
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001653-37.2022.4.03.6118
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA IUCKER
APELANTE: ROSELI SILVA OLIVEIRA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: CHARLENE DOS SANTOS VIEIRA SOUZA - SP377191-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001653-37.2022.4.03.6118
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA IUCKER
APELANTE: ROSELI SILVA OLIVEIRA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: CHARLENE DOS SANTOS VIEIRA SOUZA - SP377191-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
A EXMA. DESEMBARGADORA FEDERAL ANA IUCKER (Relatora):
Vistos.
Trata-se de ação de conhecimento distribuída em 27/12/2022, na qual a parte autora postula o restabelecimento do benefício por incapacidade temporária (NB 622.699.210-0), cessado em 18/02/2019, ou, subsidiariamente, a concessão do benefício por incapacidade temporária (NB 31/640.151.772-0), a partir do requerimento administrativo formulado em 04/08/2022, ou, ainda, a concessão de benefício por incapacidade permanente.
O Juízo da 1ª Vara Federal de Guaratinguetá acolheu parcialmente os pedidos da parte autora, em sentença proferida em 18/03/2025, condenando o INSS a implantar o benefício de auxílio-doença, em sede de tutela antecipada, em favor da parte autora, no período de 20/11/2023 a 27/08/2025, com o pagamento das parcelas atrasadas, a serem apuradas em fase de execução, aplicar, para fins de atualização monetária e juros de mora, os critérios previstos no atual Manual de Orientação para Procedimentos de Cálculos da Justiça Federal e arcar com honorários advocatícios fixados em dez por cento do valor da condenação até a data da prolação da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
A apelante sustenta que a fixação do início da incapacidade em 20/11/2023 mostra-se inconsistente, por desconsiderar o histórico médico desde 2018, consubstanciado em atestados, exames e laudos com CID's que comprovam doenças crônicas e degenerativas, de caráter irreversível. Defende que tais enfermidades são incapacitantes e permanentes, o que justificaria a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente.
Apresenta, ainda, documento datado de 29/11/2024, alegando que devem ser consideradas suas condições pessoais. Requer, dessa forma, a reforma da sentença para fixar a data de início da incapacidade em 2018/2019, converter o auxílio-doença em aposentadoria por incapacidade permanente e condenar o INSS ao pagamento de custas e honorários advocatícios, estes fixados em 20% do valor da condenação.
Não foram apresentadas contrarrazões pela autarquia.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001653-37.2022.4.03.6118
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA IUCKER
APELANTE: ROSELI SILVA OLIVEIRA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: CHARLENE DOS SANTOS VIEIRA SOUZA - SP377191-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. DESEMBARGADORA FEDERAL ANA IUCKER (Relatora):
Os benefícios por incapacidade têm fundamento no artigo 201 da Constituição Federal.
O auxílio-acidente, previsto no artigo 86, § 1º, da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 9.528/97, é devido, a contar da cessação do auxílio-doença, ou do laudo pericial, ao acidentado que, após a consolidação das lesões resultantes do acidente, apresentando como sequela definitiva, perda anatômica ou redução da capacidade funcional, a qual, embora sem impedir o desempenho da mesma atividade, demande, permanentemente, maior esforço na realização do trabalho.
A comprovação da incapacidade é realizada mediante perícia médica a cargo do INSS ou perito nomeado pelo Juízo, nos termos do artigo 42, §1º, da Lei nº 8.213/91 e arts. 443, II, 464 e 479 do Código de Processo Civil.
Constatada a incapacidade, ainda é preciso observar se a carência e a qualidade de segurado foram comprovadas pela parte requerente.
Da qualidade de segurado
A condição de segurado (obrigatório ou facultativo) decorre da inscrição no regime de previdência pública, cumulada com o recolhimento das contribuições correspondentes, ou ainda, independentemente do recolhimento de contribuições, no chamado período de graça, previsto no art. 15, da Lei nº 8.213/91.
No que tange ao trabalhador rural não há necessidade de recolhimento das contribuições, bastando a comprovação do efetivo exercício da atividade rural pelo número de meses correspondentes à carência do benefício requerido, conforme o disposto no artigo 39, I e artigo 25, I da Lei 8.213/91.
Ademais, na hipótese da perda da qualidade de segurado, dispõe o art. 27-A, da Lei 8.213/91 que, para a obtenção do benefício, o trabalhador "deverá contar, a partir da data da nova filiação à Previdência Social, com metade dos períodos previstos nos incisos I, III e IV do caput do art. 25 desta Lei."
Saliente-se que há entendimento jurisprudencial no sentido de que não há que se falar em perda da qualidade de segurado se a ausência de recolhimento de contribuições decorreu da impossibilidade de trabalho da pessoa acometida de doença.
A esse respeito, confira-se julgado do E. Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO ANTES DA OCORRÊNCIA DA MOLÉSTIA INCAPACITANTE. BENEFÍCIO INDEVIDO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO DESPROVIDO. I- A aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que, após cumprida a carência e conservando a qualidade de segurado, for considerado incapaz para o trabalho e insuscetível de reabilitação em atividade que lhe garanta subsistência. II- A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firme no sentido de que o segurado que deixa de contribuir para a Previdência Social, por estar incapacitado para o labor, não perde a qualidade de segurado. (...) V- Agravo interno desprovido. (AgRg no REsp 1245217/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe 20/06/2012)
Da carência
Quanto à carência, exige-se o cumprimento de 12 (doze) contribuições mensais para a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, conforme prescreve a Lei nº 8.213/91, em seu artigo 25, I.
Entretanto, o artigo 26, II, do mesmo texto legal prescreve que independem de carência, o "auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho".
Também está dispensado de comprovar a carência o segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, atualizada a cada 3 (três) anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado.
A Lei n. 8.213/91, no artigo 151, previu, até a elaboração da referida lista, algumas doenças que, quando constatadas, dispensam o requisito da carência. São elas: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, esclerose múltipla, hepatopatia grave, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante), síndrome da deficiência imunológica adquirida (aids) ou contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada.
A Portaria Interministerial MPAS/MS n. 2.998, de 23.8.2001, no art. 1º, além das doenças descritas, acrescentou para fins de exclusão da exigência da carência "o estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante)" e hepatopatia grave, para fins de concessão dos benefícios aqui tratados.
Por fim, não será devido o auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão (art. 42, §2º, §1º da Lei 8213/91).
Do caso dos autos
A parte autora, nascida em 09/06/1964, conta atualmente com 61 anos de idade. Em entrevista ao perito judicial, realizada em 27/02/2024, informou possuir ensino fundamental completo e exercer como profissão habitual a de cozinheira de restaurante.
Alega que, a partir do final de 2018, passou a apresentar limitações laborativas em razão de dores na coluna e nos joelhos, com progressivo agravamento do quadro clínico.
Ocorre que, conforme consulta ao CNIS, a autora recebeu benefícios por incapacidade em períodos determinados, com intervalos de contribuições intercaladas, o que evidencia a ausência de continuidade da incapacidade de forma ininterrupta. Consta dos autos que a parte autora percebeu:
-
NB/31 6226992100: de 17/04/2018 a 18/02/2019;
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NB/31 6300381114: de 17/10/2019 a 17/12/2019;
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NB/31 6527605726: de 20/11/2023 a 27/08/2025, em razão da decisão proferida nestes autos;
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NB/31 6486103152: de 12/04/2024 a 31/05/2025.
Foi realizada perícia médica judicial, na qual se constatou que a autora é portadora de M17.8 - outras gonartroses secundárias bilaterais; M47.2 - outras espondiloses com radiculopatia; M05 - artrite reumatoide soropositiva, sem correlação com o trabalho. O expert concluiu pela incapacidade laborativa total e temporária para qualquer atividade, fixando o início da incapacidade em 20/11/2023.
Em resposta aos quesitos complementares, o perito reiterou que a autora se encontra total e temporariamente incapaz, enfatizando tratar-se de quadro decorrente do agravamento da doença, mas suscetível de recuperação, conforme registrado no laudo (ID 333221954):
"6. A incapacidade é insusceptível de recuperação ou reabilitação para o exercício de outra atividade que garanta subsistência ao periciando?
R: Capaz de recuperação.
7. Constatada incapacidade, esta é temporária ou permanente?
R: Temporária.
8. Caso o periciando esteja temporariamente incapacitado, qual é a data limite para reavaliação do benefício por incapacidade temporária?
R: 18 meses."
O fato gerador do benefício de auxílio-doença é justamente a incapacidade temporária para o trabalho, situação reconhecida no presente caso.
A sentença recorrida assim fundamentou:
"O perito médico judicial estimou que a incapacidade laborativa da parte autora teve início em 20/11/2023.
Além disso, o expert realizou anamnese, exame clínico e avaliou a documentação médica apresentada pela parte autora, o que resultou na estimativa convincente e coerente da data do início da incapacidade.
Desse modo, considero seguro fixar a DII em 20/11/2023.
Por conseguinte, o benefício de auxílio-doença deve ser concedido em favor da parte autora desde a data da incapacidade (DII), ou seja, a partir de 20/11/2023.
Finalmente, segundo os extratos do CNIS, na data do início da incapacidade a qualidade de segurado e a carência estão evidenciadas (art. 26, II, da Lei nº 8.213/91)."
Com relação à duração do benefício, a decisão de origem aplicou corretamente o disposto no art. 60, §§ 9º e 10, da Lei nº 8.213/91, fixando a DCB em 27/08/2025, conforme o prazo estimado no laudo pericial.
Importa destacar que o laudo pericial foi elaborado por profissional equidistante das partes, bem fundamentado, com descrição detalhada do exame clínico, dos métodos utilizados e das razões que embasaram a conclusão pela incapacidade temporária.
Embora a parte autora tenha juntado atestado datado de 29/11/2024, tal documento, além de posterior à perícia judicial, não é apto a infirmar a conclusão do perito, sobretudo porque o próprio histórico de benefícios recebidos demonstra que a incapacidade não é contínua e definitiva, mas sim episódica, sujeita a períodos de melhora e agravamento. Ressalte-se que, inclusive, a sentença já observou a possibilidade de novas avaliações administrativas pelo INSS, em caso de alteração do quadro clínico.
Assim, ainda que não esteja o magistrado adstrito ao laudo pericial, no caso em apreço não há nos autos elementos técnicos capazes de afastar as conclusões do expert, que se mostram completas e coerentes.
Nesse sentido, colhe-se precedente deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
"PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORAL. ACIDENTE DE QUALQUER NATUREZA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO.
- Quanto à existência ou não de incapacidade e sua correlata extensão, foi a questão objeto de prova pericial, concluindo o expert do juízo que a parte autora [...] apresenta dano anatômico-funcional sem repercussão na capacidade laborativa.
- O laudo pericial, elaborado por perito de confiança do Juízo e equidistante das partes, considerou para a respectiva conclusão tanto o exame presencial como os argumentos, documentos particulares e quesitos das partes, consubstanciando, portanto, prova idônea de convencimento, prevalecendo sobre atestados e exames médicos produzidos unilateralmente.
- Apelação não provida."
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv nº 5002176-12.2023.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Cristina Nascimento de Melo, julgado em 26/10/2023, DJe 06/11/2023).
Portanto, diante da prova técnica produzida e da fundamentação exarada na sentença, deve ser mantida a concessão do auxílio-doença no período reconhecido, nos exatos termos da decisão de primeiro grau.
Mantêm-se, ainda, os honorários advocatícios fixados na r. sentença.
Dispositivo
Assim sendo, voto por NEGAR PROVIMENTO à apelação da parte autora.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE LABORAL TEMPORÁRIA. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO. QUALIDADE DE SEGURADO E CARÊNCIA COMPROVADAS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
- O auxílio-doença é devido ao segurado que, cumprida a carência, conservar a qualidade de segurado e apresentar incapacidade total e temporária para o exercício de atividade laborativa.
- No caso dos autos, a perícia judicial concluiu pela incapacidade total e temporária da parte autora, fixando o início em 20/11/2023, com prazo estimado de recuperação em 18 meses.
- Estando comprovados a qualidade de segurado e o cumprimento da carência, é devida a concessão do benefício no período reconhecido na sentença.
- O laudo pericial judicial, elaborado por profissional equidistante das partes e devidamente fundamentado, prevalece sobre documentos médicos particulares.
- Apelação da parte desprovida.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
