Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5625659-61.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
23/10/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 25/10/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGOS 203, V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E LEI N.º 8.742/93. IDOSO. AUSÊNCIA DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA.
BENEFÍCIO INDEVIDO.
1. Ante a ausência de comprovação do requisito da hipossuficiência econômica, exigido para a
concessão do benefício assistencial, nos termos do artigo 203, inciso V, da Constituição Federal,
bem como na Lei nº 8.742/93, a improcedência do pedido é de rigor.
2. Apelação da parte autora não provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5625659-61.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: DOLORES MEZA RICARDO
Advogados do(a) APELANTE: FABIO ROBERTO PIOZZI - SP167526-N, EDSON RICARDO
PONTES - SP179738-N, LARISSA BORETTI MORESSI - SP188752-A, GUSTAVO MARTIN
TEIXEIRA PINTO - SP206949-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5625659-61.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: DOLORES MEZA RICARDO
Advogados do(a) APELANTE: FABIO ROBERTO PIOZZI - SP167526-N, EDSON RICARDO
PONTES - SP179738-N, LARISSA BORETTI MORESSI - SP188752-A, GUSTAVO MARTIN
TEIXEIRA PINTO - SP206949-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Proposta ação de conhecimento,
objetivando a concessão de benefício assistencial (art. 203, inciso V, da Constituição Federal),
sobreveio sentença de improcedência do pedido, condenando a parte autora ao pagamento de
custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios fixados em 10% (dez por
cento), sobre o valor da causa, observada sua condição de beneficiaria da justiça gratuita.
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação, pugnando pela integral reforma da
sentença, para que seja julgado procedente o pedido, sustentando ter preenchido os requisitos
legais para a concessão do beneficio.
Sem as contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo desprovimento do recurso interposto.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5625659-61.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: DOLORES MEZA RICARDO
Advogados do(a) APELANTE: FABIO ROBERTO PIOZZI - SP167526-N, EDSON RICARDO
PONTES - SP179738-N, LARISSA BORETTI MORESSI - SP188752-A, GUSTAVO MARTIN
TEIXEIRA PINTO - SP206949-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Recebo o recurso de apelação,
nos termos do artigo 1.010 do novo Código de Processo Civil, haja vista que tempestivo.
Postula a parte autora a concessão de benefício assistencial, no valor de um salário mínimo.
Tal benefício está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, bem como na Lei nº
8.742/93.
Consoante regra do art. 203, inciso V, da CF, a assistência social será prestada à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso que comprovem "não possuir meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família".
A Lei nº 8.742/93, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, veio regulamentar o
referido dispositivo constitucional, estabelecendo em seu art. 20 os requisitos para sua
concessão, quais sejam, ser pessoa incapaz para a vida independente e para o trabalho ou
pessoa idosa, bem como ter renda familiar inferior a ¼ do salário mínimo.
Considera-se pessoa idosa, para fins de concessão do benefício de prestação continuada, aquela
que possua 65 (sessenta e cinco) anos, nos termos do art. 20, caput, da supracitada lei.
No caso dos autos, a parte autora é idosa, contando, atualmente, com 88 (oitenta e oito) anos de
idade (Id 60100487).
De outra parte, quanto à insuficiência de recursos para prover a própria subsistência ou de tê-la
provida por sua família, ressalta-se que o objetivo da assistência social é prover o mínimo para a
manutenção do idoso ou incapaz, de modo a assegurar-lhe uma qualidade de vida digna. Por
isso, para sua concessão não há que se exigir uma situação de miserabilidade absoluta,
bastando a caracterização de que o beneficiário não tem condições de prover a própria
manutenção, nem de tê-la provida por sua família.
Não se tem dúvida de que o § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 é constitucional, tendo o Supremo
Tribunal Federal decidido nesse sentido (ADIN nº 1.232/DF, Relator p/ acórdão Ministro Nelson
Jobim, j. 27/08/1998DJ 01/06/2001).
Todavia, o disposto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 não é o único meio de comprovação da
miserabilidade do deficiente ou do idoso, devendo a respectiva aferição ser feita, também, com
base em elementos de prova colhidos ao longo do processo, observada as circunstâncias
específicas relativas ao postulante do benefício. Lembra-se aqui precedente do Superior Tribunal
de Justiça, que não restringe os meios de comprovação da condição de miserabilidade do
deficiente ou idoso: "O preceito contido no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não é o único critério
válido para comprovar a condição de miserabilidade preceituada no artigo 203, V, da Constituição
Federal. A renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo deve ser considerada como
um limite mínimo, um quantum objetivamente considerado insuficiente à subsistência do portador
de deficiência e do idoso, o que não impede que o julgador faça uso de outros fatores que tenham
o condão de comprovar a condição de miserabilidade da família do autor." (REsp nº435871/SP,
Relator Ministro Felix Fischer, j. 19/09/2002, DJ 21/10/2002, p. 391).
A jurisprudência passou, então, a admitir a possibilidade do exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família,
interpretação consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial julgado pela
sistemática do artigo 543-C do CPC (REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão
Nunes Maia Filho; j. 28/10/2009; DJ 20/11/2009).
A questão voltou à análise do Supremo Tribunal Federal, sendo que após o reconhecimento da
existência de repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4.374 - PE, julgada em 18/04/2013,
prevaleceu o entendimento segundo o qual as significativas mudanças econômicas, bem como as
legislações em matéria de benefícios previdenciários e assistenciais trouxeram outros critérios
econômicos que aumentaram o valor padrão da renda familiar per capita, de maneira que, ao
longo de vários anos, desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS, passou por um
processo de inconstitucionalização, conforme ementa a seguir transcrita:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V,
da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não
possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º
da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal
na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve
sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente
miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto
constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo
Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como
instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato.
Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos
extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O
STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de
qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade,
incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na
reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado
controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de
reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com
mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo
hermenêutico típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da
reclamação - que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no
controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF,
o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E,
inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se
entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a
interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos
preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei
permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único
estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes
idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais
elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que
criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de
notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação
constitucional julgada improcedente." (Órgão Julgador: Tribunal Pleno, J. 18/04/2013, DJe-173
DIVULG 03/09/2013, PUBLIC 04/09/2013).
Lembrando, ainda, que nesta ocasião também foi julgado o Recurso Extraordinário nº 580.963,
sob o rito da repercussão geral, declarando, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, e
por omissão, sem a pronúncia de nulidade, do parágrafo único, do artigo 34, da Lei nº 10.741/03
(Estatuto do Idoso), sob o fundamento de que o normativo deixou de excluir o valor de até um
salário mínimo dos benefícios assistenciais e previdenciários recebidos por pessoas com
deficiência ou idosa, no cálculo da renda "per capita" do benefício assistencial.
De outro lado, os acórdãos paradigmas, Recursos Especiais Repetitivos nº 1. 355.052/SP e nº
1.112.557/MG também fixaram orientação no sentido de que a norma em causa não se mostra
como o único critério possível para a apuração da necessidade do recebimento do benefício.
Por sua vez, a Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) incluiu o § 11 ao art. 20
da LOAS, acolhendo outros elementos de prova com condição da miserabilidade e da situação de
vulnerabilidade do núcleo familiar do requerente de benefício, além do critério objetivo de renda
mensal "per capita" no valor inferior a ¼ do salário mínimo.
Assim, deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a
renda informada, caso a caso.
No presente caso, o estudo social realizado em dezembro de 2017 (Id 60100525) e
complementado em janeiro de 2018 (Id 60100524), revela que a requerente reside com seu
esposo, filha, genro e um neto, em casa própria, em boas condições de moradia. A renda da
unidade familiar é proveniente da aposentadoria do marido e por trabalhos auferidos pela filha,
genro e neto da autora, totalizando R$ 10.004,65 (dez mil e quatro reais e sessenta e cinco
centavos), sendo que as despesas foram relatadas no valor de R$ 2.477,65 (dois mil e
quatrocentos e setenta e sete reais e sessenta e cinco centavos), o que é suficiente para a
manutenção do núcleo familiar.
Diante da situação relatada no estudo social, embora o critério estabelecido no art. 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93 não seja o único meio hábil para a comprovação da condição econômica de
miserabilidade do beneficiário, ficou demonstrado que a autora não aufere rendimentos, mas
tampouco se enquadra dentre os destinatários do benefício assistencial, uma vez que o benefício
em questão deve ser reservado àqueles que não possuem meios de sobreviver por si próprios e
não tenham, ainda, seus familiares meios de suprir-lhes tal falta, isto é, nos casos extremos em
que só resta ao requerente do benefício o auxílio do Estado. Assim, não se insere a parte autora
no grupo de pessoas economicamente carentes que a norma instituidora do benefício assistencial
visou amparar. Ressalte-se que o benefício assistencial em questão não é fonte de aumento de
renda, mas um meio de prover a subsistência daqueles que necessitam do amparo do Estado,
por não possuir renda própria ou familiares que possam supri-la.
Neste passo, ante a ausência de comprovação, por parte da autora, dos requisitos exigidos para
a concessão do benefício de prestação continuada, nos termos do artigo no artigo 203, inciso V,
da Constituição Federal, bem como na Lei nº 8.742/93, a improcedência do pedido é de rigor.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, nos termos da
fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGOS 203, V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E LEI N.º 8.742/93. IDOSO. AUSÊNCIA DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA.
BENEFÍCIO INDEVIDO.
1. Ante a ausência de comprovação do requisito da hipossuficiência econômica, exigido para a
concessão do benefício assistencial, nos termos do artigo 203, inciso V, da Constituição Federal,
bem como na Lei nº 8.742/93, a improcedência do pedido é de rigor.
2. Apelação da parte autora não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Decima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento a apelacao da parte autora, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
