
| D.E. Publicado em 29/06/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do autor e dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000251-76.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Ação ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para o restabelecimento do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, cumulada com a declaração de nulidade de cobrança indevida praticada pela autarquia e ao pagamento de indenização por danos morais ao autor.
Segundo a inicial, a parte autora é pessoa com deficiência, não tendo condições de prover seu sustento ou de tê-lo provido por sua família, fazendo jus ao benefício.
Foram concedidos os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O juízo de 1º grau julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais e procedente o pedido para condenar o INSS ao pagamento do benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data da propositura da ação, em 28.05.2014, com correção monetária, juros de mora de 0,5% ao mês, desde a citação, e honorários advocatícios fixados em 10% das prestações vencidas até a prolação da sentença. Diante da sucumbência recíproca, condenou o autor ao pagamento dos honorários arbitrados em 10% da indenização por danos morais pretendida, observando-se os benefícios da justiça gratuita. Declarou inexigíveis os valores cobrados pela autarquia a título de restituição por pagamentos indevidos. Deferiu, ainda, a antecipação da tutela.
Sentença proferida em 13.05.2016, não submetida ao reexame necessário.
Em apelação, o autor requer a condenação da autarquia ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 70.004,90 (setenta mil, quatro reais e noventa centavos).
Em apelação, o INSS sustenta que a renda mensal familiar per capita é superior a ¼ do salário mínimo, razão pela qual o apelado não faz jus ao benefício assistencial, postulando a reforma do julgado. Inaplicabilidade do art. 34, § único, da Lei 10.741/03. Caso o entendimento seja outro, requer a fixação do termo inicial do benefício na data do estudo social e dos juros de mora nos termos da Lei 11.960/09 e excluir a contradição ao pagamento dos honorários advocatícios, tendo em vista ser o caso de sucumbência recíproca.
Com contrarrazões, subiram os autos.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento da apelação do autor.
É o relatório.
VOTO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora): Ação ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para a obtenção do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da CF.
O benefício da assistência social, de caráter não contributivo, tem como alguns de seus princípios norteadores a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e o enfrentamento da pobreza no nosso País, que constituem os objetivos fundamentais consagrados no art. 3º, I e III, da CF, garantindo-se os mínimos sociais àqueles que efetivamente necessitam.
A Lei nº 8.742, de 07.12.1993, regulamentou a Assistência Social, prevista no mencionado art. 203, V, da CF. Em seu art. 20, dispôs sobre as condições para a concessão do benefício: ser pessoa portadora de deficiência, ou idoso com 70 (setenta) anos ou mais - idade posteriormente reduzida para 67 (sessenta e sete) anos - e, em ambos os casos, sem condições de prover seu próprio sustento ou tê-lo provido pela família.
O Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741, de 01.10.2003 - reduziu a idade mínima do idoso para 65 anos - art. 34.
O art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social foi alterado pela Lei nº 12.435, de 06.7.2011 (DOU 07.7.2011), que adotou a expressão "pessoa com deficiência" e a idade de 65 (sessenta e cinco) anos ou mais já prevista no Estatuto do Idoso.
Também o conceito de pessoa com deficiência foi alterado pela nova lei. O § 2º do art. 20 passou a dispor:
O § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece que a renda per capita familiar deve ser inferior a ¼ do salário mínimo. A inconstitucionalidade desse dispositivo da LOAS foi arguida na ADIN nº 1.232-1, julgada improcedente por maioria de votos pelo Plenário do STF.
A questão não restou pacificada na jurisprudência do STJ e do próprio STF, que passaram a adotar o entendimento de que a ADIn nº 1.232-1 não retirou a possibilidade de aferição da necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar, mas, sim, que o § 3º do art. 20 estabeleceu uma presunção objetiva e absoluta de miserabilidade. Assim sendo, a família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo encontra-se em estado de penúria, configurando tal situação prova incontestável de necessidade do benefício, dispensando outros elementos probatórios. Daí que, caso suplantado tal limite, outros meios de prova poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na situação de absoluta carência de recursos para a subsistência.
Nesse sentido o entendimento do STJ - REsp 222778/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, j. 04.11.1999, DJU 29.11.1999, p. 190:
A questão foi novamente levada a julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a Repercussão Geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário 567985/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18/04/2013, publicado em 03.10.2013:
"... O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento" (destaquei).
A fixação da renda per capita familiar inferior ao salário mínimo é excludente do bem-estar e justiça sociais que o art. 193 da Constituição Federal elegeu como objetivos da Ordem Social.
A fixação do salário mínimo como garantia do trabalhador e do inativo para fins de garantir sua manutenção e de sua família, com o mínimo necessário à sobrevivência com dignidade, representa um critério quantificador do bem-estar social que a todos deve ser garantido, inclusive aos beneficiários do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição.
Nessa linha de entendimento, o correto seria que a renda per capita familiar, para fins de concessão do BPC, não pudesse ser superior a 1 (um) salário mínimo. Esse critério traria para dentro do sistema de Assistência Social um número bem maior de pessoas idosas e com deficiência. Seria dar a todos, dentro e fora do sistema de Assistência Social, o mesmo grau de dignidade e de bem-estar, reduzindo desigualdades sociais.
A declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social, na prática, resulta na inexistência de nenhum critério, abrindo a possibilidade de o intérprete utilizar todos os meios de provas disponíveis para a verificação da situação de miséria que a lei quer remediar.
Cabe à legislação infraconstitucional a definição dos critérios e requisitos para concessão do benefício, conforme prevê o art. 203, V, da CF. Deve, para isso, obedecer aos princípios do art. 194, dentre eles a seletividade e distributividade. Ou seja, cabe ao legislador ordinário selecionar as contingências merecedoras de proteção e distribuí-las de acordo com o número de beneficiários e o orçamento de que dispõe.
A seletividade e a distributividade, contudo, por serem princípios setoriais, estão conformadas ao princípio geral do respeito à isonomia. Não pode a lei eleger como discrimen critério violador da isonomia.
A fixação do critério aferidor da necessidade é atribuição do legislador e não do juiz. Mas, diante do caso concreto, a jurisdição não pode ser negada por falta de critério legal.
A atividade legislativa não é do Poder Judiciário, de modo que não lhe cabe criar critério que substitua o previsto no § 3º do art. 20. Porém, parece razoável estabelecer presunção absoluta de miserabilidade quando a renda per capita familiar for inferior a metade do salario mínimo vigente, para que, em sendo superior, outras provas possam ser consideradas para averiguar a real necessidade de concessão do benefício.
No caso dos autos, o autor contava com 66 (sessenta e seis) anos, quando ajuizou a presente ação, tendo por isso a condição de idoso.
O estudo social feito em 16.12.2014, às fls. 54/55, dá conta de que o autor reside com a mulher, Tereza Chizuko de Siqueira, de 69 anos, em casa cedida pelo filho que reside em outro país, de alvenaria, contendo três cômodos pequenos. As despesas são: alimentação R$ 500,00; água R$ 35,00; energia elétrica R$ 50,00; remédios R$ 200,00. A única renda da família advém da aposentadoria por invalidez que a mulher recebe, no valor de R$ 724,00 (setecentos e vinte e quatro reais).
O documento do CNIS (fl. 129) indica que a mulher do autor, idosa, recebe aposentadoria por invalidez, desde 01.04.2013, no valor de um salário mínimo ao mês.
O art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), exclui do cômputo, para cálculo da renda per capita, o benefício de prestação continuada anteriormente concedido a outro idoso do grupo familiar.
O dispositivo suscitava controvérsia na jurisprudência, porque há entendimentos no sentido de que o mesmo critério deve ser aplicado, por analogia, quando se tratar de pessoa com deficiência, ou seja, exclui-se do cômputo da renda per capita familiar o benefício assistencial anteriormente concedido a outra pessoa com deficiência do grupo familiar.
Alguns julgados têm entendido que até mesmo o benefício previdenciário com renda mensal de um salário mínimo, concedido a outra pessoa do mesmo grupo familiar, não deve ser considerado no cômputo da renda per capita.
Não me parece correto o entendimento, porque o benefício previdenciário, por definição, é renda, uma vez que substitui os salários de contribuição ou remuneração do segurado quando em atividade, além de ter caráter vitalício na maioria das vezes. Diferentemente, o benefício assistencial não se encaixa no conceito de renda, pois é provisório por definição.
No sentido de que o art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003, enseja interpretação restritiva, ou seja, que apenas o benefício assistencial eventualmente recebido por um membro da família pode ser desconsiderado para fins de aferição da renda per capita familiar, colaciono os seguintes julgados do STJ:
Porém, no REsp Repetitivo 1.355.052/SP, o STJ decidiu no sentido da aplicação analógica da mencionada norma legal (art. 34 da Lei 10.741/2003), a fim de que também o benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
Confira-se:
Da mesma Corte colaciono ainda:
A questão foi levada ao STF, que reconheceu a Repercussão Geral nos autos do RE 580963, Rel. Min. Gilmar Mendes. O Plenário, em 18/04/2013, em julgamento de mérito, por maioria, declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003.
Transcrevo excerto:
Na linha desse entendimento, o valor per capita a ser considerado deveria ser o de um salário mínimo, pois esse é o valor escolhido pela CF para qualificar e quantificar o bem-estar social, assegurando os mínimos vitais à existência com dignidade.
Entretanto, observo que esse meu entendimento distancia-se da jurisprudência atual das Cortes Superiores, que confere interpretação ampliada à hipótese excepcional estabelecida pelo legislador no parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/03, razão pela qual passo a adotar o posicionamento ali firmado, no sentido de não computar também o benefício previdenciário de valor mínimo recebido pelo idoso, no cálculo da renda familiar per capita, a que se refere o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
No caso, excluindo-se do cômputo da renda familiar o benefício previdenciário de valor mínimo recebido pela mulher, o autor não dispõe de renda alguma, e, considerando as informações do estudo social, verifico que a sua situação é precária e de miserabilidade, fazendo jus ao recebimento de benefício assistencial para suprir as necessidades básicas, não possuindo condições de prover o seu sustento, nem de tê-lo provido por sua família, com a dignidade preconizada pela Constituição Federal.
Assim, preenche o autor todos os requisitos necessários ao deferimento do benefício.
No mais, a indenização por danos morais decorre da tutela da integridade moral. Os requisitos para a sua concessão são o dano, a culpa e o nexo causal que, a meu ver, não se configuram na hipótese.
A inicial fundamenta o pedido no restabelecimento do benefício, em razão de revisão administrativa do ato de concessão. A autarquia não afrontou o princípio da razoabilidade ao proceder à revisão administrativa baseada em seu poder de autotutela, razão pela qual não causou o alegado dano moral ao autor.
Quanto ao termo inicial, o benefício seria devido desde a data da suspensão na via administrativa, porém, ausente recurso do autor nesse sentido, fica mantido conforme estabelecido na sentença.
Os juros moratórios serão calculados de forma global para as parcelas vencidas antes da citação, e incidirão a partir dos respectivos vencimentos para as parcelas vencidas após a citação. E serão de 0,5% (meio por cento) ao mês, na forma dos arts. 1.062 do antigo CC e 219 do CPC/1973, até a vigência do CC/2002, a partir de quando serão de 1% (um por cento) ao mês, na forma dos arts. 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN. A partir de julho de 2.009, os juros moratórios serão de 0,5% (meio por cento) ao mês, observado o disposto no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, alterado pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009, pela MP n. 567, de 13.05.2012, convertida na Lei n. 12.703, de 07.08.2012, e legislação superveniente.
A sucumbência recíproca foi corretamente fixada, uma vez que cumpre o disposto no art. 85 do CPC/2015, não havendo a contradição apontada pelo INSS.
As despesas do processo deverão ser suportadas pelas partes em observância ao art. 86 do CPC.
NEGO PROVIMENTO à apelação do autor e DOU PARCIAL provimento à apelação do INSS para fixar os honorários advocatícios e juros de mora, nos termos da fundamentação.
É o voto.
MARISA SANTOS
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