
| D.E. Publicado em 16/04/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR, RESTANDO PREJUDICADA A APELAÇÃO DO INSS e determinando o imediato restabelecimento do benefício, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002176-80.2015.4.03.6183/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação pelo rito ordinário proposta por ANDERSON JOSE DA SILVA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em que se objetiva a declaração de inexigibilidade da devolução dos valores recebidos a título de benefício assistencial, bem como, o restabelecimento do referido benefício desde a cessação indevida.
Contestação às fls. 37/48.
Estudo Social às fls. 59/68.
Cópia do Processo Administrativo às fls. 83/224.
O pedido foi julgado parcialmente procedente apenas para declarar a inexigibilidade da devolução dos valores. Sem condenação em custas processuais. Honorários advocatícios, a cargo do INSS, no valor de 5% sobre o valor da causa. Sem condenação em honorários advocatícios a cargo da parte autora, em razão de ser beneficiário da assistência judiciária gratuita (fls. 233/235).
Sentença não submetida ao reexame necessário.
O INSS apela e requer a devolução dos valores recebidos indevidamente (fls. 241/247).
A parte autora também apela, requerendo o restabelecimento do benefício (fls. 250/256).
Com as contrarrazões ao recurso do INSS, os autos subiram a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinou, apenas, pelo desprovimento da apelação do INSS (fls. 277/280).
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Inicialmente, assinale-se que o benefício em questão é de natureza assistencial e deve ser prestado a quem dele necessitar, independentemente do recolhimento de contribuições.
O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família:
Até a regulamentação do citado dispositivo constitucional, ocorrida com a edição da Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), a proteção ao deficiente e ao idoso hipossuficientes era objeto da Lei 6.179/1974, a qual instituiu o benefício denominado "amparo previdenciário" destinado a pessoas maiores de 70 (setenta) anos ou inválidas, consistente no pagamento mensal de renda vitalícia equivalente à metade do salário mínimo vigente no país. A partir do advento da Constituição de 1988, o valor do benefício foi elevado para 1 (um) salário mínimo, à vista do disposto no art. 139, § 2º, da Lei 8.231/1991.
A renda mensal vitalícia em referência foi extinta pelo art. 40 da Lei 8.742/1993, sendo estabelecido em seu lugar o benefício assistencial de prestação continuada previsto no art. 20 do mesmo diploma legal.
Atualmente, a disciplina legal do instituto encontra-se formatada pelas Leis 9.720/1998 12.435/2011, 12.470/2011 e 13.146/2015, as quais promoveram alterações substanciais nos arts. 20 e 21 da Lei Orgânica da Assistência Social.
No tocante aos beneficiários, dispõe o art. 20 da Lei 8.231/1991:
No que concerne à pessoa com deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social evidenciam tendência evolutiva na consideração da sua conceituação legal. Originariamente, a deficiência encontrava-se relacionada à incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Posteriormente, a Lei 12.435/2011 incluiu no dispositivo em análise a definição contida no art. 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 30.03.2007, incorporada ao ordenamento jurídico interno pelo Decreto n. 6.949/2009, de acordo com a qual:
Entretanto, ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. Note-se que a jurisprudência já vinha suavizando a interpretação sobre o alcance da aludida incapacidade, como se extrai da seguinte decisão:
A propósito do tema, confira-se ainda o teor da Súmula n. 29 da Turma Nacional de Uniformização - TNU dos Juizados Especiais:
Em compasso com a evolução interpretativa promovida pela jurisprudência, a Lei 12.470/2011 abandonou o parâmetro consubstanciado na incapacidade para a vida independente e para o trabalho, preservando a definição consagrada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa com deficiência:
Ademais, cumpre assinalar que o § 10, do mesmo dispositivo, incluído pela Lei 12.470/2011, considera por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No tocante à situação socioeconômica do beneficiário, consta do § 3º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, com a redação dada pela Lei 12.435/2001:
Inicialmente, o dispositivo em referência teve a constitucionalidade afirmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado na ADIn nº 1.232-1 (Rel. Min. Ilmar Galvão, por redistribuição, DJU, 26 maio 1995, p. 15154). Entretanto, a pretexto da ocorrência de processo de inconstitucionalização oriundo de alterações de ordem fática (políticas, econômicas e sociais) e jurídica (estabelecimento de novos patamares normativos para concessão de benefícios assistenciais em geral), o Supremo Tribunal Federal reviu o anterior posicionamento, declarando a inconstitucionalidade parcial do dispositivo, sem pronúncia de nulidade, em julgado assim ementado:
Consequentemente, foi rechaçada a aferição da miserabilidade unicamente pelo critério objetivo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, passando-se a admitir o exame das reais condições sociais e econômicas do postulante ao benefício, como denota a seguinte decisão:
É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça já admitia outros meios de prova para aferir a hipossuficiência do postulante ao amparo assistencial, além do montante da renda per capita, reputando a fração estabelecida no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 como parâmetro abaixo do qual a miserabilidade deve ser presumida de forma absoluta. Nesse sentido, a seguinte decisão prolatada em sede de recurso especial representativo de controvérsia:
No mesmo sentido tem se orientado a jurisprudência desta Corte:
Atualmente encontra-se superada a discussão em torno da renda per capita familiar como único parâmetro de medida do critério socioeconômico, pois, com a inclusão pela Lei 13.146/2015 do § 11 no art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, passou a constar previsão legal expressa autorizando a utilização de outros elementos probatórios para a verificação da miserabilidade e do contexto de vulnerabilidade do grupo familiar exigidos para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada.
No caso vertente, pretende o autor a declaração de inexigibilidade da devolução dos valores recebidos no período de 17.11.2003 a 31.12.2013 a título de benefício assistencial, bem como, o restabelecimento do referido benefício desde a cessação indevida.
Alega o INSS que houve fraude no recebimento do benefício, tendo em vista alegada omissão na composição do núcleo familiar, quando da concessão do benefício.
Consta dos autos que o autor requereu seu benefício nº 87/132.062.463-1 em 17.11.2003, alegando deficiência, em razão de cegueira bilateral, e hipossuficiência econômica, haja vista que seu núcleo familiar era composto por ele, sua mãe e sua irmã, todos desempregados (fls. 86/92). O benefício foi concedido com data de início e data do pagamento em 17.11.2003 (fl. 111).
Ocorre que, em 02.06.2006, a autarquia recebeu denúncia de que o segurado recebia o benefício indevidamente, tendo em vista que a renda per capita familiar era superior a ¼ do salário mínimo (fl. 133).
Em 26.03.2010 o INSS realizou visita domiciliar para averiguar a realidade dos fatos. Segundo relatório de fls. 140/141 a servidora esteve na residência do autor e constatou que lá viviam, além dele, o Sr. Enoque, ex-padrasto do autor, que possuía renda, como autônomo, no valor de R$ 1.200,00, bem como, 2 filhos do Sr. Enoque, ambos desempregados. Foi informado que o autor era sustentado apenas pelo seu benefício e o Sr. Enoque era quem cuidava do autor, o que foi confirmado por duas vizinhas ali indicadas.
Em 18.12.2013 foi expedido o Ofício nº 7.612, pelo INSS, para que o segurado apresentasse defesa (fl. 154), o qual foi recebido em 30.12.2013 (fl. 178).
Em 06.01.2013 foi expedido o Ofício nº 77, sem data de recebimento (fls. 177 e 179) para que o autor comparecesse à agência do INSS e prestasse esclarecimentos.
Em 02.01.2014 o autor prestou esclarecimentos, conforme se verifica do Termo de Declaração e demais documentos às fls. 166/169. O autor alegou que morava naquele endereço com a mãe e a irmã quando do requerimento do benefício em 2003 e que, em 2004 o Sr. Enoque foi morar com eles, na condição de companheiro de sua mãe, permanecendo assim até meados de 2005, quando a mãe e o Sr. Enoque se separaram. Desde então, sua mãe e sua irmã mudaram para outro lugar, não tendo mais contato com a mãe, nem sabendo seu endereço. Informou que o Sr. Enoque é quem lavava sua roupa, lhe dava comida e o acompanhava ao banco, para recebimento do benefício.
Em 29.01.2014 foi expedido o Ofício nº 447, recebido em 05.02.2014 (fls. 193 e 195) dando conta que o recebimento do benefício foi considerado indevido no período de 17.11.2003 a 31.12.2013, razão pela qual o benefício seria suspenso, apresentando-lhe o valor para ressarcimento da autarquia, podendo contra aquela decisão apresentar recurso.
Em 28.02.2014 foi apresentado recurso à Junta de Recursos da Previdência Social (fls. 197/201), o qual não foi conhecido por ausência de razões, em 07.10.2014 (fls. 206/218).
Consta dos extratos CNIS/PLENIS, nos autos, que o benefício foi suspenso em 01.02.2014. A presente ação foi ajuizada em 30.03.2015.
À fl. 116 foi juntada Procuração Pública, datada de 22.11.2004, na qual o segurado constitui como sua procuradora perante o INSS a mãe, Sra. Maria José da Silva. A procuração foi assinada, a rogo do outorgante, pelo Sr. Enoque Cassimiro dos Santos. À fl. 118 consta Escritura de Revogação de Mandato, datada de 15.02.2007, na qual o autor revoga a procuração anterior, sendo assinada, a rogo do outorgante, também pelo Sr. Enoque.
De fato, cabe à autarquia previdenciária a revisão/avaliação da continuidade das condições que lhe garantiram a concessão do benefício, nos termos do art. 21 da já citada lei:
Em contrapartida, havendo a cessação das condições que garantiram o direito ao benefício assistencial, cabe ao beneficiário comunicar tal fato ao ente público, sob pena de arcar com os ônus de eventual omissão.
Esclareça-se, por oportuno, que o benefício assistencial cujo restabelecimento é pleiteado pela parte autora foi cessado sob o fundamento de alteração fática apenas no tocante à miserabilidade, razão pela qual deixo de analisar o requisito da incapacidade.
No tocante à demonstração da miserabilidade, o Estudo Social produzido nestes autos indica que o núcleo familiar é integrado pela parte postulante, porquanto convive com o ex-padrasto com o qual não guarda qualquer grau de parentesco, vivendo na condição de agregado, haja vista que não mais convive com a mãe do autor, da qual não há mais nenhuma notícia. Ademais, consta, ainda, que o pai do autor o abandonou quando este tinha 3 meses de vida. Há a informação, também que as prestações do imóvel no qual residem (CDHU) estão em atraso há anos, perfazendo uma dívida de mais de R$ 27.000,00.
Ainda que o agregado aufira rendimentos, não integra o conceito de família constante do art. 20, §1º, da Lei 8.742/93, na redação dada pela Lei 12.435/2011, segundo o qual "a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto".
Dessa forma, como se verifica, inclusive, do relatório da visita domiciliar feita pelo servidor do INSS, em 26.03.2010, a mãe do autor conviveu com o Sr. Enoque entre 2004 e meados de 2005, o que foi confirmado, inclusive, por duas vizinhas. Naquela ocasião foi constatado que o núcleo familiar do Sr. Enoque consistia, além dele, de dois de seus filhos, ambos desempregados.
Assim, considerando a ausência de renda do autor e a composição do núcleo familiar do agregado, tem-se que deve ser reconhecida a presunção de hipossuficiência do autor, nos termos do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993.
Há que ser acrescentado que o INSS recebeu a denúncia em 02.06.2006, momento no qual poderia ter feito diligências para averiguar a suposta alteração do núcleo familiar. Entretanto, a visita domiciliar ocorreu apenas em de 2010 e o autor só foi chamado para prestar esclarecimentos somente em dezembro de 2013, finalizando o processo administrativo em outubro de 2014.
Desse modo, o longo tempo transcorrido entre o recebimento da denúncia e finalização do processo administrativo, torna complexo, senão impossível, analisar a situação fática ali reportada.
Há que ser restabelecido o benefício assistencial conforme requerido, desde a data de sua cessação, restando prejudicada, portanto, a alegação de devolução dos valores.
A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013, do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
Este relator vinha entendendo que o termo final da base de cálculo dos honorários advocatícios seria a data da sentença de primeiro grau, de acordo com a literalidade da Súmula 111 do E. STJ. Entretanto, considerando a orientação majoritária desta Corte, bem como do próprio C. Superior Tribunal de Justiça, curvo-me a tais posicionamentos para concluir que o termo final deve ser fixado na data do pronunciamento favorável à concessão do benefício. Neste sentido:
Assim, os honorários advocatícios devem ser fixados em 15% sobre o valor das parcelas vencidas até data do acórdão, nos termos da Súmula 111 do E. STJ e, de acordo com o entendimento firmado por esta 10ª Turma.
Custas processuais pelo INSS, isento, observando-se que deverá, porém, reembolsar as eventuais despesas judiciais feitas pela parte vencedora, desde que devidamente comprovadas nos autos (Lei nº 9.289/96, artigo 4º, inciso I e parágrafo único).
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR, RESTANDO PREJUDICADA A APELAÇÃO DO INSS, na forma acima explicitada.
Determino que, independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído com os devidos documentos da parte autora ANDERSON JOSE DA SILVA, a fim de serem adotadas as providências cabíveis para o restabelecimento imediato do benefício assistencial (LOAS), desde a data da cessação indevida e R.M.I. no valor de um salário mínimo, tendo em vista o artigo 497 do Novo Código de Processo Civil.
É COMO VOTO.
Desembargador Federal
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