
| D.E. Publicado em 10/04/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora e do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000573-83.2013.4.03.6007/MS
RELATÓRIO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Proposta ação de conhecimento de natureza previdenciária, objetivando a concessão de benefício assistencial (art. 203, inciso V, da Constituição Federal), sobreveio sentença de procedência do pedido, condenando-se a autarquia a conceder o benefício assistencial, desde a data da progressão da doença da parte autora (08/05/2013), no valor de um salário mínimo, devendo as prestações em atraso ter acréscimo de correção monetária e juros de mora, além do pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações vencidas até a data da sentença. Determinou-se a implantação do benefício, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias.
A sentença não foi submetida ao reexame necessário.
A parte autora interpôs recurso de apelação pugnando pela fixação do termo inicial do benefício na data do primeiro requerimento administrativo.
Por sua vez, a autarquia previdenciária interpôs recurso de apelação, pugnando pela integral reforma da sentença, para que seja julgado improcedente o pedido, sustentando a falta de comprovação dos requisitos para a concessão do benefício.
Com as contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pela anulação da sentença, de ofício, para a produção e laudo pericial complementar.
É o relatório.
VOTO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): O benefício assistencial está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, bem como na Lei nº 8.742/93.
Consoante regra do art. 203, inciso V, da CF, a assistência social será prestada à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem "não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família".
A Lei nº 8.742/93, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, veio regulamentar o referido dispositivo constitucional, estabelecendo em seu artigo 20 os requisitos para sua concessão, quais sejam, ser pessoa portadora de deficiência ou idosa, bem como ter renda familiar inferior a ¼ do salário mínimo.
Considera-se pessoa com deficiência, para fins de concessão do benefício de prestação continuada, aquela que, segundo o disposto no artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela lei nº 13.146/2015, "tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".
Com relação ao requisito da deficiência, embora o laudo pericial juntado às fls. 60/67 tenha atestado que a parte autora não apresenta incapacidade, diagnosticou que ela é portadora de transtorno depressivo recorrente sem sintomas psicóticos. Cumpre observar, ainda, o conjunto probatório trazido ao processo, consubstanciado em atestados médicos e matéria jornalística a respeito da requerente (fls. 17/18 e 85/87), atestando que a parte autora é portadora de transtorno psiquiátrico e não tem condições de exercer suas atividades ocupacionais.
Considerando que o laudo pericial apenas norteia o livre convencimento do juiz, cabe ao magistrado avaliar e formar sua convicção com outros elementos de prova existente nos autos, conforme precedentes do STJ. Nestes sentido:
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 93, IX, DA CF E 458, II, E 535 DO CPC. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. SERVIDORAS PÚBLICAS ESTADUAIS. INSALUBRIDADE. MERENDEIRA E SERVENTE. EXERCÍCIO DE ATIVIDADES INSALUBRES AFASTADO, PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. LAUDO PERICIAL. LIVRE CONVICÇÃO DO MAGISTRADO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. I. Consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, nos autos do AI-RG-QO 791.292/PE, julgado sob o regime da Repercussão Geral, o art. 93, IX, da Constituição Federal exige que "o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão" (STF, AI 791.292 QO-RG, Rel. Ministro GILMAR MENDES, DJe de 13/08/2010). II. "Não há omissão no acórdão recorrido, quando o Tribunal de origem pronuncia-se, de forma clara e precisa, sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão" (STJ, AgRg no REsp 1.054.145/RS, de minha relatoria, SEXTA TURMA, DJe de 11/03/2014). III. Não se admite, no âmbito do Recurso Especial, nos termos da Súmula 7 desta Corte, o reexame dos aspectos fático-probatórios do caso em análise, mormente quanto ao reconhecimento, pelo Tribunal de origem, da inexistência do exercício de atividade insalubre, pelas autoras. Precedentes. IV. Segundo entendimento desta Corte, "o magistrado não está vinculado aos laudos médicos oficiais, podendo decidir o feito de acordo com outras provas juntadas aos autos, sendo livre seu convencimento" (STJ, AgRg no AREsp 371.436/MS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 11/04/2014). Nesse sentido: STJ, AgRg no AREsp 276.420/SE, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 15/04/2013; AgRg no AREsp 263.157/PE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 14/08/2013. V. Agravo Regimental não provido." (AGARESP 201302145937. Relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES. J. 18/06/2014. DJE DATA:01/07/2014). (destaquei)
Assim, em que pese o médico perito ter atestado que a parte autora não está incapacitada para o exercício do trabalho, o conjunto probatório carreado aos autos permite concluir que ela, de fato, está impossibilitada de trabalhar.
Como se sabe, especialmente em matéria previdenciária (na qual o apelo social é expressivo), a legislação deve ser analisada com moderação e razoabilidade, de modo que a incapacidade para o trabalho, além da prova técnica, deve ser verificada à luz do histórico da pessoa e da realidade social, razão pela qual entendo cumprida a exigência legal quanto à deficiência.
Quanto à insuficiência de recursos para prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família, ressalta-se que o objetivo da assistência social é prover o mínimo para a manutenção do idoso ou incapaz, de modo a assegurar-lhe uma qualidade de vida digna. Por isso, para sua concessão não há que se exigir uma situação de miserabilidade absoluta, bastando a caracterização de que o beneficiário não tem condições de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família.
Não se tem dúvida de que o § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 é constitucional, tendo o Supremo Tribunal Federal decidido nesse sentido (ADIN nº 1.232/DF, Relator p/ acórdão Ministro Nelson Jobim, j. 27/08/1998DJ 01/06/2001).
Todavia, o disposto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 não é o único meio de comprovação da miserabilidade do deficiente ou do idoso, devendo a respectiva aferição ser feita, também, com base em elementos de prova colhidos ao longo do processo, observada as circunstâncias específicas relativas ao postulante do benefício. Lembra-se aqui precedente do Superior Tribunal de Justiça, que não restringe os meios de comprovação da condição de miserabilidade do deficiente ou idoso: "O preceito contido no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não é o único critério válido para comprovar a condição de miserabilidade preceituada no artigo 203, V, da Constituição Federal. A renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo deve ser considerada como um limite mínimo, um quantum objetivamente considerado insuficiente à subsistência do portador de deficiência e do idoso, o que não impede que o julgador faça uso de outros fatores que tenham o condão de comprovar a condição de miserabilidade da família do autor." (REsp nº 435871/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, j. 19/09/2002, DJ 21/10/2002, p. 391).
A jurisprudência passou, então, a admitir a possibilidade do exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família, interpretação consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do CPC (REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28/10/2009; DJ 20/11/2009).
A questão voltou à análise do Supremo Tribunal Federal, sendo que após o reconhecimento da existência de repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4.374 - PE, julgada em 18/04/2013, prevaleceu o entendimento segundo o qual as significativas mudanças econômicas, bem como as legislações em matéria de benefícios previdenciários e assistenciais trouxeram outros critérios econômicos que aumentaram o valor padrão da renda familiar per capita, de maneira que, ao longo de vários anos, desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS, passou por um processo de inconstitucionalização, conforme ementa a seguir transcrita:
Lembrando, ainda, que nesta ocasião também foi julgado o Recurso Extraordinário nº 580.963, sob o rito da repercussão geral, declarando, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, e por omissão, sem a pronúncia de nulidade, do parágrafo único, do artigo 34, da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso), sob o fundamento de que o normativo deixou de excluir o valor de até um salário mínimo dos benefícios assistenciais e previdenciários recebidos por pessoas com deficiência ou idosa, no cálculo da renda "per capita" do benefício assistencial.
De outro lado, os acórdãos paradigmas, Recursos Especiais Repetitivos nº 1. 355.052/SP e nº 1.112.557/MG também fixaram orientação no sentido de que a norma em causa não se mostra como o único critério possível para a apuração da necessidade do recebimento do benefício.
Por sua vez, a Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) incluiu o § 11 ao art. 20 da LOAS, acolhendo outros elementos de prova com condição da miserabilidade e da situação de vulnerabilidade do núcleo familiar do requerente de benefício, além do critério objetivo de renda mensal "per capita" no valor inferior a ¼ do salário mínimo.
Assim, deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
No presente caso, o estudo social realizado em julho de 2014 (fls. 56/58) revela que a requerente reside com o marido, em imóvel próprio, em modestas condições de moradia, sendo a renda da unidade familiar composta apenas do benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido pelo marido, que, a teor do disposto no parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, deve ser excluído do cálculo da renda mensal da requerente.
Assim, os elementos de prova coligidos são suficientes para evidenciar as condições econômicas em que vive a parte autora, inserindo-se ela no grupo de pessoas economicamente carentes que a norma instituidora do benefício assistencial visou amparar.
Por tais razões, a parte autora faz jus à percepção do benefício assistencial, uma vez que restou demonstrado o implemento dos requisitos legais para sua concessão.
No tocante ao termo inicial do benefício, entendo que deve ser mantido conforme fixado na r. sentença recorrida, na data da progressão da doença (08/05/2015 - fl. 85), considerando a impossibilidade de se precisar seguramente se o requisito teria sido cumprido anteriormente.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DO INSS, na forma da fundamentação.
É o voto.
LUCIA URSAIA
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| Data e Hora: | 28/03/2017 19:45:39 |
