁRIOS ANOS.
• HÁ INVALIDEZ PARCIAL E PERMANENTE PARA O TRABALHO.
• TRABALHOS BRAÇAIS E QUE EXIJAM ESFORÇOS ESTÃO CONTRA-INDICADOS EM DEFINITIVO.
• DATA DE INÍCIO DA INCAPACIDADE (DII): FICA COMPROVADA INVALIDEZ SOMENTE A PARTIR DESTA PERÍCIA MÉDICA.
• A REABILITAÇÃO PROFISSIONAL É IMPROVÁVEL CONSIDERANDO AS CONDIÇÕES PESSOAIS DO PERICIADO (IDADE, ESCOLARIDADE E PROFISSIOGRAFIA)
Dessa forma, verifica-se que a parte autora é deficiente para fins assistenciais.
Em visita domiciliar, datada de 24.04.2023, a assistente social constatou que a autora, com 62 anos à época, possui ensino fundamental (até a 5ª série), tem 4 filhos, recebe o benefício do Programa Bolsa Família, no valor de R$ 600,00, e reside sozinha em imóvel cedido, construído em alvenaria, com cobertura de amianto, não possui forro, piso cerâmico, contendo 2 quartos, sala, cozinha, varanda e 1 banheiro, com muro mas não possui portão ou grades. O imóvel está localizado em uma rua asfaltada, que possui rede de água, porém não possui rede de esgoto. Por fim, conclui, no laudo social que:
(...) a requerente vive em condições de pobreza, com dificuldades pelo fato de não ter condições físicas para exercer suas funções e, mesmo assim, tem enfrentado uma luta diária por não conseguir manter sua subsistência, dependendo daquilo que ela consegue como ajuda, por parte dos filhos, mas, segundo ela, eles não têm condições de ajudar, porque são pessoas humildes, trabalhadores e têm suas famílias para sustentar, assim, dona Creonilda nos disse que sempre trabalhou para ganhar seu dinheiro, mas que não consegue mais fazê-lo.
A necessidade de tratamento relatada por dona Creonilda exige acompanhamento de um ortopedista (que a atende em Campo Grande) e, necessita de atendimento com um médico vascular, mas ainda não conseguiu atendimento pelo SUS.
Nesse contexto, verifica-se que o requisito socioeconômico também se encontra demonstrado. A renda familiar mensal, o montante de despesas recorrentes e os demais elementos fáticos apontados no estudo socioeconômico indicam situação de vulnerabilidade.
Posto isso, o conteúdo probatório dos autos evidencia que foram preenchidos os requisitos legais à concessão do benefício assistencial de prestação continuada, de modo que a r. sentença não merece reforma.
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ASSISTENCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LOAS. DEFICIÊNCIA E MISERABILIDADE CONFIGURADAS. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. AMPARO ASSISTENCIAL DEVIDO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O benefício de prestação continuada, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição da República, consiste na “garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família” (art. 20, caput, da Lei 8.742/1993).
2. O conjunto probatório dos autos evidencia preenchidos todos os requisitos legais para concessão do benefício assistencial.
3. O requisito da deficiência física da parte autora foi confirmado por perícia médica e está comprovado dos autos.
4. O requisito socioeconômico também encontra-se demonstrado. A renda familiar mensal, o montante de despesas recorrentes e os demais elementos fáticos apontados no estudo socioeconômico indicam situação de vulnerabilidade.
5. Apelação do INSS não provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL