
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5081973-71.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ERONICE LIRA MENDES
Advogado do(a) APELADO: RENAN BATISTA DE OLIVEIRA - SP318147-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5081973-71.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ERONICE LIRA MENDES
Advogado do(a) APELADO: RENAN BATISTA DE OLIVEIRA - SP318147-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou o restabelecimento de auxílio-doença.
O juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao benefício de auxílio-doença, a partir da data de incapacidade fixada pelo laudo pericial (4/1/2013). Deferida a antecipação dos efeitos da tutela (fs. 74 a 76, Id. 268332739).
Recurso da parte autora pugnando pela concessão do benefício de aposentadoria por invalidez previdenciária (fs. 80 a 82, Id. 268332739).
Recurso do INSS alegando, preliminarmente, incompetência do absoluta do JEF, e, no mérito, sustentando que a parte autora não cumpre com os requisitos necessários à concessão do benefício pleiteado, requerendo a improcedência do pedido (fs. 85 a 90, Id. 268332739).
Contrarrazões da parte autora (fs. 94 a 96, Id. 268332739).
Sobreveio acórdão proferido pela 9.ª Turma Recursal do Juizado Especial Federal da 3.ª Região reconhecendo a incompetência absoluta da Justiça Federal, remetendo os autos à Justiça do estado de São Paulo (fs. 146 a 148, Id. 268332739).
Após a remessa dos autos, o juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao benefício de auxílio-doença, a partir da data da cessação do benefício (14/6/2018). Deferida a antecipação dos efeitos da tutela.
O INSS apela, pleiteando, preliminarmente, o recebimento do recurso em seu duplo efeito, bem como a determinação para que seja implantado o benefício de auxílio-doença acidentário ao invés de auxílio-doença previdenciário e, no mérito, a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o não cumprimento dos requisitos legais à concessão em questão. Se vencido, requer a fixação do termo inicial do benefício na data da perícia, bem como a redução dos honorários advocatícios constantes da condenação.
Interposto agravo de instrumento, pelo INSS, de decisão que condicionou a cessação do benefício à constatação de capacidade laborativa por perícia administrativa, com decisão de não conhecimento por essa relatoria (fs. 268332825 e 268332834).
Com contrarrazões da parte autora, subiram os autos (Id. 268332806).
Foi proferido acórdão proferido por essa 8.ª Turma declinando da competência e determinando o encaminhamento dos autos para o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
O E. TJSP, por sua vez, suscitou o conflito negativo de competência, elevando os autos para o C. Superior Tribunal de Justiça.
O C. STJ declarou a competência da Justiça Federal para processamento e julgamento do feito, declarando a nulidade dos atos decisórios proferidos pelo juízo incompetente, mas mantendo a decisão que antecipou os efeitos da tutela.
Desceram os autos para o regular processamento do feito.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5081973-71.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
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APELADO: ERONICE LIRA MENDES
Advogado do(a) APELADO: RENAN BATISTA DE OLIVEIRA - SP318147-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Requer o INSS, em seu recurso de apelação, a concessão do efeito suspensivo, condicionando eventual implantação de benefício previdenciário após ocorrido o trânsito em julgado.
Não lhe assiste razão.
A alegação veiculada pelo INSS, concernente ao recebimento da apelação no duplo efeito, não se coloca na hipótese dos autos.
A regra geral prevista no caput do art. 1.012 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a apelação terá efeito suspensivo”, é excepcionada no § 1.º desse mesmo dispositivo legal, cujo inciso V expressamente determina que, “além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que confirma, concede ou revoga tutela provisória”.
Não impedem, os recursos, a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão em sentido diverso, "se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso" (CPC, art. 995, parágrafo único).
Neste caso, em que o recurso é interposto pelo INSS, não há nem urgência nem evidência para que se conceda o efeito suspensivo. Pelo contrário, a urgência serve à parte autora, já que o benefício previdenciário é considerado verba alimentar.
Rejeita-se, portanto, a matéria preliminar em questão.
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E DO AUXÍLIO-DOENÇA
Os requisitos da aposentadoria por invalidez encontram-se preceituados nos arts. 42 e seguintes da Lei n.° 8.213/91, consistindo, mais precisamente, na presença da qualidade de segurado, na existência de incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do cumprimento da carência, quando exigida.
O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos nos art. 59 e seguintes do mesmo diploma legal, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
Excepcionalmente, com base em entendimento jurisprudencial consolidado, admite-se a concessão de tais benefícios mediante comprovação pericial de incapacidade parcial e definitiva para o desempenho da atividade laborativa, que seja incompatível com a ocupação habitual do requerente e que implique em limitações tais que restrinjam sobremaneira a possibilidade de recolocação no mercado de trabalho, diante das profissões que exerceu durante sua vida profissional (STJ: AgRg no AREsp 36.281/MS, rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, 6.ª Turma, DJe de 01/03/2013; e AgRg no AREsp 136474/MG, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 1.ª Turma, DJe de 29/06/2012).
Imprescindível, ainda, o preenchimento do requisito da qualidade de segurado, nos termos dos arts. 11 e 15, ambos da Lei de Benefícios.
"Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício, exceto auxílio-acidente; (Redação dada pela Lei n.° 13.846, de 2019)
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos."
A perda da qualidade de segurado, portanto, ocorrerá no 16.º dia do segundo mês seguinte ao término do prazo fixado no art. 30, II, da Lei n.º 8.212/91, salvo na hipótese do § 1.º do art. 102 da Lei n.º 8.213/91 – qual seja, em que comprovado que a impossibilidade econômica de continuar a contribuir decorreu da incapacidade laborativa.
Registre-se que, perdida a qualidade de segurado, imprescindível a existência de, pelo menos, seis meses de recolhimento, para que seja considerado novamente filiado ao regime, nos exatos termos do art. 27-A da Lei de Benefícios.
Por fim, necessário o cumprimento do período de carência, nos termos do art. 25 dessa mesma lei, a saber:
“Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no artigo 26:
I – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;”
Em casos específicos, em que demonstrada a necessidade de assistência permanente de outra pessoa, possível, ainda, com base no art. 45 da Lei de Benefícios, o acréscimo de 25% ao valor da aposentadoria por invalidez porventura concedida.
DO CASO DOS AUTOS
Objetivando comprovar a qualidade de segurado, a parte autora juntou cópia de sua CTPS, comprovantes de pagamento de guias de recolhimentos previdenciários, bem como extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), sendo que a parte autora possui duas inscrições NIT (n.º 108.95624.39-4 e n.º 119.59317.13-4), dos quais se infere vínculos empregatícios nos períodos de 05/02/1980 sem data de término, 10/07/1985 a 08/08/1985, 16/07/1987 a 09/04/1987, 10/02/1988 a 23/03/1988, 01/06/1989 a 01/03/1990, como contribuinte individual e facultativo nas competências de agosto/2003, dezembro/2003, fevereiro/2004, junho/2004 a julho/2004, setembro/2004 a novembro/2004, janeiro/2005 a dezembro/2005, outubro/2005 a abril/2007, fevereiro/2009 a setembro/2009, agosto/2011 a fevereiro/2012, outubro/2012 a dezembro/2012, janeiro/2013 a junho/2013, maio/2018 a junho/2018, e julho/2018 a fevereiro/2019, bem como que recebeu o benefício de auxílio-doença previdenciário NB 603.156.471-1 no período de 04/01/2013 a 14/06/2018 (Id. 268332776).
Foram apresentados requerimentos administrativos em 05/03/2012 e 07/01/2013. O primeiro foi indeferido em razão da ausência de constatação da incapacidade laborativa e o segundo em razão de que a incapacidade constatada é anterior ao reinício das contribuições previdenciárias (fs. 14-15, Id. 268332739).
No que concerne à incapacidade, a perícia médica realizada em 01/11/2017 concluiu ser, a parte autora, portadora de síndrome do túnel do carpo bilateral e discopatia lombar. Considerou-a incapacitada para o trabalho de forma total e temporária para sua ocupação habitual, de faxineira, sem nexo laboral, com data de início da doença no ano de 2008. Fixou a data de início da incapacidade na data do exame pericial (Id. 268332759).
A requerente acostou documentação médica, destacando-se laudo médico relatando síndrome do túnel do carpo bilateral (CID-10: G56.0), lombalgia (CID-10: M54.5), transtorno interno no joelho direito e esquerdo (CID-10: M23.9), síndrome do manguito rotador direito (CID-10: M75.5) e dor em membro (CID-10: M79.6), consignando ainda a realização de procedimento cirúrgico para tratamento da síndrome do túnel do carpo na mão esquerda em dezembro/2012, datado de 04/01/2013;
Em que pese a perícia judicial tenha fixado a data de início da incapacidade na data da perícia, realizada em 01/11/2017, considerando que o perito consignou que a data de início da doença se deu em 2008, corroborado pelas datas da documentação médica trazida aos autos, cabível concluir que a parte autora já se considerava incapacitada no momento em que apresentou o requerimento administrativo, porquanto identificada, àquele tempo, as mesmas moléstias incapacitantes que a afligiam na data fixada pela perícia judicial.
Ainda, resta demonstrada a inocorrência da perda da qualidade de segurado, nos termos do art. 15, inciso II, da Lei n.º 8.213/91, tendo em vista as contribuições da parte autora e o gozo do benefício NB 603.156.471-1.
Demonstrou, outrossim, ter atendido à exigência legal de recolhimento de 12 contribuições previdenciárias para ensejar direito ao restabelecimento do benefício vindicado.
Desse modo, constatada a incapacidade total e temporária para o exercício de sua atividade habitual, o conjunto probatório restou suficiente para reconhecer o direito da parte autora ao restabelecimento do benefício NB 603.156.471-1, desde a data da indevida cessação.
E, em relação ao pedido de intimação do INSS para que substitua o benefício de auxílio-doença previdenciário por benefício de natureza acidentário, não assiste razão ao INSS, tendo em vista que o laudo pericial expressamente consignou a ausência de nexo causal entre a ocupação da parte autora e a moléstia incapacitante.
Nesse contexto, não havendo argumentos aptos a alterar a sentença combatida, de rigor sua manutenção, nos exatos termos prolatados pelo juízo a quo.
À vista do quanto previsto no art. 85 do Código de Processo Civil, sendo o caso de julgado ilíquido, o percentual da referida verba deverá ser fixado a posteriori, com observância tanto ao previsto no inciso II do § 4.º do aludido dispositivo do diploma processual quanto à tese firmada pelo STJ no julgamento do tema 1.076 (REsp 1.850.512/SP), publicada em 31/5/2022, para os casos em que o valor da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados, ocasião em que assentado pela E. Corte Superior que “apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo”.
Quanto à base de cálculo da verba honorária, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Recursos Especiais Representativos de Controvérsia de n.º 1.883.715/SP, n.º 1.883.722/SP e n.º 1.880.529/SP (Tema n. 1.105), fixou a seguinte tese: “Continua eficaz e aplicável o conteúdo da Súmula 111/STJ (com a redação modificada em 2006), mesmo após a vigência do CPC/2015, no que tange à fixação de honorários advocatícios”. Desse modo, o percentual a ser fixado a título de verba honorária deverá incidir sobre as parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito da parte autora.
Na hipótese em que o benefício previdenciário objeto do trânsito em julgado é concedido no acórdão que reforma anterior sentença de improcedência, a base de cálculo dos honorários advocatícios deve abranger o valor da condenação vencido até tal momento (STJ, AgInt nos EDcl no REsp n. 1.913.756/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, j. 16/8/2021; REsp n. 1.831.207/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 2/11/2019; AgRg nos EDcl no AREsp n. 155.028/SP, Re. Min. Mauro Campbell Marques, j. 18/10/2012; AgRg no REsp n. 1.557.782/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 17/12/2015, DJe de 18/12/2015; TRF3, 8.ª Turma, AI n.º 5010007-72.2022.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Newton De Lucca, j. 04/10/2022).
Nos termos do art. 4.º, inciso I, da Lei Federal n.º 9.289/1996, o INSS está isento do pagamento de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal, assim como o está naquelas aforadas na Justiça do estado de São Paulo, por força do art. 6.º da Lei Estadual n.º 11.608/2003, c. c. o art. 1.º, § 1.º, da mesma Lei n.º 9.289/1996, circunstância que não o exime, porém, de arcar com as custas e as despesas processuais em restituição à parte autora, em decorrência da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Já no que diz respeito às ações propostas perante a Justiça do estado de Mato Grosso do Sul, as normativas que tratavam da aludida isenção (Leis Estaduais n.º 1.135/91 e n.º 1.936/98) restaram revogadas a partir da edição da Lei Estadual n.º 3.779/09 (art. 24, §§ 1.º e 2.º), pelo que, nos feitos advindos daquela Justiça Estadual, de rigor a imposição à autarquia previdenciária do pagamento das custas processuais, exigindo-se o recolhimento apenas ao final da demanda, caso caracterizada a sucumbência.
Posto isso, rejeito a questão preliminar e nego provimento à apelação do INSS.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA PREVIDENCIÁRIO. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA RECONHECIDA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Satisfeitos os requisitos legais previstos no art. 59 da Lei n° 8.213/91 - quais sejam, qualidade de segurado, incapacidade total e temporária e cumprimento do período de carência (12 meses) - é de rigor a concessão do auxílio-doença.
- Necessária a contextualização do indivíduo para a aferição da incapacidade laborativa. Os requisitos insertos no artigo 42, da Lei de Benefícios, devem ser observados em conjunto com as condições sócio-econômica, profissional e cultural do trabalhador.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.
