
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0008444-87.2014.4.03.6183
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: JOCELINO FERREIRA DE OLIVEIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: JOSE JUSCELINO FERREIRA DE MEDEIROS - SP215819-A
APELADO: JOCELINO FERREIRA DE OLIVEIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: JOSE JUSCELINO FERREIRA DE MEDEIROS - SP215819-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0008444-87.2014.4.03.6183
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: JOCELINO FERREIRA DE OLIVEIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: JOSE JUSCELINO FERREIRA DE MEDEIROS - SP215819-A
APELADO: JOCELINO FERREIRA DE OLIVEIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR):
Trata-se de ação ajuizada em16/09/2014
em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando àconcessão da aposentadoria especial
desde a data do requerimento administrativo, mediante o reconhecimento do caráter especial das atividades mencionadas na petição inicial.Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo
julgou parcialmente procedente
o pedido, para reconhecer o caráter especial das atividades exercidas nos períodos de01/06/2001 a 18/07/2003 e de 02/02/2004 a 17/01/2014.
Deixou de conceder a tutela, porquanto não foi reconhecido o direito ao benefício. Isento o INSS de custas. Condenou o INSS ao pagamento de 5% sobre o valor atualizado da causa. Sem condenação da parte autora ao pagamento de honorários dada a concessão da gratuidade da justiça.Inconformado, apelou o INSS, sustentando que o autor não demonstrou o labor em condições especiais, nos termos exigidos pela legislação previdenciária. Requer seja concedido o efeito suspensivo ao recurso, tendo em visa a existência de lesão grave e de difícil reparação.
O autor também recorreu pleiteando o reconhecimento da especialidade dos períodos de 24/04/1980 a 09/06/1991 e de 01/07/1991 a 01/08/1994, bem como a concessão de aposentadoria especial.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0008444-87.2014.4.03.6183
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: JOCELINO FERREIRA DE OLIVEIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: JOSE JUSCELINO FERREIRA DE MEDEIROS - SP215819-A
APELADO: JOCELINO FERREIRA DE OLIVEIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: JOSE JUSCELINO FERREIRA DE MEDEIROS - SP215819-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR):
No que tange à apelação do INSS, devo ressaltar, inicialmente, que a mesma será parcialmente conhecida, dada a falta de interesse em recorrer relativamente à questão do recebimento da apelação no efeito suspensivo, uma vez que não houve concessão da tutela antecipada. Como ensina o Eminente Professor Nelson Nery Júnior ao tratar do tema, "O recorrente deve, portanto, pretender alcançar algum proveito do ponto de vista prático, com a interposição do recurso, sem o que não terá ele interesse em recorrer" (in Princípios Fundamentais - Teoria Geral dos Recursos, 4.ª edição, Revista dos Tribunais, p. 262).No que se refere ao
reconhecimento da atividade
especial
, a jurisprudência é pacífica no sentido de que deve ser aplicada a lei vigente à época em que exercido o trabalho, à luz do princípio tempus regit actum (Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.310.034-PR).Quanto aos
meios de comprovação
do exercício da atividade em condições especiais,até 28/4/95
, bastava a constatação de que o segurado exercia uma das atividades constantes dos anexos dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79. O rol dos referidos anexos é considerado meramente exemplificativo (Súmula nº 198 do extinto TFR).Com a edição da Lei nº 9.032/95,
a partir de 29/4/95
passou-se a exigir por meio de formulário específico a comprovação da efetiva exposição ao agente nocivo perante o Instituto Nacional do Seguro Social.A Medida Provisória nº 1.523 de 11/10/96, a qual foi convertida na Lei nº 9.528 de 10/12/97, ao incluir o § 1º ao art. 58 da Lei nº 8.213/91, dispôs sobre a necessidade da comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes nocivos à saúde do segurado por meio de laudo técnico, motivo pelo qual considerava necessária a apresentação de tal documento a partir de 11/10/96.
No entanto, a fim de não dificultar ainda mais o oferecimento da prestação jurisdicional, passei a adotar o posicionamento no sentido de exigir a apresentação de laudo técnico somente
a partir 6/3/97
, data da publicação do Decreto nº 2.172, de 5/3/97, que aprovou o Regulamento dos Benefícios da Previdência Social. Nesse sentido, quadra mencionar os precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça: Incidente de Uniformização de Jurisprudência, Petição nº 9.194/PR, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, 1ª Seção, j. em 28/5/14, v.u., DJe 2/6/14; AgRg no AREsp. nº 228.590, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, j. em 18/3/14, v.u., DJe 1º/4/14; bem como o acórdão proferido pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais no julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal nº 0024288-60.2004.4.03.6302, Relator para Acórdão Juiz Federal Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves, j. 14/2/14, DOU 14/2/14.Por fim, observo que o art. 58 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Medida Provisória nº 1.523 de 11/10/96, a qual foi convertida na Lei nº 9.528 de 10/12/97, em seu § 4º, instituiu o
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP)
, sendo que, com a edição do Decreto nº 4.032/01, o qual alterou a redação dos §§ 2º e 6º e inseriu o § 8º ao art. 68 do Decreto nº 3048/99, passou-se a admitir o referido PPP para a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos. O art. 68 do Decreto nº 8.123/13 também traz considerações sobre o referido PPP.Devo salientar que o laudo (ou PPP) não contemporâneo ao exercício das atividades não impede a comprovação de sua natureza especial, desde que não tenha havido alteração expressiva no ambiente de trabalho.
Ademais, se em data posterior ao trabalho realizado foi constatada a presença de agentes nocivos, é de bom senso imaginar que a sujeição dos trabalhadores à insalubridade não era menor à época do labor, haja vista os avanços tecnológicos e a evolução da segurança do trabalho que certamente sobrevieram com o passar do tempo.
Quadra ressaltar, por oportuno, que o PPP é o formulário padronizado, redigido e fornecido pela própria autarquia, sendo que no referido documento não consta campo específico indagando sobre a habitualidade e permanência da exposição do trabalhador ao agente nocivo, diferentemente do que ocorria nos anteriores formulários SB-40, DIRBEN 8030 ou DSS 8030, nos quais tal questionamento encontrava-se de forma expressa e com campo próprio para aposição da informação. Dessa forma, não me parece razoável que a deficiência contida no PPP possa prejudicar o segurado e deixar de reconhecer a especialidade da atividade à míngua de informação expressa com relação à habitualidade e permanência.
Vale ressaltar que o uso de equipamentos de proteção individual -
EPI
não é suficiente para descaracterizar a especialidade
da atividade
, a não ser que comprovada a real efetividade do aparelho na neutralização do agente nocivo, sendo que, em se tratando, especificamente, do agente ruído, não há, no momento, equipamento capaz de neutralizar a nocividade gerada pelo referido agente agressivo, conforme o julgamento realizado, em sessão de 4/12/14, pelo Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, naRepercussão Geral reconhecida no Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335/SC,
de Relatoria do E. Ministro Luiz Fux.Observo, ainda, que a informação registrada pelo empregador no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a eficácia do EPI não tem o condão de descaracterizar a sujeição do segurado aos agentes nocivos. Conforme tratado na decisão proferida pelo C. STF na Repercussão Geral acima mencionada, a legislação previdenciária criou, com relação à aposentadoria especial, uma sistemática na qual é colocado a cargo do empregador o dever de elaborar laudo técnico voltado a determinar os fatores de risco existentes no ambiente de trabalho, ficando o Ministério da Previdência Social responsável por fiscalizar a regularidade do referido laudo. Ao mesmo tempo, autoriza-se que o empregador obtenha benefício tributário caso apresente simples declaração no sentido de que existiu o fornecimento de EPI eficaz ao empregado.
Notório que o sistema criado pela legislação é falho e incapaz de promover a real comprovação de que o empregado esteve, de fato, absolutamente protegido contra o fator de risco. A respeito, é precisa a observação do E. Ministro Luís Roberto Barroso, ao sustentar que "considerar que a declaração, por parte do empregador, acerca do fornecimento de EPI eficaz consiste em condição suficiente para afastar a aposentadoria especial, e, como será desenvolvido adiante, para obter relevante isenção tributária, cria incentivos econômicos contrários ao cumprimento dessas normas" (Normas Regulamentadoras relacionadas à Segurança do Trabalho).
Exata, ainda, a manifestação do E. Ministro Marco Aurélio, ao invocar o princípio da primazia da realidade, segundo o qual uma verdade formal não pode se sobrepor aos fatos que realmente ocorrem - sobretudo em hipótese na qual a declaração formal é prestada com objetivos econômicos.
Logo, se a legislação previdenciária cria situação que resulta, na prática, na inexistência de dados confiáveis sobre a eficácia ou não do EPI, não se pode impor ao segurado - que não concorre para a elaboração do laudo, nem para sua fiscalização - o dever de fazer prova da ineficácia do equipamento de proteção que lhe foi fornecido. Caberá, portanto, ao INSS o ônus de provar que o trabalhador foi totalmente protegido contra a situação de risco, pois não se pode impor ao empregado - que labora em condições nocivas à sua saúde - a obrigação de suportar individualmente os riscos inerentes à atividade produtiva perigosa, cujos benefícios são compartilhados por toda a sociedade.
Ressalto, adicionalmente, que a Corte Suprema, ao apreciar a Repercussão Geral acima mencionada, afastou a alegação, suscitada pelo INSS, de ausência de
prévia fonte de custeio
para o direito à aposentadoria especial. O E. Relator, em seu voto, deixou bem explicitada a regra que se deve adotar ao afirmar: "Destarte, não há ofensa ao princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, pois existe a previsão na própria sistemática da aposentadoria especial da figura do incentivo (art. 22, II e § 3º, Lei n.º 8.212/91), que, por si só, não consubstancia a concessão do benefício sem a correspondente fonte de custeio (art. 195, § 5º, CRFB/88). Corroborando o supra esposado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal considera que o art. 195, § 5º, da CRFB/88, contém norma dirigida ao legislador ordinário, disposição inexigível quando se tratar de benefício criado diretamente pela própria constituição".Com relação à
conversão de tempo especial em comum
, parece de todo conveniente traçar um breve relato de sua evolução histórica na ordenação jurídica brasileira.Inicialmente, observo que a aposentadoria especial foi instituída pelo art. 31 da Lei nº 3.807, de 26/8/60 (Lei Orgânica da Previdência Social).
A Lei nº 6.887/80 acrescentou o § 4º ao art. 9º, da Lei nº 5.890/73, dispondo: "O tempo de serviço exercido alternadamente em atividades comuns e em atividades que, na vigência desta Lei, sejam ou venham a ser consideradas penosas, insalubres ou perigosas, será somado, após a respectiva conversão segundo critérios de equivalência a serem fixados pelo Ministério da Previdência Social, para efeito de aposentadoria de qualquer espécie."
Após diversas alterações legislativas, a Lei nº 8.213/91 dispôs sobre a aposentadoria especial em seus artigos 57 e 58.
A possibilidade de conversão do tempo especial em comum havia sido revogada pela edição do art. 28, da Medida Provisória nº 1.663 de 28/5/98. No entanto, o referido dispositivo legal foi suprimido quando da conversão na Lei nº 9.711/98, razão pela qual, forçoso reconhecer que permanece em vigor a possibilidade dessa conversão. Ademais, a questão ficou pacificada com a edição do Decreto nº 4.827, de 3/9/03, que incluiu o § 2º ao art. 70 do Decreto nº 3.048/99, estabelecendo que "As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período
A questão relativa ao
fator de conversão
foi objeto de julgamento pelo C. Superior Tribunal de Justiça noRecurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.151.363/MG
(2009/0145685-8). O E. Relator Ministro Jorge Mussi, em seu voto, bem explicitou a regra que se deve adotar ao asseverar: "Importa notar que a legislação em vigor na ocasião da prestação do serviço regula a caracterização e a comprovação da atividade sob condições especiais, conforme dispõe o § 1º supra. Ou seja,observa-se o regramento da época do trabalho para a prova da exposição aos agentes agressivos à saúde
: se pelo mero enquadramento da atividade nos anexos dos Regulamentos da Previdência, se mediante as anotações de formulários do INSS ou, ainda, pela existência de laudo assinado por médico do trabalho.Diversamente, no tocante aos efeitos da prestação laboral vinculada ao Sistema Previdenciário, a obtenção de benefício fica submetida às regras da legislação em vigor na data do requerimento.
Por essa razão, o § 2º deixa expresso que as regras de conversão do art. 70 aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período. Isso é possível porque a adoção deste ou daquele fator de conversão depende, tão somente, do tempo de contribuição total exigido em lei para a aposentadoria integral, ou seja, deve corresponder ao valor tomado como parâmetro, numa relação de proporcionalidade, o que corresponde a um mero cálculo matemático. Explica-se: O fator de conversão é o resultado dadivisão
do numero máximo detempo comum
(35 para homem e 30 para mulher) pelo número máximo detempo especial
(15, 20 e 25).Ou seja, o fator a ser aplicado ao tempo especial laborado pelo homem para convertê-lo em comum será 1,40, pois 35/25=1,40. Se o tempo for trabalhado por uma mulher, o fator será de 1,20, pois 30/25=1,20.
Se o tempo especial for de 15 ou 20 anos, a regra será a mesma.Trata-se de regra matemática pura e simples e não de regra previdenciária.
Observando-se os Decretos ns. 53.831/1964 e 83.080/1979, os quais traziam a lista de agentes nocivos e atividades insalubres, extrai-se a informação de que, em ambos os decretos, o tempo máximo de exposição aos agentes a que esteve exposto o recorrido (ruído e frio) era de 25 anos. Todavia, o tempo de serviço comum, para efeito de aposentadoria, constante daqueles decretos, era de, no máximo, 30 anos; portanto, o fator de conversão utilizado nessa hipótese era de 1,2. Destarte, o índice de 1,2 para conversão de tempo especial em aposentadoria comum com 30 anos de contribuição e o índice de 1,4 em relação à aposentadoria com 35 anos têm a mesma função. Converter para comum o tempo de serviço especial relativo à atividade com limite de 25 anos utilizando o fator de 1,2 seria prejudicial ao segurado (homem), porquanto a norma de regência exige, como tempo de contribuição, os 35 anos, como é de notório conhecimento.(...) Nesse contexto, com a alteração dada pelo Decreto n. 4.827/2003 ao Decreto n. 3.048/99, a Previdência Social, na via administrativa, passou a converter os períodos de tempo especial desenvolvidos em qualquer época pelas novas regras da tabela definida no artigo 70, que, para o tempo de serviço especial correspondente a 25 anos utiliza como fator de conversão, para homens, o multiplicador 1, 40. É o que se denota do artigo 173 da Instrução Normativa n. 20/2007". (grifos meus)Já, com relação à
conversão de tempo comum em especial
, não obstante meu entendimento em sentido contrário, observo que o C. Superior Tribunal de Justiça apreciou a referida matéria no julgamento dosEmbargos de Declaração no
Recurso Especial Repetitivo Representativo de Controvérsia nº 1.310.034-PR (2012/0035606-8)
, firmando o posicionamento no sentido de que deve ser aplicada a lei em vigor no momento da aposentadoria, independentemente da legislação vigente à época da prestação do serviço.Dessa forma, havendo o preenchimento dos requisitos para a obtenção do benefício somente após o advento da Lei nº 9.032, de 28/4/95, que inseriu o §5º ao art. 57 da Lei nº 8.213/91, não será possível converter tempo de atividade comum em especial, ainda que a prestação do serviço tenha ocorrido em data anterior à vigência da mencionada lei.
Quanto à
aposentadoria especial
, em atenção ao princípio tempus regit actum, o benefício deve ser disciplinado pela lei vigente à época em que implementados os requisitos para a sua concessão, devendo ser observadas as disposições do art. 57 da Lei nº 8.213/91.Cumpre ressaltar que, no cálculo do salário de benefício da aposentadoria especial, não há a incidência do fator previdenciário, tendo em vista o disposto no inc. II do art. 29 da Lei nº 8.213/91.
Passo à análise do caso concreto.
1) Período:
24/04/1980 a 09/06/1991
Empresa:
Cilasi Alimentos S/AAtividades/funções:
serviços gerais na fabricação, auxiliar de embalagem, maquinista e encarregado de turma.Agente(s) nocivo(s):
ruído de 89 db (a)Enquadramento legal:
Código 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64 (acima de 80 decibéis), Decreto nº 2.172/97 (acima de 90 decibéis) e Decreto nº 4.882/03 (acima de 85 decibéis).Provas:
Perfil Profissiográfico Previdenciário, datado de 31/01/2013 (ID 107378136 p. 40/41)Conclusão:
Ficou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial no período mencionado, em decorrência da exposição, de forma habitual e permanente, ao agente ruído acima do limite de tolerância. Cumpre observar que a ausência de indicação, no PPP, de responsável técnico ambiental antes de julho de 1991 não pode prejudicar o empregado que trabalhou sob condições nocivas. Outrossim, se as condições do ambiente de trabalho tendem a se aprimorar com a evolução tecnológica e da segurança do trabalho, supõe-se que em tempos pretéritos a situação era mais prejudicial ou, quando menos, igual à constatada na data da realização da perícia.
2) Período:
01/07/1991 a 01/08/1994
Empresa:
Cilasi Alimentos S/AAtividades/funções:
supervisor de produção.Agente(s) nocivo(s):
ruído de 89 db (a)Enquadramento legal:
Código 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64 (acima de 80 decibéis), Decreto nº 2.172/97 (acima de 90 decibéis) e Decreto nº 4.882/03 (acima de 85 decibéis).Provas:
Perfil Profissiográfico Previdenciário, datado de 31/01/2013 (ID 107378136 p. 42/43)Conclusão:
Ficou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial no período mencionado, em decorrência da exposição, de forma habitual e permanente, ao agente ruído acima do limite de tolerância.
3) Período:
01/06/2001 a 18/07/2003
Empresa:
Viação Nações Unidas LtdaAtividades/funções:
cobrador de ônibusAgente(s) nocivo(s):
ruído, calor, poeira.Enquadramento legal:
Código 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64 (acima de 80 decibéis), Decreto nº 2.172/97 (acima de 90 decibéis) e Decreto nº 4.882/03 (acima de 85 decibéis). Anexo VIII da NR 15 (vibrações).Provas:
Formulário datado de 04/12/2003(ID 107378136 p. 45)Conclusão:
Não ficou demonstrado o labor em condições especiais, uma vez que não é possível o reconhecimento do labor em condições agressivas pela exposição genérica a ruído, calor e poeira. Ademais, os laudos técnicos apresentados (prova emprestada) são genéricos e não se referem à pessoa do autor. Um dos laudos, inclusive, sequer menciona qual empresa foi avaliada. Observe-se que, mesmo o laudo produzido na reclamatória trabalhista ajuizada pelo Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores em Transporte Rodoviário Urbano de São Paulo contra a empresa Viação Campo Belo não se refere ao autor. Da mesma forma, parecer emitido pelo Sr. Wladimir Novaes Martinez e artigos doutrinários ou acadêmicos não constituem prova do labor em condições especiais, nos termos exigidos pela legislação previdenciária. Assim, não são aptos a comprovar as condições de trabalho do demandante em específico.
4) Período: 02/02/2004 a 17/01/2014
Empresa:
Sambaíba Transportes Urbanos LtdaAtividades/funções:
cobrador de ônibusAgente(s) nocivo(s):
ruído de 68,5 db (a) e calor de 28,5 (IBUTG)Enquadramento legal:
Código 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64 (acima de 80 decibéis), Decreto nº 2.172/97 (acima de 90 decibéis) e Decreto nº 4.882/03 (acima de 85 decibéis). Anexo VIII da NR 15 (vibrações). Código 2.0.4 dos Decretos nº 2.172/97 e nº 3.048/99.Provas:
PPP emitido em 05/12/2012 (ID 107378136 p. 48/49)Conclusão:
Não ficou demonstrado o labor em condições especiais, uma vez que a exposição a ruído e calor ocorreu abaixo do limite de tolerância. Ademais, os laudos técnicos apresentados (prova emprestada) são genéricos e não se referem à pessoa do autor. Um dos laudos, inclusive, sequer menciona qual empresa foi avaliada. Observe-se que, mesmo o laudo produzido na reclamatória trabalhista ajuizada pelo Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores em Transporte Rodoviário Urbano de São Paulo contra a empresa Viação Campo Belo não se refere ao autor. Da mesma forma, parecer emitido pelo Sr. Wladimir Novaes Martinez e artigos doutrinários ou acadêmicos não constituem prova do labor em condições especiais, nos termos exigidos pela legislação previdenciária. Assim, não são aptos a comprovar as condições de trabalho do demandante em específico.
Sobre esta questão, destaco:
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. REVISIONAL. REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA. ATIVIDADE ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. MOTORISTA E COBRADOR DE ÔNIBUS. CATEGORIA PROFISSIONAL. RUÍDO. VIBRAÇÃO DE CORPO INTEIRO. LAUDO PRODUZIDO EM RECLAMATÓRIA TRABALHISTA. OBSERVÂNCIA DA LEI VIGENTE À ÉPOCA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. EPI INEFICAZ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I - Aplica-se ao presente caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ.
II - No que tange à atividade especial, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a legislação aplicável para sua caracterização é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida.
III - Em se tratando de matéria reservada à lei, o Decreto 2.172/1997 somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10.12.1997, razão pela qual apenas para atividades exercidas a partir de então é exigível a apresentação de laudo técnico. Neste sentido: STJ; Resp 436661/SC; 5ª Turma; Rel. Min. Jorge Scartezzini; julg. 28.04.2004; DJ 02.08.2004, pág. 482.
IV - Pode, então, em tese, ser considerada especial a atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pois em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40, DSS-8030 ou CTPS.
V - Tendo em vista o dissenso jurisprudencial sobre a possibilidade de se aplicar retroativamente o disposto no Decreto 4.882/2003, para se considerar prejudicial, desde 05.03.1997, a exposição a ruídos de 85 decibéis, a questão foi levada ao Colendo STJ que, no julgamento do Recurso especial 1398260/PR, em 14.05.2014, submetido ao rito do artigo 543-C do CPC/1973, atualmente previsto no artigo 1.036 do Novo Código de Processo Civil de 2015, Recurso especial Repetitivo, fixou entendimento pela impossibilidade de se aplicar de forma retroativa o Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar de ruído para 85 decibéis (REsp 1398260/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 05/12/2014).
VI - Está pacificado no E. STJ (Resp 1398260/PR) o entendimento de que a norma que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação, devendo, assim, ser observado o limite de 90 decibéis no período de 06.03.1997 a 18.11.2003.
VII - Para a caracterização da atividade insalubre por submissão a vibrações, localizada ou de corpo inteiro, é necessária a comprovação, por meio de formulários previdenciários próprios, da exposição ao referido agente agressor em níveis superiores aos limites de tolerância delimitados na NR 15 (de 5 m/s² no caso de VMB ou de 1,1 m/s² na hipótese de VCI).
VIII - Afastado o cômputo especial dos intervalos de 11.12.1997 a 31.12.1999, 12.05.2003 a 12.04.2004, 28.10.2004 a 16.08.2006, 02.02.2007 a 15.07.2009 e de 01.11.2009 a 09.11.2009, uma vez que não restou demonstrada a sujeição a agentes nocivos à saúde/integridade física do segurado.
IX - O laudo pericial judicial produzido para fins de instrução de reclamatória trabalhista, proposta pelo Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores em Transporte Rodoviário Urbano de SP, não constitui documento apto para comprovação da prejudicialidade do labor por sujeição a excesso de vibrações mecânicas, mormente diante da juntada de formulários previdenciários que não apontam a existência do referido fator de risco. Precedente: Apel/Rem. oficial nº 0800032-08.2012.4.03.6183/SP, 10ª Turma, Relator Desembargador Federal Baptista Pereira, Julgamento 22.08.2017, DJe 31.08.2017.
X - No julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida, o E. STF afirmou que, na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do PPP, no sentido da eficácia do EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial, tendo em vista que no cenário atual não existe equipamento individual capaz de neutralizar os malefícios do ruído, pois que atinge não só a parte auditiva, mas também óssea e outros órgãos.
XI - Deve ser desconsiderada a informação de utilização do EPI quanto ao reconhecimento de atividade especial dos períodos até a véspera da publicação da Lei 9.732/98 (13.12.1998), conforme o Enunciado nº 21, da Resolução nº 01 de 11.11.1999 e Instrução Normativa do INSS n.07/2000.
XII - Não obstante o reconhecimento de atividade especial e sua inclusão na contagem de tempo de serviço do autor, não haverá alteração do coeficiente de cálculo, com relação àquele concedido administrativamente.
XIII - Em razão da inversão do ônus sucumbencial, honorários advocatícios, exclusivamente em favor do réu, fixados em R$1.000,00 (um mil reais), conforme previsto no artigo 85, §§ 4º, III, e 8º, do CPC. A exigibilidade da verba honorária ficará suspensa por 05 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos do artigo 98, §3º, do mesmo estatuto processual.
XIV - Remessa oficial tida por interposta e apelação do réu parcialmente providas.
(TRF 3ª Região, ApCiv – Apelação Cível/SP 0000208.44.2017.4.03.6183, órgão julgador: 10ª Turma; data do julgamento: 12/12/2019, data da publicação/fonte: e-DJF3 Judicial 1, 16/12/2019, Relator: Desembargador Federal Sérgio Nascimento)
No tocante à comprovação da exposição ao agente nocivo
ruído
, há a exigência de apresentação delaudo técnico ou PPP
para comprovar a efetiva exposição a ruídos acima de80 dB
, nos termos do Decreto nº 53.831/64. Após5/3/97
, o limite foi elevado para90 dB
, conforme Decreto nº 2.172/97. A partir de 19/11/03 o referido limite foi reduzido para85 dB
, nos termos do Decreto nº 4.882/03. Quadra mencionar, ainda, que o C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento doRecurso Especial
Repetitivo Representativo de Controvérsia nº 1.398.260/PR (2013/0268413-2)
, firmou posicionamento no sentido da impossibilidade de aplicação retroativa do Decreto nº 4.882/03, uma vez que deve ser aplicada a lei em vigor no momento da prestação do serviço.Dessa forma, somando-se o período especial reconhecido nos presentes autos, não perfaz o autor 25 anos de atividade especial, motivo pelo qual não faz jus à concessão da aposentadoria especial.
Ante o exposto, não conheço de parte do apelo do INSS e, na parte conhecida, dou-lhe parcial provimento para excluir o reconhecimento da especialidade dos períodos de 01/06/2001 a 18/07/2003 e de 02/02/2004 a 17/01/2014 e dou parcial provimento ao recurso do autor, para reconhecer o labor em condições especiais nos interregnos de 24/04/1980 a 09/06/1991 e de 01/07/1991 a 01/08/1994.
É o meu voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO. APOSENTADORIA ESPECIAL.
I - Ressente-se do pressuposto de admissibilidade a apelação interposta sem que haja algum proveito prático a ser alcançado, com o que fica afastado o interesse recursal.
II - No que se refere à conversão do tempo de serviço especial em comum, a jurisprudência é pacífica no sentido de que deve ser aplicada a lei vigente à época em que exercido o trabalho, à luz do princípio tempus regit actum.
III- Em se tratando do agente nocivo
ruído
, a atividade deve ser considerada especial se exposta a ruídos acima de80 dB
, nos termos do Decreto nº 53.831/64. No entanto, após5/3/97
, o limite foi elevado para90 dB
, conforme Decreto nº 2.172. A partir de 19/11/03 o referido limite foi reduzido para85 dB
, nos termos do Decreto nº 4.882/03.IV - A documentação apresentada permite o reconhecimento da atividade especial em parte do período pleiteado.
V- Com relação à aposentadoria especial, não houve o cumprimento dos requisitos previstos no art. 57 da Lei nº 8.213/91.
VI - Apelação do INSS conhecida em parte e, na parte conhecida, parcialmente provida. Apelação do autor parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu não conhecer de parte do apelo do INSS e, na parte conhecida, dar-lhe parcial provimento e dar parcial provimento ao apelo do autor, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
