
| D.E. Publicado em 20/10/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao reexame necessário e à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA:10063 |
| Nº de Série do Certificado: | 1B1C8410F7039C36 |
| Data e Hora: | 13/10/2016 15:38:45 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0005619-10.2013.4.03.6183/SP
RELATÓRIO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Proposta ação de conhecimento, objetivando a retroação do termo inicial de benefício assistencial, sobreveio sentença de procedência do pedido, condenando-se o INSS a conceder o benefício previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, no valor de 1 (um) salário mínimo, ao pagamento das prestações vencidas desde 03/09/2004 (data do primeiro requerimento administrativo), com correção monetária e juros de mora, além do pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação em atrasados.
A sentença foi submetida ao reexame necessário.
Inconformada, a autarquia previdenciária interpôs recurso de apelação, postulando que o autor não apresentou documentos que possam comprovar sua hipossuficiência à época do requerimento formulado em 2004 e que a sentença, portanto, baseou-se em estudo social contemporâneo, que não pode "retroagir mais de 10 anos" (fl. 144 vº). Informa que a irmã do autor recebia o equivalente a dois salários mínimos, razão pelo qual possuía condições de assistir seu irmão. Subsidiariamente, requer a aplicação da Lei nº 11.960/09 no tocante aos juros de mora e correção monetária.
Com as contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo provimento do recurso de apelação do INSS.
É o relatório.
VOTO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Postula a parte autora a retroação do termo inicial da concessão de benefício assistencial, a partir do primeiro requerimento administrativo.
Tal benefício está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, bem como na Lei nº 8.742/93.
Consoante regra do art. 203, inciso V, da CF, a assistência social será prestada à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem "não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família".
A Lei nº 8.742/93, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, veio regulamentar o referido dispositivo constitucional, estabelecendo em seu art. 20 os requisitos para sua concessão, quais sejam, ser pessoa portadora de deficiência ou idosa, bem como ter renda familiar inferior a ¼ do salário mínimo.
Considera-se pessoa com deficiência, para fins de concessão do benefício de prestação continuada, aquela que, segundo o disposto no artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela lei nº 13.146/2015, "tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".
Com relação ao primeiro requisito, o laudo médico juntado aos autos (fls. 63/65) o médico neurologista concluiu que o autor apresenta incapacidade total e permanente, que "pode ser determinada a partir de 10/06/2004, data em que sofreu o traumatismo craniano encefálico (TCE), segundo os documentos apresentados" (fl. 64). No laudo psiquiátrico (66/71), também concluiu pela fixação da data de início da incapacidade em 10/06/2004, quando foi internado por traumatismo craniano encefálico. Transcrevo a conclusão da médica psiquiatra:
"(...) |
O autor é portador de um quadro psiquiátrico decorrente de sequelas de alcoolismo crônico e sequelas de traumatismos craniano encefálico. O autor tem histórico de alcoolismo com aumento de ingesta quando sua mãe faleceu. Abandonado pela esposa e filhos (vinte e três anos atrás) virou morador de rua. Em junho de 2004 o autor foi agredido na rua e teve traumatismo craniano encefálico. Foi internado em 10.06.2004 a 06.08.2004 para neurocirurgia de afundamento de crânio e retirada de hematoma subdural. Hoje em dia o autor apresenta como sequelas quadro convulsivo controlado com medicação e uma quadro de alterações de comportamento e da sensopercepção de natureza orgânica acompanhado de prejuízo da cognição. O quadro é crônico e irreversível. Incapacitado de forma total e permanente para o trabalho. Data do início da incapacidade do autor, pelos documentos anexados aos autos, fixada em 10.06.2004 quando foi internado por traumatismo crânio encefálico." |
De outra parte, quanto à insuficiência de recursos para prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família, ressalta-se que o objetivo da assistência social é prover o mínimo para a manutenção do idoso ou incapaz, de modo a assegurar-lhe uma qualidade de vida digna. Por isso, para sua concessão não há que se exigir uma situação de miserabilidade absoluta, bastando a caracterização de que o beneficiário não tem condições de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família.
Não se tem dúvida de que o § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 é constitucional, tendo o Supremo Tribunal Federal decidido nesse sentido (ADIN nº 1.232/DF, Relator p/ acórdão Ministro Nelson Jobim, j. 27/08/1998DJ 01/06/2001).
Todavia, o disposto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 não é o único meio de comprovação da miserabilidade do deficiente ou do idoso, devendo a respectiva aferição ser feita, também, com base em elementos de prova colhidos ao longo do processo, observada as circunstâncias específicas relativas ao postulante do benefício. Lembra-se aqui precedente do Superior Tribunal de Justiça, que não restringe os meios de comprovação da condição de miserabilidade do deficiente ou idoso: "O preceito contido no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não é o único critério válido para comprovar a condição de miserabilidade preceituada no artigo 203, V, da Constituição Federal. A renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo deve ser considerada como um limite mínimo, um quantum objetivamente considerado insuficiente à subsistência do portador de deficiência e do idoso, o que não impede que o julgador faça uso de outros fatores que tenham o condão de comprovar a condição de miserabilidade da família do autor." (REsp nº435871/SP, Relator Ministro Felix Fischer, j. 19/09/2002, DJ 21/10/2002, p. 391).
A jurisprudência passou, então, a admitir a possibilidade do exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família, interpretação consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do CPC (REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28/10/2009; DJ 20/11/2009).
A questão voltou à análise do Supremo Tribunal Federal, sendo que após o reconhecimento da existência de repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4.374 - PE, julgada em 18/04/2013, prevaleceu o entendimento segundo o qual as significativas mudanças econômicas, bem como as legislações em matéria de benefícios previdenciários e assistenciais trouxeram outros critérios econômicos que aumentaram o valor padrão da renda familiar per capita, de maneira que, ao longo de vários anos, desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS, passou por um processo de inconstitucionalização, conforme ementa a seguir transcrita:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da reclamação - que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação constitucional julgada improcedente." (Órgão Julgador: Tribunal Pleno, J. 18/04/2013, DJe-173 DIVULG 03/09/2013, PUBLIC 04/09/2013).
De outro lado, os Recursos Especiais Repetitivos nº 1. 355.052/SP e nº 1.112.557/MG também fixaram orientação no sentido de que a norma em causa não se mostra como o único critério possível para a apuração da necessidade do recebimento do benefício.
Por sua vez, a Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) incluiu o § 11 ao art. 20 da LOAS, acolhendo outros elementos de prova com condição da miserabilidade e da situação de vulnerabilidade do núcleo familiar do requerente de benefício, além do critério objetivo de renda mensal "per capita" no valor inferior a ¼ do salário mínimo.
Assim, deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
No presente caso, o estudo social realizado em abril de 2014 (fls. 73/76) informou que o autor passou a ter assistência da irmã, Luzinete, quando esta recebeu uma ligação de uma Assistente Social dizendo que o irmão estava em um hospital, recuperando-se de uma surra que moradores ou meliantes da rua deram nele, o que acarretou o traumatismo craniano. Após tentativas infrutíferas de tentar acomodar o autor em sua casa, em Natal na residência de outro irmão, e numa clínica de recuperação, devido a convivência conturbada e pelos gastos, ela alugou um cômodo na mesma comunidade em que mora, onde atualmente vive o autor.
A assistente social relata: "Fui até o cômodo que o Sr. Manoel mora, o encontrei sentado na cama e foi constatado, através da entrevista que tentei fazer com ele, sua real dificuldade na fala, no físico/mental." Neste sentido as perguntas foram dirigidas à irmã." De acordo com o CNIS - fl. 152 observa-se que Luzinete recebia o equivalente a dois salários mínimos e tinha uma filha menor, em 2004. Dessa feita, verifica-se que a posição da irmã foi fundamental para o restabelecimento do autor, mesmo possuindo um núcleo familiar próprio, o que lhe exigiu esforços e renúncia, como bem lançado na r. sentença:
"No caso dos autos, o laudo socioeconômico atesta que, no período compreendido entre o primeiro requerimento administrativo e a concessão do benefício, o autor viveu em extrema vulnerabilidade, uma vez que não se encontrava apto a exercer atividades laborativas e sua família não tinha condições de prover seu sustento." |
Ademais, os elementos de prova coligidos indicam que as condições de vida do requerente e de seu grupo familiar não eram diversas daquelas reconhecidas pelo INSS no momento da concessão posterior do benefício, inserindo-se ele no grupo de pessoas economicamente carentes que a norma instituidora do benefício assistencial visou amparar desde aquela data.
Por tais razões, o autor faz jus à concessão do benefício assistencial desde a data fixada na sentença, uma vez que restou demonstrado o implemento dos requisitos legais para sua concessão.
Quanto à correção monetária e juros de mora, no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, foi objeto de declaração de inconstitucionalidade por arrastamento o art. 1º-F da Lei 9.494/97, mas limitado apenas à parte em que o texto legal estava vinculado ao art. 100, § 12, da CF, incluído pela EC 62/2009, o qual se refere tão somente à atualização de valores de requisitórios.
Assim, no tocante à atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública até a expedição do requisitório, o art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/09, ainda não foi objeto de pronunciamento expresso pelo colendo Supremo Tribunal Federal, no tocante à constitucionalidade, de sorte que continua em pleno vigor.
Portanto, impõe-se determinar a adoção dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, nos moldes do art. 5º da Lei 11.960/2009, a partir de sua vigência (30/6/2009).
Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO REEXAME NECESSÁRIO E À APELAÇÃO DO INSS para alterar a incidência da correção monetária e juros de mora, nos termos da fundamentação.
É o voto.
LUCIA URSAIA
Desembargadora Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA:10063 |
| Nº de Série do Certificado: | 1B1C8410F7039C36 |
| Data e Hora: | 13/10/2016 15:38:48 |
