Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0001526-25.2020.4.03.6323
Relator(a) para Acórdão
Juiz Federal PAULO CEZAR NEVES JUNIOR
Relator(a)
Juiz Federal MAIRA FELIPE LOURENCO
Órgão Julgador
11ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
07/03/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/03/2022
Ementa
VOTO-EMENTA. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA. ART. 20, DA
LEI 8.742/93 (LOAS). RECURSO DO INSS. NEGADO PROVIMENTO.
1. Pedido de concessão de benefício assistencial ao portador de deficiência.
2. Sentença lançada nos seguintes termos:
“(...) 2.1 Da incapacidade
A médica perita que examinou a parte fez constar de seu laudo que o autor “tem 18 anos, ensino
fundamental completo, nunca conseguiu exercer atividades formais de trabalho. Pleiteia BPC.
Refere que desde os 14 anos sofre de esquizofrenia: alucinações auditivas e sensação de estar
sendo perseguido. Chegou a ser submetido a internação psiquiátrica devido a surto psicótico na
FAMEMA. Atualmente é submetido a tratamento psiquiátrico no posto de saúde e está medicado
com olanzapina na dose de 15 mg/noite. Refere que não consegue ficar sozinho, que tem
lentidão de raciocínio e que por vezes ainda sofre de alucinações auditivas. Gosta de jogar
videogames no computador. Reside com sua mãe e com seu irmão. Tentou exercer atividades de
trabalho em sua cidade na época de natal, mas não conseguiu exercer atividades”.
Em suma, após entrevistar o autor, analisar toda a documentação médica que lhe foi apresentada
e examinar clinicamente o periciando, a médica perita concluiu que o autor é portador de
“Esquizofrenia Paranóide”, doença que lhe causa incapacidade para o exercício de atividade que
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
possa lhe prover o sustento (quesito 4) de forma total e definitiva (quesitos 5 e 6). Em resposta
aos quesitos do juízo, a perita explicou que “a Esquizofrenia Paranoide se caracteriza
essencialmente pela presença de ideias delirantes relativamente estáveis, frequentemente de
perseguição, em geral acompanhadas de alucinações, particularmente auditivas e de
perturbações das percepções.
Autor comprova doença mental há 3 anos, que necessitou de internação psiquiátrica no início do
quadro e comprova hoje prejuízos em seu exame de estado mental que o impossibilitam exercer
atividades de trabalho. Autor aparente controle relativo de sintomas, entretanto prejuízos
cognitivos são evidentes em seu exame, apresenta dificuldades em planejamento de ações e
capacidade de organização psíquicas que o impedem de desenvolver ações e realizar projetos”
(quesito 2).
Questionada quanto à data de início da doença (DID) e da incapacidade (DII), a perita afirmou
que o autor “apresenta incapacidade total e permanente desde a data de 14/11/2017, data de sua
última internação psiquiátrica” (quesito 3).
Restou comprovado, portanto, que o autor se subsume ao conceito legal de pessoa deficiente, na
medida em que possui impedimentos de longo prazo de natureza mental (quesito 8) que podem
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas, exatamente conforme dispõe o § 2º do art. 20 da Lei nº 8.742/93.
2.2 Da miserabilidade
Em 19/09/2020 foi realizado estudo social por perita nomeada por este juízo, cujo laudo foi
anexado aos autos. Segundo relata a perita, o autor reside com a mãe, o pai e um irmão (de 22
anos de idade) em um imóvel financiado, de padrão popular (CDHU), composto por cinco
cômodos, sendo dois quartos, sala, cozinha e banheiro. A moradia está situada na zona urbana,
em bairro residencial de fácil acesso, e é atendido pelos serviços básicos de infraestrutura como
pavimentação, água e esgoto, luz elétrica e coleta de lixo. As fotos que instruem o laudo social
demonstram que a residência está guarnecida com móveis e eletrodomésticos simples, antigos,
desgastados pelo tempo.
A manutenção da família é provida pela remuneração percebida pelo pai do autor, empregado
junto a TRANSMIMO LTDA desde 27/03/2019, conforme demonstra a documentação trazida aos
autos pelo MPF (evento 49).
Na esteira do parecer ministerial, observa-se que a renda familiar é variável, em torno de R$
2.140,00.
Ainda que matematicamente a renda acima indicada, dividida pelas quatro pessoas que
compõem o grupo familiar, totalize uma renda per capita que ultrapassa o valor de ¼ do salário
mínimo, convenço-me de que no caso concreto resta evidenciada a necessidade de socorro pelo
Estado por meio da concessão do benefício assistencial aqui reclamado. O próprio STF
relativizou o critério aritimético da LOAS para definição de miserabilidade, ao emprestar o critério
de ½ salário mínimo adotado em outros benefícios governamentais de natureza assistencial.
Nesse sentido, cito o excerto extraído do voto proferido no Recurso inominado nº 0000826-
30.2012.403.6323, pela C. 2ª TR/SP, tendo por relator o Exmo. Juiz Federal Alexandre Cassetari
que, fazendo referência aos Recursos Extraordinários STF nºs 567.985/MT e 580.963/PR, assim
decidiu:
"Sobre esse assunto é oprotuno destacar que o critério de cálculo utilizado com o intuito de aferir
a renda mensal familiar per capta para fins de concessão de benefício assistencial foi
recentemente apreciado pelo plenário do STF, no julgamento dos R.E. 567985/MT e 580963/PR,
sendo declarada a inconstitucionaoidade incidenter tantum do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93.
(...) No mérito, prevaleceu o entendimento do Ministro Gilmar Mendes, consagrando a
possibilidade de aferição da miserabilidade pelo Juiz, de acordo com o exame das condições
específicas do caso concreto, sem que tal fato represente afronta ao princípio da Separação dos
Poderes (Informativo702, Plenário, Repercussão Geral). (...) Para tanto, penso que o limite de
renda mensal familiar per capita de 1/2 salário mínimo recentemente adotado como critério para
aferição da miserabilidade em programas sociais como o Fome Zero, o Renda Mínima e o Bolsa
Escola mostra-se um norte razoável..." (RI 0000826-30.2012.403.6323, Rel. JF Alexandre
Cassetari, 2ª TR/SP, j. 25/02/2014)
Adotado esse critério, a família matematicamente estaria subsumida ao conceito de miserável, a
ensejar a percepção do benefício de prestação continuada previsto no art. 203, inciso V, CF/88.
Por isso, preenche o autor, objetivamente, também o requisito legal e constitucional da
miserabilidade que lhe assegura o direito à percepção do benefício reclamado nesta ação e que,
indevidamente, lhe foi negado pelo INSS frente a requerimento administrativo com DER em
26/10/2018 (evento 09, fl. 03).
Antes de passar ao dispositivo, entendo cabível, ainda, o deferimento da tutela de urgência, dada
a vulnerabilidade social constatada e a deficiência, evidenciando urgência, além da certeza
própria da cognição exauriente inerente ao momento processual.
Por fim, consigno que eventual reforma desta sentença isenta a parte autora de devolver as
parcelas recebidas no curso do processo, a menos que decida de maneira diversa o r. juízo ad
quem.
Sem mais delongas, passo ao dispositivo.
3. Dispositivo
Posto isto, JULGO PROCEDENTE o pedido e extingo o feito nos termos do art. 487, I, CPC, o
que faço para condenar o INSS a implantar ao autor o benefício assistencial da LOAS com os
seguintes parâmetros:-benefício: BPC da LOAS-deficiente-titular: RAFAEL CORREA TEODORO -
representante: VALQUIRIA CORREA TEODORO-CPF da representante: 220.083.458-66-DIB:
26/10/2018 (DER)-DIP: na data desta sentença – os valores atrasados (vencidos entre a DIB e a
DIP) deverão ser pagos por RPV, acrescidos de juros de mora de 0,5% ao mês mais IPCA-E,
após o trânsito em julgado desta sentença-RMI: um salário mínimo mensal
O benefício deverá ser implantado em nome do autor, porém, pago à sua mãe, Sra. VALQUIRIA
CORREA TEODORO (CPF 220.083.458-66), que fica por este ato nomeada sua curadora
especial exclusivamente para fins de administrar o benefício ora concedido (art. 72, I, CPC), a
quem caberá administrar os recursos do benefício e vertê-lo integralmente em favor do autor,
podendo ser chamada a prestar contas e responder, inclusive criminalmente, caso se constate o
desvio dos recursos em proveito próprio ou finalidade diversa da aqui estabelecida.”
3. Recurso do INSS (em síntese): alega que a parte autora não preenche os requisitos para a
concessão do benefício. Aduz que “a parte recorrida está inserida em grupo familiar com renda
mensal superior a ¼ do salário mínimo, composta pela remuneração de seu genitor em torno de
R$2.140,00 (dois mil cento e quarenta reais), não se tratando de pessoa em situação de
miserabilidade social a ser remediada pelo benefício assistencial. Ainda, residem em casa
financiada e seu irmão, maior de idade, não apresenta qualquer tipo de impedimento para o
trabalho, sendo possível que o mesmo exerça atividades laborais a fim de complementar a renda
do núcleo.”.
4. Verifico que a sentença abordou de forma exaustiva todas as questões arguidas pela parte
recorrente, tendo aplicado o direito de modo irreparável, razão pela qual deve ser mantida por
seus próprios fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95.
5. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
6. Condeno a recorrente vencida ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10%
sobre o valor da condenação (art. 55 da Lei nº 9.099/95), atualizado conforme os parâmetros
estabelecidos pela sentença.
7. É o voto.
PAULO CEZAR NEVES JUNIOR
JUIZ FEDERAL RELATOR PARA ACÓRDÃO
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
11ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001526-25.2020.4.03.6323
RELATOR:32º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECORRIDO: RAFAEL CORREA TEODORO
Advogado do(a) RECORRIDO: JULIANA DE ALMEIDA SALVADOR - SP274992-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001526-25.2020.4.03.6323
RELATOR:32º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECORRIDO: RAFAEL CORREA TEODORO
Advogado do(a) RECORRIDO: JULIANA DE ALMEIDA SALVADOR - SP274992-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Relatório dispensado na forma do artigo 38, "caput", da Lei n. 9.099/95.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001526-25.2020.4.03.6323
RELATOR:32º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECORRIDO: RAFAEL CORREA TEODORO
Advogado do(a) RECORRIDO: JULIANA DE ALMEIDA SALVADOR - SP274992-N
OUTROS PARTICIPANTES:
VOTO
Voto-ementa conforme autorizado pelo artigo 46, primeira parte, da Lei n. 9.099/95.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001526-25.2020.4.03.6323
RELATOR:32º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECORRIDO: RAFAEL CORREA TEODORO
Advogado do(a) RECORRIDO: JULIANA DE ALMEIDA SALVADOR - SP274992-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO
DA PARTE AUTORA. NEGADO PROVIMENTO.
1. Pedido de concessão de benefício assistencial ao deficiente (DER 26/10/2018).
2. Sentença lançada nos seguintes termos:
3.Recurso da parte ré, em que alega:
4. Requisitos para concessão do benefício: idade/deficiência e hipossuficiência econômica.
5. O STF manifestou entendimento no sentido de que o critério preconizado no art. 20, § 3º, Lei
nº 8.742/93 não mais se coaduna com o ordenamento vigente, ante as mudanças econômico-
sociais. (RE 567.985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes e RE
580.963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, julgados em 18/4/2013).
6. Comprovação da carência financeira, para fins de concessão do benefício assistencial, deve
considerar outros fatores indicativos do estado de miserabilidade do indivíduo. Possível
interpretação sistemática com normas que disciplinaram as políticas de amparo e assistência
social promovidas pelo governo federal, que estabelecem o critério de ½ salário mínimo como
patamar definidor da linha da pobreza (Leis n.º 10.836/01 (Bolsa-família), nº 10.689/03
(Programa Nacional de Acesso à Alimentação), nº 10.219/01 (Bolsa-escola).
7. Por sua vez, o STJ decidiu, em sede de recursos repetitivos, que “em âmbito judicial vige o
princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de
tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita
não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De
fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob
pena de cercear o seu direito de julgar” (Resp 1.112.557/MG). Também possui precedentes no
sentido de que deve ser excluído, do cálculo da renda mensal familiar, os benefícios percebidos
por membro do núcleo familiar no valor de 01 (um) salário mínimo. Precedentes: Resp
1.226.027/PR; AgRg no Resp 1.392.529/MG, dentre outros.
8. De uma análise conjugada destes precedentes, reputo que há de prevalecer, de qualquer
forma, o conjunto probatório do caso concreto. Com efeito, o critério objetivo, que pode ser
modificado pela exclusão de benefício no valor de um salário mínimo, não é exclusivo, devendo
ser cotejado com o critério subjetivo de cada caso concreto. Neste passo, deve ser realizada
uma análise do critério objetivo, que pode ser confirmado ou infirmado pelo subjetivo, devendo
prevalecer, a meu ver, este último, caso contrarie o primeiro.
9. Consta do laudo social:
10.As condições de moradia retratadas no laudo social afastam a alegada hipossuficiência.
Trata-se de imóvel em bom estado de conservação e guarnecido por móveis e eletrodomésticos
que atendem asnecessidades básicas básicas da família. Ressalto que o divórcio dos genitores
da parte autora, ocorrido fevereiro de 2021, não afeta o desfecho deste processo, na medida
em que o pedido formulado na petição inicial é a concessão do benefício a partir da DER, em
outubro de 2018. Caso o divórcio prejudicado a situação sócio-econômica da parte autora, ela
deverá apresentar novo requerimento de benefício perante o INSS.
11. Caráter subsidiário do benefício assistencial, devido apenas quando a família não pode
prover a manutenção do idoso/deficiente (artigo 20, da Lei 8.742/93). Benefício que não tem a
finalidade de complementação de renda.
12.RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO, para julgar improcedente o pedido. Revogo a
tutela de urgência. Oficie-se.
13. Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios.
MAÍRA FELIPE LOURENÇO
JUÍZA FEDERAL RELATORA
VOTO-EMENTA. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA. ART. 20,
DA LEI 8.742/93 (LOAS). RECURSO DO INSS. NEGADO PROVIMENTO.
1. Pedido de concessão de benefício assistencial ao portador de deficiência.
2. Sentença lançada nos seguintes termos:
“(...) 2.1 Da incapacidade
A médica perita que examinou a parte fez constar de seu laudo que o autor “tem 18 anos,
ensino fundamental completo, nunca conseguiu exercer atividades formais de trabalho. Pleiteia
BPC. Refere que desde os 14 anos sofre de esquizofrenia: alucinações auditivas e sensação de
estar sendo perseguido. Chegou a ser submetido a internação psiquiátrica devido a surto
psicótico na FAMEMA. Atualmente é submetido a tratamento psiquiátrico no posto de saúde e
está medicado com olanzapina na dose de 15 mg/noite. Refere que não consegue ficar sozinho,
que tem lentidão de raciocínio e que por vezes ainda sofre de alucinações auditivas. Gosta de
jogar videogames no computador. Reside com sua mãe e com seu irmão. Tentou exercer
atividades de trabalho em sua cidade na época de natal, mas não conseguiu exercer
atividades”.
Em suma, após entrevistar o autor, analisar toda a documentação médica que lhe foi
apresentada e examinar clinicamente o periciando, a médica perita concluiu que o autor é
portador de “Esquizofrenia Paranóide”, doença que lhe causa incapacidade para o exercício de
atividade que possa lhe prover o sustento (quesito 4) de forma total e definitiva (quesitos 5 e 6).
Em resposta aos quesitos do juízo, a perita explicou que “a Esquizofrenia Paranoide se
caracteriza essencialmente pela presença de ideias delirantes relativamente estáveis,
frequentemente de perseguição, em geral acompanhadas de alucinações, particularmente
auditivas e de perturbações das percepções.
Autor comprova doença mental há 3 anos, que necessitou de internação psiquiátrica no início
do quadro e comprova hoje prejuízos em seu exame de estado mental que o impossibilitam
exercer atividades de trabalho. Autor aparente controle relativo de sintomas, entretanto
prejuízos cognitivos são evidentes em seu exame, apresenta dificuldades em planejamento de
ações e capacidade de organização psíquicas que o impedem de desenvolver ações e realizar
projetos” (quesito 2).
Questionada quanto à data de início da doença (DID) e da incapacidade (DII), a perita afirmou
que o autor “apresenta incapacidade total e permanente desde a data de 14/11/2017, data de
sua última internação psiquiátrica” (quesito 3).
Restou comprovado, portanto, que o autor se subsume ao conceito legal de pessoa deficiente,
na medida em que possui impedimentos de longo prazo de natureza mental (quesito 8) que
podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com
as demais pessoas, exatamente conforme dispõe o § 2º do art. 20 da Lei nº 8.742/93.
2.2 Da miserabilidade
Em 19/09/2020 foi realizado estudo social por perita nomeada por este juízo, cujo laudo foi
anexado aos autos. Segundo relata a perita, o autor reside com a mãe, o pai e um irmão (de 22
anos de idade) em um imóvel financiado, de padrão popular (CDHU), composto por cinco
cômodos, sendo dois quartos, sala, cozinha e banheiro. A moradia está situada na zona urbana,
em bairro residencial de fácil acesso, e é atendido pelos serviços básicos de infraestrutura
como pavimentação, água e esgoto, luz elétrica e coleta de lixo. As fotos que instruem o laudo
social demonstram que a residência está guarnecida com móveis e eletrodomésticos simples,
antigos, desgastados pelo tempo.
A manutenção da família é provida pela remuneração percebida pelo pai do autor, empregado
junto a TRANSMIMO LTDA desde 27/03/2019, conforme demonstra a documentação trazida
aos autos pelo MPF (evento 49).
Na esteira do parecer ministerial, observa-se que a renda familiar é variável, em torno de R$
2.140,00.
Ainda que matematicamente a renda acima indicada, dividida pelas quatro pessoas que
compõem o grupo familiar, totalize uma renda per capita que ultrapassa o valor de ¼ do salário
mínimo, convenço-me de que no caso concreto resta evidenciada a necessidade de socorro
pelo Estado por meio da concessão do benefício assistencial aqui reclamado. O próprio STF
relativizou o critério aritimético da LOAS para definição de miserabilidade, ao emprestar o
critério de ½ salário mínimo adotado em outros benefícios governamentais de natureza
assistencial. Nesse sentido, cito o excerto extraído do voto proferido no Recurso inominado nº
0000826-30.2012.403.6323, pela C. 2ª TR/SP, tendo por relator o Exmo. Juiz Federal
Alexandre Cassetari que, fazendo referência aos Recursos Extraordinários STF nºs 567.985/MT
e 580.963/PR, assim decidiu:
"Sobre esse assunto é oprotuno destacar que o critério de cálculo utilizado com o intuito de
aferir a renda mensal familiar per capta para fins de concessão de benefício assistencial foi
recentemente apreciado pelo plenário do STF, no julgamento dos R.E. 567985/MT e
580963/PR, sendo declarada a inconstitucionaoidade incidenter tantum do § 3º do art. 20 da Lei
nº 8.742/93. (...) No mérito, prevaleceu o entendimento do Ministro Gilmar Mendes,
consagrando a possibilidade de aferição da miserabilidade pelo Juiz, de acordo com o exame
das condições específicas do caso concreto, sem que tal fato represente afronta ao princípio da
Separação dos Poderes (Informativo702, Plenário, Repercussão Geral). (...) Para tanto, penso
que o limite de renda mensal familiar per capita de 1/2 salário mínimo recentemente adotado
como critério para aferição da miserabilidade em programas sociais como o Fome Zero, o
Renda Mínima e o Bolsa Escola mostra-se um norte razoável..." (RI 0000826-
30.2012.403.6323, Rel. JF Alexandre Cassetari, 2ª TR/SP, j. 25/02/2014)
Adotado esse critério, a família matematicamente estaria subsumida ao conceito de miserável,
a ensejar a percepção do benefício de prestação continuada previsto no art. 203, inciso V,
CF/88.
Por isso, preenche o autor, objetivamente, também o requisito legal e constitucional da
miserabilidade que lhe assegura o direito à percepção do benefício reclamado nesta ação e
que, indevidamente, lhe foi negado pelo INSS frente a requerimento administrativo com DER
em 26/10/2018 (evento 09, fl. 03).
Antes de passar ao dispositivo, entendo cabível, ainda, o deferimento da tutela de urgência,
dada a vulnerabilidade social constatada e a deficiência, evidenciando urgência, além da
certeza própria da cognição exauriente inerente ao momento processual.
Por fim, consigno que eventual reforma desta sentença isenta a parte autora de devolver as
parcelas recebidas no curso do processo, a menos que decida de maneira diversa o r. juízo ad
quem.
Sem mais delongas, passo ao dispositivo.
3. Dispositivo
Posto isto, JULGO PROCEDENTE o pedido e extingo o feito nos termos do art. 487, I, CPC, o
que faço para condenar o INSS a implantar ao autor o benefício assistencial da LOAS com os
seguintes parâmetros:-benefício: BPC da LOAS-deficiente-titular: RAFAEL CORREA
TEODORO - representante: VALQUIRIA CORREA TEODORO-CPF da representante:
220.083.458-66-DIB: 26/10/2018 (DER)-DIP: na data desta sentença – os valores atrasados
(vencidos entre a DIB e a DIP) deverão ser pagos por RPV, acrescidos de juros de mora de
0,5% ao mês mais IPCA-E, após o trânsito em julgado desta sentença-RMI: um salário mínimo
mensal
O benefício deverá ser implantado em nome do autor, porém, pago à sua mãe, Sra.
VALQUIRIA CORREA TEODORO (CPF 220.083.458-66), que fica por este ato nomeada sua
curadora especial exclusivamente para fins de administrar o benefício ora concedido (art. 72, I,
CPC), a quem caberá administrar os recursos do benefício e vertê-lo integralmente em favor do
autor, podendo ser chamada a prestar contas e responder, inclusive criminalmente, caso se
constate o desvio dos recursos em proveito próprio ou finalidade diversa da aqui estabelecida.”
3. Recurso do INSS (em síntese): alega que a parte autora não preenche os requisitos para a
concessão do benefício. Aduz que “a parte recorrida está inserida em grupo familiar com renda
mensal superior a ¼ do salário mínimo, composta pela remuneração de seu genitor em torno de
R$2.140,00 (dois mil cento e quarenta reais), não se tratando de pessoa em situação de
miserabilidade social a ser remediada pelo benefício assistencial. Ainda, residem em casa
financiada e seu irmão, maior de idade, não apresenta qualquer tipo de impedimento para o
trabalho, sendo possível que o mesmo exerça atividades laborais a fim de complementar a
renda do núcleo.”.
4. Verifico que a sentença abordou de forma exaustiva todas as questões arguidas pela parte
recorrente, tendo aplicado o direito de modo irreparável, razão pela qual deve ser mantida por
seus próprios fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95.
5. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
6. Condeno a recorrente vencida ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10%
sobre o valor da condenação (art. 55 da Lei nº 9.099/95), atualizado conforme os parâmetros
estabelecidos pela sentença.
7. É o voto.
PAULO CEZAR NEVES JUNIOR
JUIZ FEDERAL RELATOR PARA ACÓRDÃO
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira
Turma, por maioria, negou provimento ao recurso do INSS, restando vencida a Juíza Federal
Relatora Dra Maíra Felipe Lourenço Participaram do julgamento os Senhores Juízes Federais:
Maíra Felipe Lourenço, Paulo Cezar Neves Junior e Luciana Melchiori Bezerra, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
