
| D.E. Publicado em 10/08/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0041713-13.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Proposta ação de conhecimento, objetivando o restabelecimento de benefício assistencial (art. 203, inciso V, da Constituição Federal), sobreveio sentença de procedência do pedido, condenando-se o INSS ao pagamento do benefício, no valor de 01 (um) salário mínimo mensal, a partir da citação, com correção monetária e juros de mora, além do pagamento de honorários advocatícios fixados em 1.000,00 (mil reais). Foi mantida a tutela antecipada anteriormente deferida.
A sentença não foi submetida ao reexame necessário.
Inconformada, a autarquia previdenciária interpôs recurso, pugnando pelo recebimento da apelação em seu duplo efeito e pela integral reforma da sentença, para que seja julgado improcedente o pedido, sustentando a ausência de comprovação dos requisitos legais para a concessão do benefício. Subsidiariamente, requer a alteração da forma de incidência dos juros e da correção monetária.
A parte autora, por sua vez, interpôs recurso de apelação, pugnando pela parcial reforma da sentença para que o termo inicial do benefício seja fixado na data da cessação administrativa.
Com as contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo provimento da apelação interposta pelo INSS e pelo não provimento da apelação da parte autora.
É o relatório.
VOTO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Recebo os recursos de apelação do INSS e da parte autora, haja vista que tempestivos, nos termos do artigo 1.010 do novo Código de Processo Civil, ressalvando que a apelação tem efeito suspensivo, salvo no tocante à concessão da tutela provisória (art. 1012, caput e § 1º, inciso V, do referido código).
Postula a parte autora a concessão de benefício assistencial, no valor de um salário mínimo.
Tal benefício está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, bem como na Lei nº 8.742/93.
Consoante regra do art. 203, inciso V, da CF, a assistência social será prestada à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem "não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família".
A Lei nº 8.742/93, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, veio regulamentar o referido dispositivo constitucional, estabelecendo em seu art. 20 os requisitos para sua concessão, quais sejam, ser pessoa portadora de deficiência ou idosa, bem como ter renda familiar inferior a ¼ do salário mínimo.
Considera-se pessoa com deficiência, para fins de concessão do benefício de prestação continuada, aquela que, segundo o disposto no artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela lei nº 13.146/2015, "tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".
Quanto ao primeiro requisito, deve-se atentar ao laudo pericial produzido (fls. 141/150), que atesta que a parte autora, diagnosticada de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), Espondiloartrose de coluna lombar e Obesidade grau III, encontra-se incapacitada de forma total e permanente para o trabalho, o que é suficiente para o cumprimento da exigência legal.
De outra parte, quanto à insuficiência de recursos para prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família, ressalta-se que o objetivo da assistência social é prover o mínimo para a manutenção do idoso ou incapaz, de modo a assegurar-lhe uma qualidade de vida digna. Por isso, para sua concessão não há que se exigir uma situação de miserabilidade absoluta, bastando a caracterização de que o beneficiário não tem condições de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família.
Não se tem dúvida de que o § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 é constitucional, tendo o Supremo Tribunal Federal decidido nesse sentido (ADIN nº 1.232/DF, Relator p/ acórdão Ministro Nelson Jobim, j. 27/08/1998DJ 01/06/2001).
Todavia, o disposto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 não é o único meio de comprovação da miserabilidade do deficiente ou do idoso, devendo a respectiva aferição ser feita, também, com base em elementos de prova colhidos ao longo do processo, observada as circunstâncias específicas relativas ao postulante do benefício. Lembra-se aqui precedente do Superior Tribunal de Justiça, que não restringe os meios de comprovação da condição de miserabilidade do deficiente ou idoso:
A jurisprudência passou, então, a admitir a possibilidade do exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família, interpretação consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do CPC (REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28/10/2009; DJ 20/11/2009).
A questão voltou à análise do Supremo Tribunal Federal, sendo que após o reconhecimento da existência de repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4.374 - PE, julgada em 18/04/2013, prevaleceu o entendimento segundo o qual as significativas mudanças econômicas, bem como as legislações em matéria de benefícios previdenciários e assistenciais trouxeram outros critérios econômicos que aumentaram o valor padrão da renda familiar per capita, de maneira que, ao longo de vários anos, desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS, passou por um processo de inconstitucionalização, conforme ementa a seguir transcrita:
De outro lado, no julgamento dos Recursos Especiais Repetitivos nº 1.355.052/SP e nº 1.112.557/MG foi fixada orientação no sentido de que a norma em causa não se mostra como o único critério possível para a apuração da necessidade do recebimento do benefício.
Por sua vez, a Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) incluiu o § 11 ao art. 20 da LOAS, acolhendo outros elementos de prova com condição da miserabilidade e da situação de vulnerabilidade do núcleo familiar do requerente de benefício, além do critério objetivo de renda mensal "per capita" no valor inferior a ¼ do salário mínimo.
Assim, deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, caso a caso.
No presente caso, o estudo social realizado (fls. 72/78) demonstra que a requerente reside com seus três filhos e uma neta, em casa alugada (programa de aluguel social da Prefeitura Municipal de Adamantina), em razoável condição de moradia, sendo a renda da unidade familiar composta apenas dos ganhos eventuais da autora, obtidos pela venda de roupas usadas, no valor de, aproximadamente, R$100,00 (cem reais), além de R$147,00 (cento e quarenta e sete reais) recebidos pelo Programa Bolsa Família, e R$80,00 (oitenta reais), pelo Programa Renda Cidadã.
Ressalte-se que o fato de ter sido revelado que ela eventualmente trabalha, tendo inclusive recolhido contribuições por alguns meses (fls. 87/88, 233/237 e 249/252), após a cessação do benefício assistencial, apenas demonstra que se submeteu a maior sofrimento físico para poder sobreviver, considerando as conclusões do laudo social e da perícia médica (fls. 72/78 e 141/150). Outrossim, a pensão alimentícia recebida pelos filhos menores (fls. 236 e 279/280) não deve ser computada na renda familiar, e ainda que o fosse, seria insuficiente para o sustento da família.
Assim, os elementos de prova coligidos são suficientes para evidenciar as condições econômicas em que vive a parte autora, inserindo-se ela no grupo de pessoas economicamente carentes que a norma instituidora do benefício assistencial visou amparar.
Por tais razões, a parte autora faz jus à percepção do benefício da prestação continuada, uma vez restou demonstrada a implementação dos requisitos legais para sua concessão.
O termo inicial do benefício é a data imediatamente posterior a da cessação do benefício anteriormente concedido na via administrativa (NB 530.801.842-8 - fls. 23/24), uma vez que das provas constantes dos autos, pode-se concluir que a cessação foi indevida.
Os juros de mora e a correção monetária deverão observar o decidido pelo Plenário do C. STF, no julgamento do RE 870.947/SE, em Repercussão Geral, em 20/09/2017, Rel. Min. Luiz Fux, adotando-se no tocante à fixação dos juros moratórios o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, e quanto à atualização monetária, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS e dou provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação.
É o voto.
LUCIA URSAIA
Desembargadora Federal
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| Data e Hora: | 31/07/2018 18:23:50 |
