Processo
ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO / SP
5070163-41.2018.4.03.9999
Relator(a)
Juiz Federal Convocado RODRIGO ZACHARIAS
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
25/06/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 28/06/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. AGRAVO INTERNO. IDOSO. NÃO
CARACTERIZADA MISERABILIDADE. ACESSO AOS MÍNIMOS SOCIAIS. EXERCÍCIO DE
ATIVIDADE LABORATIVA. EXISTÊNCIA DE FILHOS COM CAPACIDADE DE AUXÍLIO.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL INDEVIDO. RECURSO NÃO PROVIDO.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação
continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n.
6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- Na ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro Maurício
Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição conformada no §
3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93, conforme a ementa a seguir transcrita:
- Depois, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve o
entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE
256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3, São
Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a
presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de
comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª
Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT.,
Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
- Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão
produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe n. 225, 14/11/2013).
- A respeito do conceito de família, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e
destes em relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio
artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não
puder ser provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da solidariedade
social, conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
- O estudo social apontou que o autor vive sozinho em casa alugada, com infraestrutura simples.
Ele tem renda (declarada) de R$ 900,00, obtida pela venda de livros (entre 5 mil e 6 mil), que
inclusive são guardados em sua residência. Possui veículo próprio, um Chevete 1992. Habita com
5 cães.
- Para além, o autor possui vários filhos, inclusive um formado em química, outro aposentado do
Exército. Todos possuem o dever familiar de sustento, previsto na Constituição Federal, no artigo
229 (vide item 2).
- À vista de tais considerações, não há falar-se em vulnerabilidade social, porque tem acesso aos
mínimos sociais.
- A despeito do teor do RE n. 580963 (STF, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225,
14/11/2013, que tem repercussão geral), o benefício não pode ser concedido. Mesmo porque, se
o critério da baixa renda não é “taxativo”, pode ser levado em conta tanto para a concessão
quanto para o indeferimento do pleito.
- Agravo interno não provido.
Acórdao
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5070163-41.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: AROVENIL GOMES DE CARVALHO
Advogados do(a) APELADO: KATIA VASQUEZ DA SILVA - SP280019-N, GABRIELA NATHALI
PRADO DOS SANTOS - SP376638-N
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5070163-41.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: AROVENIL GOMES DE CARVALHO
Advogados do(a) APELADO: KATIA VASQUEZ DA SILVA - SP280019-N, GABRIELA NATHALI
PRADO DOS SANTOS - SP376638-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias:Trata-se de agravo interno interposto em
face da decisão monocrática que nos termo do artigo 932, V, “b”, do NCPC, não conheceu da
remessa oficial, conheceu da apelação e lhe deu provimento, para julgar improcedente o pedido.
Cassou a tutela provisória de urgência.
Requer, o agravante, a reforma do julgado, de modo a ser a matéria reexaminada pela Turma,
alegando que a parte autora se subsume na condição de pessoa com deficiência. Sustenta
estarem presentes os requisitos objetivo e subjetivo à concessão do benefício assistencial,
cabendo à Turma, e não ao relator monocraticamente, o julgamento do recurso.
Dada ciência ao INSS.
Contraminuta não apresentada.
É o relatório.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5070163-41.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: AROVENIL GOMES DE CARVALHO
Advogados do(a) APELADO: KATIA VASQUEZ DA SILVA - SP280019-N, GABRIELA NATHALI
PRADO DOS SANTOS - SP376638-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias:O Ministério Público não teria
legitimidade para recorrer em favor da parte autora, devidamente representada nos autos.
Seu advogado, devidamente representado, não interpôs recurso em face da decisão monocrática.
Trata-se de direito disponível, falecendo, ao final das contas, legitimidade ao Parquet, quando age
como "custos legis",para substituir a parte na insurgência recursal, em hipótese de legitimação
extraordinária não admitida na Constituição Federal.
Nesse diapasão:
AGRAVO INTERNO. PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESCISÓRIA. MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL. ILEGITIMIDADE RECURSAL. RENÚNCIA A BENEFÍCIO PARA
OBTENÇÃO DE OUTRO MAIS VANTAJOSO. JULGADO RESCINDIDO. INEXIGIBILIDADE DE
DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. BOA-FÉ. AGRAVO DO MPF. NÃO CONHECIDO.
AGRAVO DO RÉU. PROVIDO. 1. Embora personalíssimo, o direito a benefício previdenciário é
disponível. O segurado, embora pessoa idosa, é capaz e se encontra devidamente representado
por advogado constituído, não se evidenciando interesse público, social ou individual indisponível
a justificar a intervenção recursal do Ministério Público Federal. 2. Há orientação firmada por esta
3ª Seção no sentido de que, exceto comprovada má-fé, é indevida a devolução dos valores
recebidos a maior pelo segurado em decorrência do cumprimento de provimento judicial
transitado em julgado que venha a ser rescindido. 3. Agravo interno do Ministério Público Federal
não conhecido. 4. Agravo interno do réu provido para, em reforma da monocrática exarada, julgar
improcedente o pedido para devolução dos valores recebidos por força do julgado rescindido,
restando revogada a autorização para desconto dos valores recebidos por força do julgado
rescindido e determinada a devolução dos valores eventualmente já descontados do segurado,
acrescidos de juros de mora, contados da data deste julgamento, e correção monetária, desde a
data de cada vencimento, calculados de acordo com o Manual de Cálculos e Procedimentos da
Justiça Federal, naquilo em que não conflitar com o decidido pelo Plenário do e. Supremo
Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n.º 870.947/SE (AR 00068598520154030000, AR -
AÇÃO RESCISÓRIA – 10332, Relator(a), DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO,
TRF3, TERCEIRA SEÇÃO, Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/12/2017
..FONTE_REPUBLICACAO).
Forçoso acrescentar que o próprio Ministério Público Federal deixa de se manifestar em um sem
número de casos, em que se discute a concessão de benefício assistencial, seja em ações
movidas por idosos, seja por movidas por pretendentes à condição de pessoas com deficiência.
Elenco alguns poucos casos, obtidos em pesquisa rápida no próprio sistema (GEDPRO) usado
pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em que fui eu próprio o relator:
- 2017.03.99.034104-3
- 2017.03.99.022014-8
- 2007.61.09.011495-0
- 2016.03.99.040537-5
- 2015.61.04.002294-1
Enfim, incabível é a tutela do Ministério Público para direitos individuais disponíveis.
Contudo, em tributo à colegialidadee em respeito à jurisprudência desta Egrégia Nona Turma,
conheço do recurso do Ministério Público Federal, registrada a ressalva de entendimento pessoal.
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos
Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.
1.DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
A respeito do requisito objetivo, o tema foi levado à apreciação do Pretório Excelso por meio de
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pelo Procurador Geral da República, quando,
em meio a apreciações sobre outros temas, decidiu que o benefício do art. 203, inciso V, da CF
só pode ser exigido a partir da edição da Lei n.° 8.742/93.
Trata-se da ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro
Maurício Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição
conformada no § 3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93, conforme a ementa a seguir transcrita:
Posteriormente, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve
o entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE
256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3, São
Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a
presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de
comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª
Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT.,
Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão
produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no
indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita
seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da
Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas
assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita
de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos
Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da
Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional
de Acesso à Alimentação).
Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como
absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado
Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como
a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a
prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Sendo assim, ao menos desde 14/11/2013 (RE 580963), o critério da miserabilidade do § 3º do
artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de
identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem
presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com
educação.
Nesse diapasão, apresento alguns parâmetros razoáveis, norteadores da análise individual de
cada caso:
a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis;
b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo
são miseráveis;
c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser
miseráveis;
d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da
Constituição Federal) não são miseráveis.
No mais, a mim me parece que, em todos os casos, outras circunstâncias diversas da renda
devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente também se subsume à
noção de hipossuficiência. Vale dizer, é de ser apurado se o interessado possui poupança, se
vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, plano
de saúde, auxílio permanente de parentes ou terceiros etc.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
2.CONCEITO DE FAMÍLIA
Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência,
faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os
conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o
mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida
independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um
quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93,
estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela
composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Ao mesmo tempo, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e destes em
relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V,
da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder ser
provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da solidariedade social,
conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
O que quero dizer é que, à guisa de regra mínima de coexistência entre as pessoas em
sociedade, a técnica de proteção social prioritária é a família, em cumprimento ao disposto no
artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: " Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os
filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência
ou enfermidade."
A propósito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao
analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a
tese que “o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar
demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua
manutenção”. A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao
mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93,
conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de
1988, deve ser no sentido de que “a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de
prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade
socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da
subsidiariedade”.
3.SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Por conseguinte, à vista da preponderância do dever familiar de sustento, hospedado no artigo
229 da Constituição da República, a Assistência Social, tal como regulada na Lei nº 8.742/93, terá
caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social,
previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido “Estado de bem-estar social”, forjado
no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já
haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, forçoso é reconhecer que a assistência social, a
par da dimensão social do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, do CF), só
deve ser prestada em casos de real necessidade, sob pena de comprometer – dada a crescente
dificuldade de custeio – a proteção social da coletividade, não apenas das futuras gerações, mas
também da atual.
De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um)
salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no
Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários
anos.
De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão
privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de
propiciar igualdade, isonomia de condições a todos, observados os fins sociais (não individuais)
da norma, à luz do artigo 5º da LINDB.
Diga-se de passagem que a concessão indiscriminada do benefício assistencial, mediante
interpretação extensiva ou ampliativa dos requisitos constitucionais, geraria não apenas injustiça
aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que estes parem de contribuir, ou
mesmo não se filiem ou não contribuam ao seguro social, o que constituiria situação anômala e
gravíssima do ponto de vista atuarial, apta a comprometer o custeio de todo o sitema.
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando
pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o
guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor
dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos.
Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do
conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos
sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o
Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a
dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos
da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade
da 'Rerum Novarum', p. 545).
Por fim, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social está,
em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in
verbis: “A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não
podem gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não
incentivar seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência
social estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social,
frise-se, não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade
social ou de outro regime, salvo o de assistência médica” (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in
Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
4.IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67
(sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais
recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei
n. 10.741/03).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n.
8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
5.CASO CONCRETO
Primeiramente, analiso o requisito (subjetivo) da idade avançada qualificada.
Nos termos dos documentos constantes dos autos, a parte autora possui idade superior a 65
(sessenta e cinco) anos.
Todavia, não está patenteada a miserabilidade jurídica para fins assistenciais.
O estudo social apontou que vive sozinho em casa alugada, com infraestrutura simples.
Ele tem renda (declarada) de R$ 900,00, obtida pela venda de livros (entre 5 mil e 6 mil), que
inclusive são guardados em sua residência.
Possui veículo próprio, um Chevete 1992.
Habita com 5 cães.
Ora, à vista de tais considerações, não há falar-se em vulnerabilidade social, porque claramente
tem acesso aos mínimos sociais.
A despeito do teor do RE n. 580963 (STF, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225,
14/11/2013, que tem repercussão geral), o benefício não pode ser concedido. Mesmo porque, se
o critério da baixa renda não é “taxativo”, pode ser levado em conta tanto para a concessão
quanto para o indeferimento do pleito.
Para além, o autor possui vários filhos, inclusive um formado em química, outro aposentado do
Exército. Todos possuem o dever familiar de sustento, previsto na Constituição Federal, no artigo
229 (vide item 2).
A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao analisar um
pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a tese que “o
benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os
devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção”. A decisão
aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao mérito, o relator afirmou
em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, conforme as normas
veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de 1988, deve ser no
sentido de que “a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de prestar alimentos
devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade socioeconômica (arts. 1694 e
1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da subsidiariedade”.
As regras do §§ 1º e 3º do artigo 20 da LOAS não podem ser reduzida ao critério matemático,
cabendo a aferição individual da situação socioeconômica.
Vide, no mais, o capítulo anterior deste julgado, sob a rubrica “SUBSIDIARIEDADE DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL”.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
Diante do exposto, nego provimento ao agravo.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. AGRAVO INTERNO. IDOSO. NÃO
CARACTERIZADA MISERABILIDADE. ACESSO AOS MÍNIMOS SOCIAIS. EXERCÍCIO DE
ATIVIDADE LABORATIVA. EXISTÊNCIA DE FILHOS COM CAPACIDADE DE AUXÍLIO.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL INDEVIDO. RECURSO NÃO PROVIDO.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação
continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n.
6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- Na ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro Maurício
Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição conformada no §
3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93, conforme a ementa a seguir transcrita:
- Depois, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve o
entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE
256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3, São
Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
- Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a
presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de
comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª
Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT.,
Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
- Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão
produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe n. 225, 14/11/2013).
- A respeito do conceito de família, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e
destes em relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio
artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não
puder ser provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da solidariedade
social, conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
- O estudo social apontou que o autor vive sozinho em casa alugada, com infraestrutura simples.
Ele tem renda (declarada) de R$ 900,00, obtida pela venda de livros (entre 5 mil e 6 mil), que
inclusive são guardados em sua residência. Possui veículo próprio, um Chevete 1992. Habita com
5 cães.
- Para além, o autor possui vários filhos, inclusive um formado em química, outro aposentado do
Exército. Todos possuem o dever familiar de sustento, previsto na Constituição Federal, no artigo
229 (vide item 2).
- À vista de tais considerações, não há falar-se em vulnerabilidade social, porque tem acesso aos
mínimos sociais.
- A despeito do teor do RE n. 580963 (STF, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225,
14/11/2013, que tem repercussão geral), o benefício não pode ser concedido. Mesmo porque, se
o critério da baixa renda não é “taxativo”, pode ser levado em conta tanto para a concessão
quanto para o indeferimento do pleito.
- Agravo interno não provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
