Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5286189-62.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
24/09/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 30/09/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA.REABILITAÇÃO PROFISSIONAL DESNECESSÁRIA.
DURAÇÃO DO BENEFÍCIO.
- Somente o segurado em gozo de auxílio-doença, insuscetível de recuperação para sua
atividade habitual, deverá ser submetido a processo de reabilitação profissional para o exercício
de outra atividade, a teor do artigo 62, da Lei n. 8.213/1991.
- O §8º doartigo 60 da Lei n. 8.213/1991 prevê a possibilidade de fixação de prazo estimado para
a duração do auxílio-doença.A norma estabelece, ainda, que, se não for fixado um prazo pelo
juiz, o benefício cessará após o decurso do lapso de 120 (cento e vinte) dias, exceto se houver
pedido administrativode prorrogação (artigo60, § 9º, da Lei n. 8.213/1991).
- Apelação parcialmente provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5286189-62.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELADO: SOLANGE PACHECO DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: GIOVANA HELENA VIEIRA RIBEIRO NEGRIJO - SP263891-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5286189-62.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SOLANGE PACHECO DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: GIOVANA HELENA VIEIRA RIBEIRO NEGRIJO - SP263891-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação interposta em face da sentença,não submetida ao reexame necessário,que
julgou procedente o pedido de auxílio-doença, desde a cessação administrativa e mantido pelo
menos até 7/3/2020,discriminados os consectários legais e antecipados os efeitos da tutela.
A autarquia requer, inicialmente, o recebimento do recurso com efeito suspensivo.
Ao reportar-se ao mérito, requer a reforma parcial do julgado no tocante à duração do benefício.
Sustenta a legalidade da alta programada e a desnecessidade de imposição de reabilitação
profissional à parte autora, em razão do caráter transitório do auxílio-doença.
Ofertadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
Em petição intercorrente, a parte autora noticia a previsão de cessação do auxílio-doençae
requerseja determinado o cancelamento da perícia administrativa, bem como determinada a
impossibilidade de cancelamento do benefício.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5286189-62.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SOLANGE PACHECO DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: GIOVANA HELENA VIEIRA RIBEIRO NEGRIJO - SP263891-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Conheço da apelação, porquanto presentes os requisitos de admissibilidade.
Discute-se nos autos o preenchimento dos requisitos para a concessão de benefício por
incapacidade à parte autora.
A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da
Seguridade Social, especialmente no artigo 201, I, da CF/1988, com a redação dada pela
Emenda Constitucional n. 20/1998, que tem o seguinte teor:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter
contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e
atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e
idade avançada (...)”.
Já a Lei n. 8.213/1991, aplicando o princípio da distributividade (artigo 194, parágrafo único, III, da
CF/1988), estabelece as condições para a concessão desse tipo de benefício.
A aposentadoria por invalidez, segundo a dicção do artigo 42 da Lei n. 8.213/1991, é devida ao
segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz para o
trabalho, de forma omniprofissional, e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade
que lhe garanta a subsistência.
O auxílio-doença é devido a quem ficar temporariamente incapacitado, à luz do disposto no artigo
59 da mesma lei, mas a incapacidade se refere "não para quaisquer atividades laborativas, mas
para aquela exercida pelo segurado (sua atividade habitual)" (Direito da Seguridade Social,
Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, Livraria do Advogado e Esmafe, Porto Alegre, 2005,
p. 128).
Assim, o evento determinante para a concessão desses benefícios é a incapacidade para o
trabalho.
São requisitos para a concessão desses benefícios: a qualidade de segurado, a carência de doze
contribuições mensais, quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma permanente e
insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (
aposentadoria por invalidez) e a incapacidade temporária (auxílio-doença), bem como a
demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime
Geral da Previdência Social.
Caso reconhecida a incapacidade apenas parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as
condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez ou de
auxílio-doença. Pode, ainda, conceder auxílio-acidente, na forma do artigo 86 da Lei n.
8.213/1991, se a parcial incapacidade decorre de acidente de trabalho, ou de qualquer natureza,
ou ainda de doença profissional ou do trabalho (artigo 20, I e II, da mesma lei).
O reconhecimento da incapacidade, total ou parcial, depende da realização de perícia médica,
por perito nomeado pelo Juízo, nos termos do Código de Processo Civil. Contudo, o juiz não está
adstrito unicamente às suas conclusões, podendo valer-se de outros elementos pessoais,
profissionais ou sociais para a formação de sua convicção, desde que constantes dos autos.
Alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização são pertinentes a esse tema:
Súmula 33 da TNU: Quando o segurado houver preenchido os requisitos legais para a concessão
da aposentadoria por tempo de serviço na data do requerimento administrativo, esta data será o
termo inicial da concessão do benefício.
Súmula 47 da TNU: Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve
analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por
invalidez.
Súmula 53 da TNU: Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a
incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de
Previdência Social.
Súmula 77 da TNU: O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando
não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual.
No caso dos autos, a controvérsia recursal cinge-se à duração do benefício eà imposição de
reabilitação profissional à autora, pois os requisitos para a concessão do benefício estão
cumpridos e não foram impugnados nas razões da apelação.
A perícia médica judicial, realizada em 7/3/2019, constatou a incapacidade laboral total e
temporária da autora (nascida em 1976), por ser portadora de neoplasia maligna de ovário.
O perito fixou a data de início da incapacidade (DII) em janeiro de 2019e estimou prazo de doze
meses para tratamento e eventual recuperação da capacidade laboral.
Ele esclareceu:
"A requerente comprovou através de relatórios médicos, exames complementares e prontuários o
diagnóstico de neoplasia maligna de ovário. Segundo fls 28 a requerente foi submetida a
tratamento cirúrgico (histerectomia total e ooforectomia bilateral). Após o procedimento cirúrgico a
requerente foi submetida a sessões de quimoterapia conforme fls 27.
Após a cirurgia e quimioterapia a requerente manteve acompanhamento médico no hospital das
clínicas em Ribeirão Preto.
A requerente apresentou no momento da perícia um exame laboratorial (CEA) ainda alterado
(item 7). Este é um marcador tumoral utilizado para avaliar o controle da doença. Segundo seu
relato, a requerente ainda aguarda novos exames. Assim a requerente comprova que ainda não
teve alta definitiva do seu tratamento.
Ao exame físico a requerente não apresentou grandes alteraçõesmas comprovou seu tratamento.
Apresentou-se com crise hipertensiva e humor discretamente hipotímico.
A requerente exercia a atividade de mototaxista autônoma. Esta é uma atividade que demanda
esforços físicos moderados e, a doença da requerente, gera incapacidade.
A doença da requerente é passível de cura então sua incapacidade é temporária.
Quanto à data da incapacidade podemos definir como sendo Janeiro de 2019 que é a data da
cessação do seu último benefício conforme fls 21. 4.
Conclusão:
Após a perícia podemos concluir que a requerente atualmente está incapacitada total e
temporariamente para suas atividades profissionais desde Janeiro de 2019. Sugere-se 12 meses
de afastamento a partir desta data."
Lembro, por oportuno, que o magistrado não está adstrito ao laudo pericial. Contudo, os demais
elementos de prova não autorizam convicção em sentido diverso.
Primeiramente, cabe destacar que a perícia apontou a incapacidade laboral temporária da parte
autora, compossibilidade de reversão do seu quadro clínico da autora. Nesse passo,afigura-se
desnecessáriaa imposição de procedimento de reabilitação profissional pois, tão logo
restabelecida sua capacidade laboral, a autorapoderá voltar a exercer suas atividades laborais
habituais.
À luz do artigo 62 daLei n.8.213/1991, somente o segurado em gozo de auxílio-doença,
insuscetível de recuperação para a sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de
reabilitação profissional para o exercício de outra atividade, o que não é o caso dos autos.
Com relação à duração do benefício, necessário fazer algumas considerações.
Nos termos dos artigos 101, da Lei n. 8.213/1991 e 71, da Lei n. 8.212/1991, o benefício de
auxílio-doença tem caráter temporário, de modo que a autarquia previdenciária não está impedida
de reavaliar em exame médico as condições laborais do segurado.
Ocorre que a legislação pátria promoveu importante inovação no benefício de auxílio-doença,
especialmente quanto à fixação de data de cessação do benefício.
A jurisprudência desta Corte era pela impossibilidade de o juiz estabelecer um prazo peremptório
para o recebimento do benefício por incapacidade, sob o fundamento de que, com base na Lei n.
8.213/1991, o benefício deveria ser concedido até que fosse constatada, mediante nova perícia, a
recuperação da capacidade laborativa do segurado. A chamada "alta programada" não possuía
base legal que lhe conferisse amparo normativo.
Entretanto, com a publicação das Medidas Provisórias n. 739, de 7/7/2016, e n. 767, de 6/1/2017
(convertida na Lei n. 13.457/2017), conferiu-se tratamento diverso à matéria, com amparo
normativo à alta programada.
Tais inovações previram que o juiz, ao conceder o auxílio-doença, deve, "sempre que possível",
fixar o prazo estimado para a duração do benefício. Fixado o prazo, o benefício cessará na data
prevista, salvo se o segurado requerer a prorrogação do auxílio-doença, hipótese em que o
benefício deverá ser mantido até a realização de nova perícia.
A norma estabelece, ainda, que, se não for fixado um prazo pelo juiz, o benefício cessará após o
decurso do lapso de cento e vinte dias, exceto se houver pedido de prorrogação.
Confiram-se os parágrafos incluídos no art. 60, da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 60. O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do
afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da
incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz. (Redação dada pela Lei n. 9.876, de 26.11.99)
(...).
§ 8º Sempre que possível, o ato de concessão ou de reativação de auxílio-doença, judicial ou
administrativo, deverá fixar o prazo estimado para a duração do benefício. (Incluído pela Lei n.
13.457, de 2017).
§ 9º Na ausência de fixação do prazo de que trata o § 8o deste artigo, o benefício cessará após o
prazo de cento e vinte dias, contado da data de concessão ou de reativação do auxílio-doença,
exceto se o segurado requerer a sua prorrogação perante o INSS, na forma do regulamento,
observado o disposto no art. 62 desta Lei. (Incluído pela Lei n. 13.457, de 2017)
§ 10. O segurado em gozo de auxílio-doença, concedido judicial ou administrativamente, poderá
ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram sua concessão
ou manutenção, observado o disposto no art. 101 desta Lei. (Incluído pela Lei n. 13.457, de 2017)
§ 11. O segurado que não concordar com o resultado da avaliação da qual dispõe o § 10 deste
artigo poderá apresentar, no prazo máximo de trinta dias, recurso da decisão da administração
perante o Conselho de Recursos do Seguro Social, cuja análise médica pericial, se necessária,
será feita pelo assistente técnico médico da junta de recursos do seguro social, perito diverso
daquele que indeferiu o benefício. (Incluído pela Lei n. 13.457, de 2017)."
Como se vê, a fixação de data de cessação do benefício possui, agora, amparo normativo
expresso, de modo que a lei não apenas autoriza, mas impõe que o magistrado fixe, "sempre que
possível", data para a alta programada.
Por essa razão, penso que, a princípio, o entendimento jurisprudencial consagrado nesta Corte
pela impossibilidade da fixação de data para a alta programada deve ser revisto, pois os
fundamentos que o embasavam (inexistência de previsão legal) não mais subsistem.
Por oportuno, convém destacar que a alta programada ora instituída por lei não impede a
realização de perícia para se aferir a necessidade ou não de manutenção do auxílio-doença. Ela
apenas impõe uma condição para que seja feita nova avaliação médica, qual seja, o requerimento
de prorrogação do benefício. A meu ver, trata-se de exigência razoável e que não ofende
qualquer dispositivo constitucional, não restando configurada, portanto, a alegada nulidade.
Além disso, o acréscimo do §10 ao artigo 60 de Lei 8.213/1991 veio reforçar o poder-dever que o
INSS possui de, a qualquer momento, convocar o segurado em gozo de auxílio-doença para que
seja avaliado se ainda permanece a incapacidade ensejadora do benefício.
Nesse passo, tendo em vista que a perícia médica judicial estimou o prazo de 12 (doze) meses
para tratamento da parte autora, considero que o prazo mínimo de manutenção do benefício
imposto pelo juízo de origem - até 7/3/2020 - está em consonância com a prova técnica e com o
disposto no8º do artigo60 da Lei n. 8.213/1991.
Por fim, quanto ao pedido formulado pela parte autora em petição intercorrente nada há a deferir.
A sentença garantiu a manutenção do benefício pelo prazo estipulado pelo perito. Tal prazo foi
respeitado pelo INSS para nova avaliação médica. Se há discordânciaquanto à alta médica, cabe-
lherenovar a discussão em autos próprios.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação da autarquia para afastar a imposição de
reabilitação profissional àautora.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA.REABILITAÇÃO PROFISSIONAL DESNECESSÁRIA.
DURAÇÃO DO BENEFÍCIO.
- Somente o segurado em gozo de auxílio-doença, insuscetível de recuperação para sua
atividade habitual, deverá ser submetido a processo de reabilitação profissional para o exercício
de outra atividade, a teor do artigo 62, da Lei n. 8.213/1991.
- O §8º doartigo 60 da Lei n. 8.213/1991 prevê a possibilidade de fixação de prazo estimado para
a duração do auxílio-doença.A norma estabelece, ainda, que, se não for fixado um prazo pelo
juiz, o benefício cessará após o decurso do lapso de 120 (cento e vinte) dias, exceto se houver
pedido administrativode prorrogação (artigo60, § 9º, da Lei n. 8.213/1991).
- Apelação parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
