Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0008173-09.2020.4.03.6332
Relator(a)
Juiz Federal LUCIANA ORTIZ TAVARES COSTA ZANONI
Órgão Julgador
5ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
24/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 02/12/2021
Ementa
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO IDOSO - ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI N.
8742/93. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. AFERIÇÃO NO CASO CONCRETO.
JULGAMENTO DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS 567.985 E 580.963. MISERABILIDADE
NÃO DEMONSTRADA. RECURSO DA PARTE AUTORA A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
5ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0008173-09.2020.4.03.6332
RELATOR:15º Juiz Federal da 5ª TR SP
RECORRENTE: MARIA APARECIDA CUNHA VIEIRA
Advogado do(a) RECORRENTE: LUIZ HENRIQUE DA SILVA OLIVEIRA RODRIGUES -
SP441258
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0008173-09.2020.4.03.6332
RELATOR:15º Juiz Federal da 5ª TR SP
RECORRENTE: MARIA APARECIDA CUNHA VIEIRA
Advogado do(a) RECORRENTE: LUIZ HENRIQUE DA SILVA OLIVEIRA RODRIGUES -
SP441258
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A parte autora pleiteou a concessão de benefício assistencial ao idoso. Houve a elaboração de
laudo socioeconômico. O juízo singular julgou improcedente o pedido formulado na inicial.
Desta forma, recorre a parte autora pleiteando a ampla reforma da sentença.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0008173-09.2020.4.03.6332
RELATOR:15º Juiz Federal da 5ª TR SP
RECORRENTE: MARIA APARECIDA CUNHA VIEIRA
Advogado do(a) RECORRENTE: LUIZ HENRIQUE DA SILVA OLIVEIRA RODRIGUES -
SP441258
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Não assiste razão à parte recorrente.
O benefício de prestação continuada de um salário mínimo foi assegurado pela Constituição
federal nos seguintes termos:
“Art.203 - A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência
e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, conforme dispuser a lei”.
Assim, a norma constitucional estabelece como parâmetro para o exercício do direito ao
benefício assistencial a coexistência de dois pressupostos, de um lado, sob o aspecto subjetivo,
ser a pessoa idosa ou com deficiência, e de outro lado, sob o aspecto objetivo a
hipossuficiência econômica. A Lei n° 8.742, de 07.12.93, cuidou, originariamente, do Benefício
Assistencial, que veio sofrer alterações da Lei n. 12.435, de 06/07/2011, e da Lei n. 12.470, de
31/08/2011, cuja leitura deve ser feita dentro dos parâmetros da norma constitucional.
Requisito etário. A Lei n° 8.742, de 07.12.93, estabelecia na redação original do artigo 20 a
idade de 70 (setenta) anos para preenchimento do requisito etário. Contudo, a idade a ser
considerada foi reduzida para 65 (sessenta e cinco) anos de idade - artigo 33 da Lei n.
10.741/03 -, idade mantida com a nova redação do artigo 20.
Requisito dahipossuficiênciaeconômica. A lei exige para a concessão do benefício assistencial
que a renda mensal da família per capita seja inferior a um quarto do salário mínimo.
Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade do dispositivo legal
na ADIN nº. 1.232/DF, o que não impediu, contudo, que a exigência legal fosse mitigada
considerando as peculiaridades do caso concreto. A Corte Suprema pronunciou-se
recentemente acerca do tema, nos julgamentos dos Recursos Extraordinários nºs. 567.985 e
580.963, proferidos dentro da sistemática da repercussão geral, onde restou assentada não só
a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia do parágrafo 3° do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993
(RE n. 567.985/MS), mas também a declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia
de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/2003 (RE n. 580.963/PR).
Nas decisões mencionadas, o STF esclareceu que ao longo dos últimos anos houve uma
proliferação de leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros
benefícios assistenciais (Lei n. 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; Lei n. 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Informação; e a Lei n. 10.219/2001, que criou o
Bolsa Escola) e apontou a utilização do valor de meio salário mínimo como valor padrão da
renda familiar per capita para análise do preenchimento do requisito da hipossuficiência
econômica que deve ser analisado em conjunto com as peculiaridades do caso concreto.
Reconheceu, ainda, ao analisar o Art. 34 parágrafo único da Lei n. 10.741/03, que não há
justificativa plausível para a discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos,
bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de
benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo.
Assim, adoto o critério de meio salário mínimo para análise do preenchimento do requisito da
hipossuficiência econômica.
Nos casos em que o valor do benefício previdenciário for superior ao do salário mínimo, fica
afastada a aplicação analógica da regra objetiva do artigo 34 da Lei nº 10.741/2003, o que não
exclui a leitura de que a percepção do benefício próximo ao mínimo legal, em muito se
assemelha a situação prevista em lei, o que autoriza a concessão do benefício desde que se
evidencie elementos de pobreza extrema no conjunto probatório.
Núcleo familiar. A redação atualizada da Lei n° 8.742, de 07.12.9, contempla como núcleo
familiar o requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, e na ausência de um deles, a madrasta
ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde
que vivam sob o mesmo teto - ex vi do art. 20, § 1º. De forma que não pode ser computada a
renda de familiares que constituíram nova família.
Assim, em princípio, os filhos que constituíram família, que tem dever de sustento de sua prole,
com despesas domésticas que consomem a renda, estão desobrigados do dever de sustento
imposto pelo artigo 229 da Constituição Federal. De forma que é fundamental a análise do caso
concreto à luz do princípio da razoabilidade, para considerar a situação econômica dos
ascendentes e descendentes, quando se verificar sinais de riqueza que imponha o dever de
alimentos.
De outro lado, evidenciado que a família possui parcas condições econômicas, emerge a
previsão do comando constitucional do capítulo relativo à assistência social, quando refere que
a assistência social será prestada pelo Estado ao Idoso ou deficiente que comprove não possuir
meios de prover sua subsistência ou tê-la provida por sua família - ex vi do inciso V do artigo
230 da Constituição Federal.
Da existência de imóvel com potencial de renda ou móvel que exteriorize sinais de riqueza. É
de se ponderar que a existência de bem imóvel com possibilidade de renda, afasta a
necessidade da tutela do Estado para subsidiar a situação econômica familiar, pelo menos
diante dos requisitos impostos pelo legislador. Da existência de patrimônio emerge a
possibilidade de renda e sinais de riqueza incompatíveis com a situação de miserabilidade. O
imóvel do núcleo familiar não é modesto, a revelar hipossuficiência econômica. A
desconsideração do patrimônio pode criar situação de desigualdade na concessão do benefício
assistencial, com a concessão para proprietário de imóvel de valor razoável, que poderia ser
fonte de renda, mas com renda per capita na forma da lei, e a não concessão para pessoa com
imóvel em local insalubre, mas com a renda superior à exigência da lei. Veja-se que nos dois
casos o patrimônio revela a existência ou não da hipossuficiência. No primeiro para excluir o
benefício, já que o interessado no benefício pode auferir renda do seu próprio patrimônio e no
segundo porque a condição do imóvel indica a sua condição socioeconômica desfavorável.
Ademais, é preciso considerar a existência de bens móveis, como televisores de valor alto,
computadores, carros, entre outros, que revelem a existência de renda não declarada.
No caso de que ora se cuida, pela pertinência, transcrevo os fundamentos da r. sentença
combatida, que analisou criteriosamente o requisito miserabilidade:
No caso em tela, foi realizado o estudo socioeconômico por profissional da confiança deste
Juízo, cujas principais impressões estão reproduzidas nos excertos a seguir:
“III - HISTÓRICO E CONTEXTUALIZAÇÃO:
A autora Diabetes, Artrose na coluna, Pressão alta, Colesterol e problemas na Tireóide, está
fazendo uso dos remédios: Hidroclorotiazida, Omeprazol, Metformina, Glibenclamida,
Levotiroxina e Sinvastatina. A requerente não é dependente para realizar suas atividades
diárias e faz tratamento no posto de saúde da cidade pelo SUS ( Sistema Único de Saúde).
Ela precisa de uma dieta alimentar, mas não tem condições financeira para manter essa dieta.
A requerente mora com um filho que está desempregado e também não consegue trabalho
informal devido a pandemia. A autora mora com seu esposo que é aposentado e tem problema
de pressão alta e colesterol alto, tem um neto de seis anos que passa o dia consigo. O pai
faleceu há dois anos e ele fica com a autora para que sua mãe possa trabalhar, mas ele não
mora com a avó, mora com sua mãe.
A autora tirou um carro em seu nome para seu filho, ele trabalha de Uber e é ele quem paga as
prestações do carro.” (destaquei)
“V. MEIOS DE SOBREVIVÊNCIA
A autora vive da renda da aposentadoria de seu esposo no valor de R$ 1800,00.”
O grupo familiar da autora é formado, por ela, que tem 67 anos, e seu esposo, Sr. José Ilhéu,
que tem 75 anos e por seu filho, Valdeci, que tem 44 anos e está desempregado.
A assistente social assevera que a autora é desprovida de renda, e que toda a renda do grupo
familiar do autor provém de seu esposo, Sr. José Ilhéu, recebe benefício de aposentadoria por
idade no valor de R1.800,00 (NB 41/157.356.046-1).
As despesas giram em torno de R$1.506,00, sendo elas menores que a renda do grupo familiar
da autora.
Ainda que a renda familiar per capita não seja o único critério utilizado por este Juízo para
analisar se a parte autora é economicamente hipossuficiente, mostra-se de rigor esclarecer que
da análise do estudo socioeconômico (evento 20) e, principalmente, neste caso das telas de
consulta ao CNIS (eventos 30-33), ficou constatado que a renda familiar é de R$1.903,98 reais,
valor este superior a um salário mínimo, motivo pelo qual não deve ser excluído do cômputo da
renda familiar.
Assim, considerado o núcleo familiar da parte autora - composto por 03 pessoas (autora e seu
esposo) – e o cômputo da renda familiar mensal perfaz, atualmente, o total de R$ 1.903,98
reais - e a renda per capita familiar perfaz o valor de aproximadamente R$634,66 (seiscentos e
trinta e quatro reais e sessenta e seis centavos)– valor este muito superior ao limite legal de ¼
do salário-mínimo que atualmente é de R$275,00, parâmetro estabelecido no artigo 20,
parágrafo 3º, da Lei nº 8.742/93.
Vale ressaltar que o benefício assistencial não é destinado à complementação da renda e nem
àqueles que são pobres, mas aos que estão em situação de miséria, conforme disciplina do
próprio legislador.
Dessa forma, concluo que a parte autora não se enquadra no conceito de pessoa
economicamente hipossuficiente.
De fato, entendo que restou caracterizada uma situação de pobreza e simplicidade, mas não de
miserabilidade capaz de ensejar a concessão do benefício pleiteado.
Assim, não há que ser concedido o benefício assistencial à parte autora, eis que a condição de
miserabilidade não restou comprovada no caso concreto.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso da parte autora.
Condeno a PARTE RECORRENTE VENCIDA em honorários advocatícios que fixo em 10%
(dez por cento) do valor da condenação; caso o valor da demanda ultrapasse 200 (duzentos)
salários mínimos, arbitro os honorários sucumbenciais na alíquota mínima prevista nos incisos
do parágrafo 3º do artigo 85 do CPC. Na ausência de proveito econômico, os honorários serão
devidos no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa atualizado, cuja execução
deverá observar o disposto no artigo 98, § 3º, do Código de Processo Civil, por força do
deferimento da gratuidade nos autos.
É o voto.
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO IDOSO - ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI N.
8742/93. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. AFERIÇÃO NO CASO CONCRETO.
JULGAMENTO DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS 567.985 E 580.963.
MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. RECURSO DA PARTE AUTORA A QUE SE NEGA
PROVIMENTO. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por
unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
