
| D.E. Publicado em 20/12/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora e dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0028368-77.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Proposta ação de conhecimento, objetivando a concessão de benefício assistencial (art. 203, inciso V, da Constituição Federal), sobreveio sentença de procedência do pedido, condenando-se o INSS ao pagamento do benefício, do ajuizamento da ação até a data d o óbito, com correção monetária e juros de mora, além do pagamento de honorários advocatícios, fixados em 15% (quinze por cento) do valor das parcelas vencidas até o trânsito em julgado.
A sentença não foi submetida ao reexame necessário.
A parte autora interpôs recurso de apelação, requerendo a alteração do termo inicial do benefício.
A autarquia previdenciária, por sua vez, interpôs recurso de apelação, pugnando pela total reforma da sentença, para que seja julgado improcedente o pedido, alegando a ausência o caráter personalíssimo do benefício, bem assim a ausência dos requisitos legais para sua concessão. Subsidiariamente, requer a alteração da sentença quanto aos honorários advocatícios, juros de mora e correção monetária.
Com as contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal ofereceu parecer, sustentando que o caso concreto não suscita a intervenção ministerial (fl. 526).
É o relatório.
VOTO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Inicialmente, recebo os recursos de apelação da parte autora e do INSS, haja vista que tempestivos, nos termos do artigo 1.010 do novo Código de Processo Civil.
Considerando tratar-se de benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal e Lei nº 8.742/93, portanto, personalíssimo, não é possível sua transferência a terceiros, de maneira que cessa com a morte do beneficiário. No entanto, as parcelas eventualmente devidas a esse título até a data do óbito da parte autora representam crédito constituído em vida, o que não exclui a pretensão dos sucessores de receberem o que não foi pago para o beneficiário.
No caso em exame, postulou a parte autora a concessão de benefício assistencial (art. 203, inciso V, da Constituição Federal), vindo a falecer no curso do processo, em 20/07/2016, conforme certidão de óbito juntada à fl. 424 e, à fl. 447, foi deferida a habilitação dos genitores.
Tal benefício está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, bem como na Lei nº 8.742/93.
Consoante regra do art. 203, inciso V, da CF, a assistência social será prestada à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem "não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família".
A Lei nº 8.742/93, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, veio regulamentar o referido dispositivo constitucional, estabelecendo em seu art. 20 os requisitos para sua concessão, quais sejam, ser pessoa portadora de deficiência ou idosa, bem como ter renda familiar inferior a ¼ do salário mínimo.
Considera-se pessoa com deficiência, para fins de concessão do benefício de prestação continuada, aquela que, segundo o disposto no artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela lei nº 13.146/2015, "tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".
Quanto ao primeiro requisito, deve-se atentar aos documentos, atestados médicos e exames acostados aos autos (fls. 22vº/92), bem como o estudo social de fls. 176/179 comprovam que o autor, nascido em 15/04/2013, apresentava diversas enfermidades, como microcefalia, atrofia, epilepsia, síndrome de Pierre Robin e refluxo. Demonstram, ainda, que o autor possuia impedimentos de longo prazo, necessitando de acompanhamento médico e cuidados constantes, tendo, inclusive, falecido no curso do processo, em decorrência de suas enfermidades.
De outra parte, quanto à insuficiência de recursos para prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família, ressalta-se que o objetivo da assistência social é prover o mínimo para a manutenção do idoso ou incapaz, de modo a assegurar-lhe uma qualidade de vida digna. Por isso, para sua concessão não há que se exigir uma situação de miserabilidade absoluta, bastando a caracterização de que o beneficiário não tem condições de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família.
Não se tem dúvida de que o § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 é constitucional, tendo o Supremo Tribunal Federal decidido nesse sentido (ADIN nº 1.232/DF, Relator p/ acórdão Ministro Nelson Jobim, j. 27/08/1998DJ 01/06/2001).
Todavia, o disposto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 não é o único meio de comprovação da miserabilidade do deficiente ou do idoso, devendo a respectiva aferição ser feita, também, com base em elementos de prova colhidos ao longo do processo, observada as circunstâncias específicas relativas ao postulante do benefício. Lembra-se aqui precedente do Superior Tribunal de Justiça, que não restringe os meios de comprovação da condição de miserabilidade do deficiente ou idoso: "O preceito contido no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não é o único critério válido para comprovar a condição de miserabilidade preceituada no artigo 203, V, da Constituição Federal. A renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo deve ser considerada como um limite mínimo, um quantum objetivamente considerado insuficiente à subsistência do portador de deficiência e do idoso, o que não impede que o julgador faça uso de outros fatores que tenham o condão de comprovar a condição de miserabilidade da família do autor." (REsp nº435871/SP, Relator Ministro Felix Fischer, j. 19/09/2002, DJ 21/10/2002, p. 391).
A jurisprudência passou, então, a admitir a possibilidade do exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família, interpretação consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do CPC (REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28/10/2009; DJ 20/11/2009).
A questão voltou à análise do Supremo Tribunal Federal, sendo que após o reconhecimento da existência de repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4.374 - PE, julgada em 18/04/2013, prevaleceu o entendimento segundo o qual as significativas mudanças econômicas, bem como as legislações em matéria de benefícios previdenciários e assistenciais trouxeram outros critérios econômicos que aumentaram o valor padrão da renda familiar per capita, de maneira que, ao longo de vários anos, desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS, passou por um processo de inconstitucionalização, conforme ementa a seguir transcrita:
Lembrando, ainda, que nesta ocasião também foi julgado o Recurso Extraordinário nº 580.963, sob o rito da repercussão geral, declarando, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, e por omissão, sem a pronúncia de nulidade, do parágrafo único, do artigo 34, da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso), sob o fundamento de que o normativo deixou de excluir o valor de até um salário mínimo dos benefícios assistenciais e previdenciários recebidos por pessoas com deficiência ou idosa, no cálculo da renda "per capita" do benefício assistencial.
Os acórdãos paradigmas, Recursos Especiais Repetitivos nº 1. 355.052/SP e nº 1.112.557/MG também fixaram orientação no sentido de que a norma em causa não se mostra como o único critério possível para a apuração da necessidade do recebimento do benefício.
Por sua vez, a Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) incluiu o § 11 ao art. 20 da LOAS, acolhendo outros elementos de prova com condição da miserabilidade e da situação de vulnerabilidade do núcleo familiar do requerente de benefício, além do critério objetivo de renda mensal "per capita" no valor inferior a ¼ do salário mínimo.
Assim, deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
No presente caso, o estudo social, realizado em abril de 2016 (fls. 288/293 e 394/400), revela que o requerente reside com seus genitores e dois irmãos, em imóvel financiado, em modestas condições de moradia, no terreno da casa da avó materna. A renda da unidade familiar vem dos vencimentos auferidos pelo pai do autor, que, conforme CNIS de fls. 119, variou entre R$ 1.732,24 e R$ 1.897,74, entre 01/2015 e 01/2016, insuficiente para suprir as necessidades básicas do requerente, que possui altos gastos com tratamento médico. Ressalte-que os irmãos do autor também apresentam enfermidades. Nesse contexto, embora a renda per capita seja um pouco superior ao limite legal, o Juiz pode, em situações particularizadas, como é a hipótese dos autos, conforme se denota da leitura do estudo social, reconhecer a condição de pobreza do requerente do benefício.
Assim, os elementos de prova coligidos são suficientes para evidenciar as condições econômicas em que vive a parte autora, inserindo-se ela no grupo de pessoas economicamente carentes que a norma instituidora do benefício assistencial visou amparar.
Por tais razões, a parte autora faz jus à percepção do benefício assistencial, uma vez que restou demonstrado o implemento dos requisitos legais para sua concessão.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo (18/10/2013 - fl. 231), uma vez que o conjunto probatório carreado aos autos demonstra que indeferimento foi indevido, e o termo final na data do óbito (20/07/2016 - fl. 424).
Os juros de mora e a correção monetária deverão observar o decidido pelo Plenário do C. STF, no julgamento do RE 870.947/SE, em Repercussão Geral, em 20/09/2017, Rel. Min. Luiz Fux, adotando-se no tocante à fixação dos juros moratórios o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, e quanto à atualização monetária, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).
Os honorários advocatícios devem ser mantidos em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, conforme entendimento sufragado pela 10ª Turma desta Corte Regional. Ressalte-se, todavia, que a base de cálculo sobre a qual incidirá mencionado percentual será composta apenas das prestações vencidas entre o termo inicial do benefício e a data da sentença, em consonância com a Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, para fixar o termo inicial do benefício, E DOU PARCIAL PROVIMENTO AO À APELAÇÃO DO INSS, para explicitar a forma de incidência dos juros de mora e limitar a base de cálculo dos honorários advocatícios, nos termos da fundamentação.
É o voto.
LUCIA URSAIA
Desembargadora Federal
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