
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0020173-06.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: ANA ROSA DE MORAES GUIMARAES
Advogado do(a) APELANTE: ANTONIO MARIO DE TOLEDO - SP47319-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0020173-06.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: ANA ROSA DE MORAES GUIMARAES
Advogado do(a) APELANTE: ANTONIO MARIO DE TOLEDO - SP47319-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR):
Trata-se de ação ajuizada em 13/12/13 em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à concessão de aposentadoria por invalidez, ou alternativamente, auxílio doença, ou, ainda, do benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de serpessoa portadora de deficiência
e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, além de abono anual. Pleiteia, ainda, a fixação do termo inicial na data da citação.Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
Contra a R. sentença de improcedência proferida em 13/2/17, foi interposta apelação pela demandante e, após a juntada das contrarrazões do INSS, os autos foram encaminhados a este Tribunal, o qual, em 23/10/17, deu parcial provimento ao recurso para anular a R. sentença, em razão da ocorrência de hipótese de julgado citra petita, por não haver sido apreciado o pedido de benefício assistencial, tendo sido determinado o retorno dos autos à Vara de Origem para a produção do estudo social e intimação do Ministério Público para manifestação.
Após o retorno dos autos à Vara Única da Comarca de Brodowski/SP, foi realizada a perícia social, com a juntada do respectivo laudo socioeconômico.
Novo decisum de improcedência foi proferido em 16/8/18, tendo sido acolhido por esta Corte, em 3/6/19, o requerimento de nulidade do julgado, efetuado novamente pelo órgão ministerial, pela ausência de manifestação do Parquet em primeira instância, ficando prejudicada a análise da apelação da demandante.
Parecer do Ministério Público Estadual acostado a fls. 294/298 (id. 123625574 – págs. 20/24)
O Juízo a quo, em 27/8/19, julgou
improcedentes
os pedidos, sob o fundamento da ausência de comprovação dos requisitos da incapacidade laborativa e da hipossuficiência. Condenou a requerente ao pagamento de demandante de honorários advocatícios da parte adversa, fixados estes em 10% sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade.Inconformada, apelou a parte autora, sustentando em síntese:
- a comprovação da qualidade de segurada, não sendo exigida a carência, em relação à patologia da qual é portadora, conforme o disposto no art. 26 da Lei nº 8.213/91;
- a existência de incapacidade total e permanente para o exercício de qualquer atividade laboral, insuscetível de reabilitação profissional, consoante suas condições pessoais, avaliadas em conjunto com a moléstia estigmatizante, suas peculiaridades e implicações, dificultando seu acesso ao mercado de trabalho e
- o preenchimento do requisito da hipossuficiência.
- Requer a reforma da R. sentença, para julgar procedente o pedido, concedendo a aposentadoria por invalidez ou o auxílio doença desde a citação, ou, ainda, alternativamente, o benefício assistencial.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal a fls. 332/431 (id. 132159218 – págs. 1/4) opinando pelo desprovimento do recurso, mantendo-se integralmente a R. sentença.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0020173-06.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: ANA ROSA DE MORAES GUIMARAES
Advogado do(a) APELANTE: ANTONIO MARIO DE TOLEDO - SP47319-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR):
Inicialmente, com relação aos benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio doença, nos exatos termos do art. 42 da Lei nº 8.213/91, in verbis:
"A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
§ 1º A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.
§ 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão."
Com relação ao auxílio doença, dispõe o art. 59, caput, da referida Lei:
"O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos."
Dessa forma, depreende-se que os requisitos para a concessão da aposentadoria por invalidez compreendem:
a)
o cumprimento do período de carência, quando exigida, prevista no art. 25 da Lei n° 8.213/91;b)
a qualidade de segurado, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios ec)
incapacidade definitiva para o exercício da atividade laborativa. O auxílio doença difere apenas no que tange à incapacidade, a qual deve ser temporária.No que tange ao recolhimento de contribuições previdenciárias, devo ressaltar que, em se tratando de segurado empregado, tal obrigação compete ao empregador, sendo do Instituto o dever de fiscalização do exato cumprimento da norma. Essas omissões não podem ser alegadas em detrimento do trabalhador que não deve - posto tocar às raias do disparate - ser penalizado pela inércia alheia.
Importante deixar consignado, outrossim, que a jurisprudência de nossos tribunais é pacífica no sentido de que não perde a qualidade de segurado aquele que está impossibilitado de trabalhar, por motivo de doença incapacitante.
Feitas essas breves considerações, passo à análise do caso concreto.
In casu, encontra-se acostado aos autos os extratos de consulta realizada no "CNIS – Cadastro Nacional de Informações Sociais", juntados a fls. 53/55 (id. 123625572 – págs. 49/51), no qual constam o registro de atividade no período de 1º/12/97 a dezembro/97, bem como a inscrição como contribuinte individual, com recolhimentos de contribuições no período de janeiro/00 a novembro/00, e como facultativa, com recolhimentos no período de novembro/12 a setembro/13 (fls. 19/30 - id. 123625572 – págs. 15/26). A presente ação foi ajuizada em 13/12/13.
Outrossim, para a comprovação da
incapacidade
foi realizada perícia na área de clínica médica em 9/9/14, tendo sido elaborado o respectivo parecer técnico pelo Perito e juntado a fls. 75/82 (id. 123625572 - págs. 71/78). Afirmou o esculápio encarregado do referido exame, com base no exame físico e análise da documentação médica dos autos, que a autora de 45 anos, faxineira e grau de instrução 5ª série do ensino fundamental, é portadora do vírus HIV (sorologia para HIV positivo em 27/3/03), estabilizada há cerca de 10 (dez) anos pelo tratamento realizado, concluindo que "existe incapacidade parcial e permanente para as atividades onde a parte autora possa transmitir o vírus da HIV para terceiros e onde ela esteja exposta a agentes patogênicos. Ela reúne condições para continuar a desempenhar as atividades laborativas de faxineira que desempenhava, assim como outras compatíveis com suas limitações e condições físicas" (fls. 82 – id. 123625572 – pág. 78).Por sua vez, no laudo pericial de fls. 137/141 (id. 123625572 – pág. 134/), cuja perícia médica psiquiátrica foi realizada em 17/8/16, asseverou o expert que as patologias apresentadas HIV (CID10 B24.0) e quadro fóbico ansioso (CID10 F40.9) encontram-se controladas com o tratamento instituído, enfatizando que "apresenta quadro ansioso com bom prognóstico, que atualmente a pericianda vem em uso correto do tratamento farmacológico, que não se observa a ocorrência de efeitos colaterais intoleráveis, que no momento da entrevista ou nos 06 meses anteriores à entrevista pericial não houve mudança no tratamento ou períodos de instabilidade ou descompensação da doença, por fim, diante o exame do estado mental objetivo realizado, é possível afirmar que a pericianda em tela apresenta-se capaz para o desempenho das funções laborais
Assim sendo, não comprovando a parte autora a alegada incapacidade laborativa, não há como possa ser deferido o auxílio doença ou a aposentadoria por invalidez.
Deixo consignado que entre o laudo do perito oficial e os atestados e exames médicos apresentados pela própria parte autora, há que prevalecer o primeiro, tendo em vista a equidistância, guardada pelo Perito nomeado pelo Juízo, em relação às partes.
Passo, então, ao exame dos requisitos para a concessão do benefício assistencial.
Dispõe o art. 203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de 7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover, por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "
A incapacidade para prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da incapacidade para a vida
independente
, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o
Recurso Extraordinário nº 567.985/MT
, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento
.
"(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no
Recurso Especial Repetitivo Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9)
, in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09, v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro
benefício assistencial
, nada impede que se interprete a lei atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido:basta que seja no valor de um salário mínimo
. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários, além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de 05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
No tocante à alegada deficiência, esta não ficou comprovada nos autos, consoante os resultados das perícias judiciais mencionadas.
Com relação à miserabilidade, o estudo social (elaborado em 20/4/18, data em que o salário mínimo era de R$ 954,00) demonstra que a autora de 48 anos, trabalhando na função de diarista como avulsa e temporária, reside com o marido Alvino Guimarães de 55 anos, pedreiro avulso temporário, em casa térrea própria, ainda em acabamento, há cerca de aproximadamente 10 (dez) anos, construída em blocos de concreto e tijolos baianos, a parte externa sem reboco ou pintura, com telhado Eternit, com piso frio e outras partes no contra piso, constituída por 7 cômodos, sendo 2 quartos, sala, cozinha, banheiro, lavanderia e varanda, e guarnecida por móveis e eletrodomésticos básicos, além de máquina de lavar roupa e tanquinho, todos em bom estado de conservação. Possui ainda um automóvel Kadet, duas portas, marca Chevrolet, ano 1992, em regular estado. A renda mensal do núcleo familiar é proveniente da remuneração recebida pelo marido na função de pedreiro avulso sem vínculo empregatício, no valor médio de R$ 1.500,00 e do trabalho como diarista autônoma da requerente, no montante de R$ 1.000,00. Os gastos mensais totalizam R$ 2.1903,00, sendo R$ 50,00 em água/esgoto, R$ 60,00 em energia elétrica, R$ 80,00 em gás de cozinha, R$ 106,00 em recolhimentos ao INSS como autônoma (autora), R$ 157,00 em convênio médico (autora), R$ 35,00 em funerária, R$ 200,00 em combustível / transporte, R$ 60,00 em IPTU/atrasado, R$ 1.200,00 em alimentação, R$ 120,00 em prestação de vestuário/outros, R$ 72,00 em farmácia e R$ 50,00 em telefonia. Afirmou a assistente social ser a renda mensal do núcleo familiar suficiente para a manutenção de suas necessidades essenciais.
Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, não ficou demonstrada a situação de hipossuficiência do núcleo familiar.
Há que se observar, ainda, que a assistência social a ser prestada pelo Poder Público possui caráter subsidiário, restrita às situações de total impossibilidade de manutenção própria ou por meio da família, não sendo possível ser utilizado o benefício assistencial como complementação de renda.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora.
É o meu voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO DOENÇA OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUSÊNCIA DE CONSTATAÇÃO DA INCAPACIDADE LABORATIVA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. CONJUNTO PROBATÓRIO. MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO AMPARO SOCIAL COMO COMPLEMENTO DE RENDA.
I- Entre os requisitos previstos na Lei de Benefícios (Lei nº 8.213/91), faz-se mister a comprovação da incapacidade permanente da parte autora - em se tratando de aposentadoria por invalidez - ou temporária, no caso de auxílio doença.
II- In casu, para a comprovação da incapacidade, foram realizadas perícias médicas nas áreas de clínica médica e psiquiátrica, tendo sido atestada em ambas a existência de capacidade para o desempenho da atividade laborativa habitual de faxineira, demonstrando, inclusive, que continua trabalhando.
III- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
IV- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, não ficou demonstrada a hipossuficiência do núcleo familiar. O estudo social revela que a autora de 48 anos, trabalhando na função de diarista como avulsa e temporária, reside com o marido Alvino Guimarães de 55 anos, pedreiro avulso temporário, em casa térrea própria, ainda em acabamento, há cerca de aproximadamente 10 (dez) anos, construída em blocos de concreto e tijolos baianos, a parte externa sem reboco ou pintura, com telhado Eternit, com piso frio e outras partes no contra piso, constituída por 7 cômodos, sendo 2 quartos, sala, cozinha, banheiro, lavanderia e varanda, e guarnecida por móveis e eletrodomésticos básicos, além de máquina de lavar roupa e tanquinho, todos em bom estado de conservação. Possui ainda um automóvel Kadet, duas portas, marca Chevrolet, ano 1992, em regular estado. A renda mensal do núcleo familiar é proveniente da remuneração recebida pelo marido na função de pedreiro avulso sem vínculo empregatício, no valor médio de R$ 1.500,00 e do trabalho como diarista autônoma da requerente, no montante de R$ 1.000,00. Os gastos mensais totalizam R$ 2.1903,00, sendo R$ 50,00 em água/esgoto, R$ 60,00 em energia elétrica, R$ 80,00 em gás de cozinha, R$ 106,00 em recolhimentos ao INSS como autônoma (autora), R$ 157,00 em convênio médico (autora), R$ 35,00 em funerária, R$ 200,00 em combustível / transporte, R$ 60,00 em IPTU/atrasado, R$ 1.200,00 em alimentação, R$ 120,00 em prestação de vestuário/outros, R$ 72,00 em farmácia e R$ 50,00 em telefonia. Afirmou a assistente social ser a renda mensal do núcleo familiar suficiente para a manutenção de suas necessidades essenciais.
V- Há que se observar, ainda, que a assistência social a ser prestada pelo Poder Público possui caráter subsidiário, restrita às situações de total impossibilidade de manutenção própria ou por meio da família, não sendo possível ser utilizado o benefício assistencial como complementação de renda.
VI- Apelação da parte autora improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
