
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002876-22.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ERMES LEMOS ROCHA
Advogado do(a) APELADO: ARIADNE DE LIMA DINIZ HENRIQUES - MS18096-A
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002876-22.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ERMES LEMOS ROCHA
Advogado do(a) APELADO: ARIADNE DE LIMA DINIZ HENRIQUES - MS18096-A
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de remessa oficial, havida como submetida, e de apelação em face de sentença proferida nos autos da ação de conhecimento em que se pleiteia o restabelecimento do benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
O MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando o réu a conceder o auxílio-doença desde a data do indeferimento ilegal (21/09/2020), convertendo-o em aposentadoria por invalidez desde a data da juntada do laudo (31/08/2021). Concedeu a antecipação dos efeitos da tutela para implantação do benefício em 15 dias, sob pena de multa diária de R$ 250,00. Condenou o réu ao pagamento das parcelas vencidas com correção monetária e juros de mora, das custas processuais e em honorários advocatícios fixados em 10% sobre as prestações vencidas até a sentença.
Inconformado, apela o réu pleiteando a reforma da r. sentença.
Por sua vez, o autor interpôs recurso adesivo, pleiteando a reforma da r. sentença, requerendo o restabelecimento do benefício de prestação continuada ou sua anulação para reabertura da instrução probatória.
Apresentadas contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002876-22.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ERMES LEMOS ROCHA
Advogado do(a) APELADO: ARIADNE DE LIMA DINIZ HENRIQUES - MS18096-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Razão assiste ao apelante.
Com efeito, a r. sentença incorreu em julgamento extra petita, vez que não examinou o pedido na forma pretendida pelo autor, mas sob fundamento jurídico diverso, já que o objeto do pedido inicial foi a concessão do benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente e não do benefício por incapacidade, como concedido na sentença.
A ofensa ao princípio da correlação entre o pedido e a sentença acarreta a decretação de sua nulidade.
Nesse sentido:
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. ACÓRDÃO EXTRA PETITA. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO REVISIONAL DE AUXÍLIO-ACIDENTE.
1. É nula a sentença extra petita.
2. Recurso provido.
(REsp 443.727/SC, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 04.03.04, DJ 23.08.04, p. 278);
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. QUESTÃO ESTRITAMENTE PROCESSUAL. PEDIDO DETERMINADO. SENTENÇA. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. APELAÇÃO. EFEITO DEVOLUTIVO. COGNIÇÃO. LIMITES (CPC, ART. 515, § 1º). ACÓRDÃO EXTRA PETITA. NULIDADE. PRECEDENTES DO STJ.
(...)
2. Segundo precedentes deste Superior Tribunal, "há julgamento extra petita quando o juiz defere pedido não formulado pelo autor; e há ofensa ao princípio da congruência quando o juiz decide a causa com base em fatos não invocados na inicial ou atribui aos fatos invocados conseqüências jurídicas não deduzidas na demanda". (c.f.: REsp 984.433/MG, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASKI, Primeira Turma, DJe 10.9.2008).
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1324968/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27.08.13, DJe 04.09.13); e
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - DEMANDA POSTULANDO A REVISÃO DE VALORES DEPOSITADOS A TÍTULO DE RESERVA MATEMÁTICA DE TRANSFERÊNCIA (PREVIDÊNCIA PRIVADA) - VÍCIO DE JULGAMENTO EXTRA PETITA RECONHECIDO PELO ACÓRDÃO LOCAL - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DO FUNDO DE PENSÃO.
(...)
2. Vício de julgamento extra petita. Consoante bem delineado pelo Tribunal de origem, a pretensão deduzida na inicial volta-se à revisão dos valores depositados na conta identificada da patrocinadora (reserva matemática de transferência), não se confundindo com o pleito de correção monetária da quantia referente à devolução da reserva de poupança.
Assim, considerando que a sentença de improcedência (fls. e-STJ 45/51) tratou de questão não deduzida no pedido inicial (fls. e-STJ 17/34), correto o aresto estadual que, em atenção ao disposto nos artigos 128 e 460 do CPC, acolheu a preliminar de nulidade do decisum de piso, desconstituindo-o e determinando o retorno dos autos à instância primeva para reapreciação da demanda (fls. e-STJ 57/67).
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 1287732/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 18.06.13, DJe 01.08.13)".
Dessarte, é de se anular a r. sentença e verificar se a causa encontra-se madura para julgamento de direito, com fulcro no Art. 1.013, § 3º, II, do CPC.
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei n.º 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
É consabido que o benefício de prestação continuada requer o preenchimento cumulativo de dois requisitos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência ou a idade e do outro, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência econômica.
A comprovação desses requisitos depende do resultado da prova técnica, mormente a perícia médica e o estudo social, assegurado aos demandantes o contraditório e a ampla defesa, em respeito ao princípio do devido processo legal.
Ainda que o julgador não esteja adstrito apenas às conclusões dos laudos periciais para formar sua convicção, a decisão deve ser tomada de forma ponderada, porquanto não depende somente da vontade singular do Magistrado e abrange a natureza dos fatos controversos e das questões postas nos autos.
No caso dos autos foi realizada apenas a perícia médica, em exame datado de 19/07/2021, a cargo do experto nomeado pelo Juízo, que concluiu que o autor, nascido em 21/02/1994, é portador de esquizofrenia, com invalidez total e permanente para o trabalho e improvável reabilitação profissional considerando suas condições pessoais.
Todavia, o requisito da hipossuficiência econômica não restou comprovado, porquanto após a realização do exame médico o MM. Juízo a quo decidiu pelo julgamento antecipado da lide, entendendo equivocadamente que o autor havia requerido "o restabelecimento de auxílio doença com conversão em aposentadoria por invalidez" e julgou procedente o pedido para "determinar a imediata ativação do auxílio-doença (...) convertendo-se-o em aposentadoria por invalidez (...)".
Destarte, conclui-se que o feito não está suficiente instruído para o julgamento do mérito da demanda, o que enseja a anulação da sentença para a reabertura da instrução processual e a realização do estudo social, visto que somente a perícia médica foi realizada, e ambas as provas são imprescindíveis para se averiguar se a parte autora preenche os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial.
Na esteira desse entendimento é a jurisprudência desta Corte, in verbis:
"ASSISTENCIAL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO LEGAL. ART. 557, § 1º, DO CPC. BENEFÍCIO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. ART. 203, V, DA CF. NECESSIDADE DE PERÍCIA. COMPLEMENTAÇÃO DE ESTUDO SOCIAL E INTERVENÇÃO DO MPF EM 1º GRAU. SENTENÇA ANULADA.
1. Em se tratando de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) faz-se necessária a realização de perícia médica para diagnosticar de forma precisa o estado de saúde da parte Autora e constatar se há incapacidade total e permanente, bem como a realização de novo estudo social no novo endereço para se aferir a miserabilidade da Autora e de sua família, não havendo, pelas provas acostadas aos autos como definir a sua situação habitacional, se há muitas despesas, principalmente com remédios, e a existência ou não de ajuda financeira de familiares.
2. Agravo Legal a que se nega provimento."
(TRF3, Rel. Desembargador Federal Fausto De Sanctis, 7ª Turma, publicado no D.E. em 27/02/2012);
"DIREITO ASSISTENCIAL. BENEFÍCIO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. ART. 203, V, DA CF/88. REALIZAÇÃO DE ESTUDO SOCIAL PARA COMPROVAÇÃO DA MISERABILIDADE. CABIMENTO. - A concessão do benefício assistencial de prestação continuada (artigo 203, inciso V, da Constituição Federal), tratando-se de pessoas portadoras de deficiência que não possuem condições financeiras de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, condiciona-se à verificação dos requisitos da incapacidade e da miserabilidade, conforme o disposto no artigo 20 da Lei nº 8.742/93. - A falta de concessão de oportunidade para a realização da prova necessária importa em cerceamento de defesa e impõe a nulidade do processo a partir da eiva verificada. - Agravo de instrumento a que se dá provimento para determinar a realização de estudo social."
(TRF3, AI 00320329220074030000, Rel. Desembargadora Federal Therezinha Cazerta, 8ª Turma, DJU 09/01/2008, p. 322);
"BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGO 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E LEI Nº 8.742/93. AUSÊNCIA DE PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
1. Caracteriza cerceamento ao direito da parte autora a não-realização de prova pericial, imprescindível para elucidação de eventual incapacidade, requisito indispensável à concessão do benefício assistencial, nos termos do art. 203, inciso V, da Constituição Federal e a Lei nº 8.742/93.
2. Sentença anulada de ofício, devendo os autos retornarem à Vara de origem, cabendo ao Magistrado de 1ª Instância, antes de proferir novo julgamento, prosseguir com a instrução do feito, notadamente para a realização de laudo pericial.
Apelação da parte autora prejudicada.
(TRF3, Proc. 200603990049840, AC - Apelação Civil 1086715, Rel. Desembargador Federal Jediael Galvão, 10ª Turma, DJU: Data: 06/06/2007, pág. 513).
Acresça-se que nos termos do estabelecido pelo Art. 31, da Lei nº 8.742/93, o Ministério Público está instado a intervir nos processos que versem acerca da matéria, in verbis:
Art. 31. Cabe ao Ministério Público zelar pelo efetivo respeito aos direitos estabelecidos nesta lei.
Nesse passo, deverá ser oportunizada a manifestação do douto custos legis acerca das questões postas a desate.
Por todo o exposto, dou provimento à remessa oficial, havida como submetida, à apelação do réu e ao recurso adesivo do autor para anular a r. sentença e determinar a reabertura da instrução processual, com a realização do estudo social, observada a necessária intervenção do Ministério Público nos autos.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ SENTENÇA EXTRA PETITA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. REALIZAÇÃO DE PERÍCIA MÉDICA E ESTUDO SOCIAL. NECESSIDADE. SENTENÇA ANULADA.
1. A sentença extra petita deve ser anulada, aplicando-se o disposto no Art. 1.013, § 3º, II, do CPC. Ação de pedido de assistência social. Sentença procedente pelos benefícios previdenciários de incapacidade.
2. Realização de perícia médica. O benefício de prestação continuada requer o preenchimento cumulativo de dois requisitos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência ou a idade e do outro, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência econômica.
3. A comprovação desses requisitos depende do resultado da prova técnica, mormente a perícia médica e o estudo social, assegurado aos demandantes o contraditório e a ampla defesa, em respeito ao princípio do devido processo legal.
4. O feito não suficientemente instruído para o julgamento da lide, nos termos do Art. 1.013, § 3º, II, do CPC, o que enseja a anulação da sentença, para a reabertura da instrução processual, com a realização do estudo social.
5. Necessidade de intervenção do Ministério Público no feito.
6. Remessa oficial, havida como submetida, e apelação providas.
