Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5002772-06.2017.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
16/10/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 18/10/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA NÃO CARACTERIZADA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. FIXAÇÃO DOS
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art.
203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa
deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de
carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim
de condições de tê-las providas pela família.
2. Segundo a Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) "para efeito de concessão do
benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas". De acordo com a referida lei, entende-se
por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
3. Consoante perícia médica produzida é possível concluir que o estado clínico da parte-autora
implica a existência de impedimento de longo prazo, o qual, em interação com uma ou mais
barreiras, poderia obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas, devendo, assim, ser considerada pessoa com deficiência
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
para os efeitos legais.
4. O estudo social produzido indica que, embora a economia doméstica não seja de fartura, os
filhos suprem as necessidades essenciais da autora.
5. O direito ao benefício assistencial de prestação continuada está atrelado à situação de sensível
carência material enfrentada pelo postulante, não bastando para a sua concessão a alegação de
meras dificuldades financeiras, sob pena de desnaturar o objetivo almejado pelo constituinte, isto
é, dar amparo ao deficiente e ao idoso inseridos em contextos de manifesta privação de recursos,
e banalizar a utilização do instituto, sobrecarregando, desse modo, o orçamento da Seguridade
Social.
6. Honorários advocatícios pela parte autora, fixados em 10% sobre o valor da causa, observada
a condição de beneficiário da assistência judiciária gratuita, se o caso (Lei 1.060/50 e Lei
13.105/15).
7. Apelação do INSS provida. Apelação da parte autora prejudicada.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002772-06.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: POLONIA SOUZA DO NASCIMENTO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: IVAN JOSE BORGES JUNIOR - SP257668-S
APELADO: POLONIA SOUZA DO NASCIMENTO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: IVAN JOSE BORGES JUNIOR - SP257668-S
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO (198) Nº 5002772-06.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: POLONIA SOUZA DO NASCIMENTO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: IVAN JOSE BORGES JUNIOR - SP257668-S
APELADO: POLONIA SOUZA DO NASCIMENTO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: IVAN JOSE BORGES JUNIOR - SP257668-S
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação pelo rito comum
proposta por POLONIA SOUZA DO NASCIMENTO em face do Instituto Nacional do Seguro
Social - INSS, em que se objetiva a concessão do benefício assistencial previsto no artigo 203 da
Constituição Federal e artigo 20 da Lei 8.742/1993 (Loas).
Foi apresentada contestação.
Estudo Social realizado em 03.07.2016.
Perícia Judicial realizada em 22.09.2016.
O pedido foi julgado procedente, condenando-se o INSS a conceder o benefício assistencial à
parte autora, no valor de um salário mínimo, a partir da data da juntada do estudo social, corrigido
monetariamente, bem como, a arcar com os honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o
valor das prestações vencidas até a data da sentença, conforme Súmula 111 do STJ.
A parte autora interpôs apelação requerendo a fixação do termo inicial do benefício na data do
indeferimento administrativo.
O INSS também interpôs apelação alegando ausência de comprovação dos requisitos
necessários à concessão do benefício.
Com as contrarrazões do INSS, os autos subiram a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação do INSS e pelo provimento
da apelação da parte autora.
O feito foi incluído na Sessão de Julgamentos de 24.04.2018, ocasião na qual houve pedido de
vista do Desembargador Federal Sergio Nascimento. Posteriormente, na Sessão de 15.05.2018 o
feito foi retirado de pauta após indicação daquele e. Desembargador Federal para conversão em
diligência e realização de novo Estudo Social.
Novo Estudo Social realizado em 03.08.2018.
Com o retorno dos autos a esta Corte, o Ministério Público Federal reiterou o parecer anterior,
opinando pelo desprovimento da apelação do INSS e pelo provimento da apelação da parte
autora apenas quanto à data do início do benefício.
É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5002772-06.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: POLONIA SOUZA DO NASCIMENTO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: IVAN JOSE BORGES JUNIOR - SP257668-S
APELADO: POLONIA SOUZA DO NASCIMENTO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: IVAN JOSE BORGES JUNIOR - SP257668-S
OUTROS PARTICIPANTES:
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Inicialmente, assinale-se que o
benefício aqui postulado é de natureza assistencial e deve ser prestado a quem dele necessitar,
independentemente do recolhimento de contribuições.
O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203,
V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente
e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos
recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de
condições de tê-las providas pela família:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
...........................................................
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei.".
Até a regulamentação do citado dispositivo constitucional, ocorrida com a edição da Lei
8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), a proteção ao deficiente e ao idoso
hipossuficientes era objeto da Lei 6.179/1974, a qual instituiu o benefício denominado "amparo
previdenciário" destinado a pessoas maiores de 70 (setenta) anos ou inválidas, consistente no
pagamento mensal de renda vitalícia equivalente à metade do salário mínimo vigente no país. A
partir do advento da Constituição de 1988, o valor do benefício foi elevado para 1 (um) salário
mínimo, à vista do disposto no art. 139, § 2º, da Lei 8.231/1991.
A renda mensal vitalícia em referência foi extinta pelo art. 40 da Lei 8.742/1993, sendo
estabelecido em seu lugar o benefício assistencial de prestação continuada previsto no art. 20 do
mesmo diploma legal.
Atualmente, a disciplina legal do instituto encontra-se formatada pelas Leis 9.720/1998
12.435/2011, 12.470/2011 e 13.146/2015, as quais promoveram alterações substanciais nos arts.
20 e 21 da Lei Orgânica da Assistência Social.
No tocante aos beneficiários, dispõe o art. 20 da Lei 8.231/1991:
"Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família."
Em relação ao idoso, cumpre registrar que originariamente o dispositivo em análise estabelecia a
idade mínima de 70 (setenta) anos como requisito para a obtenção do benefício, sendo
estabelecida, ao mesmo tempo, regra de transição no art. 38 do mesmo estatuto legal, pela qual
o critério etário deveria ser reduzido gradativamente, passando a 67 (sessenta e sete) anos
contados 24 (vinte e quatro) meses e 65 (sessenta e cinco) anos em 48 (quarenta e oito) meses,
respectivamente. Contudo, a Lei 9.720/1998, objeto de conversão da Medida Provisória 1599-
50/1998, fixou a idade limite em 67 (sessenta e sete) anos a partir de 1º de janeiro de 1998.
Com o advento do Estatuto do Idoso, mediante a edição da Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003,
acabou-se por eleger a idade de 65 (sessenta e cinco) anos como critério etário para a percepção
do benefício assistencial, nos seguintes termos:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover
sua subsistência, nem tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um)
salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas."
Finalmente, a Lei 12.435/2011 promoveu a atualização do art. 20 da Lei 8.742/1993, prevendo a
idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos, e, de outro lado, revogou o art. 38, na redação dada
pela Lei 9.720/1998.
Assim, a pessoa maior de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, a partir do início da vigência do
Estatuto do Idoso, desde que exposta à situação de hipossuficiência material, pode ser amparada
pela Seguridade Social por meio do benefício assistencial de prestação continuada.
No que concerne à pessoa com deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social evidenciam tendência evolutiva
na consideração da sua conceituação legal. Originariamente, a deficiência encontrava-se
relacionada à incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Posteriormente, a Lei
12.435/2011 incluiu no dispositivo em análise a definição contida no art. 1º da Convenção sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência de 30.03.2007, incorporada ao ordenamento jurídico
interno pelo Decreto n. 6.949/2009, de acordo com a qual:
"Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas."
Entretanto, ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Note-se que a jurisprudência já vinha suavizando a interpretação sobre o alcance da aludida
incapacidade, como se extrai da seguinte decisão:
"PROCESSUAL CIVIL - BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO - AUSÊNCIA DE CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU OMISSÃO - EFEITO
MODIFICATIVO OU INFRINGENTE - INADMISSIBILIDADE - PREQUESTIONAMENTO.
I - Os embargos servem apenas para esclarecer o obscuro, corrigir a contradição ou integrar o
julgado. De regra, não se prestam para modificar o mérito do julgamento em favor da parte.
II - Não consiste no fator determinante do princípio da seletividade e distributividade a
incapacidade para a vida independente e para o trabalho. A Constituição Federal é expressa em
seu artigo 203, inciso V, que o benefício assistencial será devido à pessoa portadora de
deficiência.
III - Os embargos de declaração interpostos com notório propósito de prequestionamento não têm
caráter protelatório.
IV - Embargos de declaração rejeitados.
(TRF 3ª Região, DÉCIMA TURMA, AC 0000553-96.2003.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR
FEDERAL SERGIO NASCIMENTO, julgado em 14/12/2004, DJU DATA:21/02/2005) (Grifou-se)
A propósito do tema, confira-se ainda o teor da Súmula n. 29 da Turma Nacional de
Uniformização - TNU dos Juizados Especiais:
"Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei 8.742/93, incapacidade para a vida independente não é só
aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de
prover ao próprio sustento."
Em compasso com a evolução interpretativa promovida pela jurisprudência, a Lei 12.470/2011
abandonou o parâmetro consubstanciado na incapacidade para a vida independente e para o
trabalho, preservando a definição consagrada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei
13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa
com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
Ademais, cumpre assinalar que o § 10, do mesmo dispositivo, incluído pela Lei 12.470/2011,
considera por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois)
anos.
No tocante à situação socioeconômica do beneficiário, consta do § 3º do art. 20 da Lei Orgânica
da Assistência Social, com a redação dada pela Lei 12.435/2001:
"Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja
renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo."
Inicialmente, o dispositivo em referência teve a constitucionalidade afirmada pelo Supremo
Tribunal Federal em sede de controle concentrado na ADIn nº 1.232-1 (Rel. Min. Ilmar Galvão,
por redistribuição, DJU, 26 maio 1995, p. 15154). Entretanto, a pretexto da ocorrência de
processo de inconstitucionalização oriundo de alterações de ordem fática (políticas, econômicas e
sociais) e jurídica (estabelecimento de novos patamares normativos para concessão de
benefícios assistenciais em geral), o Supremo Tribunal Federal reviu o anterior posicionamento,
declarando a inconstitucionalidade parcial do dispositivo, sem pronúncia de nulidade, em julgado
assim ementado:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V,
da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na
ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve
sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente
miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto
constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo
Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais
contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos
critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não
pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita
estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se
contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de
miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas
leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O
Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do
processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas,
econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares
econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte
do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade,
do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(RE 567985, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES,
Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 02-10-2013
PUBLIC 03-10-2013).
Consequentemente, foi rechaçada a aferição da miserabilidade unicamente pelo critério objetivo
previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, passando-se a admitir o exame das reais condições
sociais e econômicas do postulante ao benefício, como denota a seguinte decisão:
"Agravos regimentais em reclamação. Perfil constitucional da reclamação. Ausência dos
requisitos. Recursos não providos. 1. Por atribuição constitucional, presta-se a reclamação para
preservar a competência do STF e garantir a autoridade de suas decisões (art. 102, inciso I,
alínea l, CF/88), bem como para resguardar a correta aplicação de súmula vinculante (art. 103-A,
§ 3º, CF/88). 2. A jurisprudência desta Corte desenvolveu parâmetros para a utilização dessa
figura jurídica, dentre os quais se destaca a aderência estrita do objeto do ato reclamado ao
conteúdo das decisões paradigmáticas do STF. 3. A definição dos critérios a serem observados
para a concessão do benefício assistencial depende de apurado estudo e deve ser verificada de
acordo com as reais condições sociais e econômicas de cada candidato à beneficiário, não sendo
o critério objetivo de renda per capta o único legítimo para se aferir a condição de miserabilidade.
Precedente (Rcl nº 4.374/PE) 4. Agravos regimentais não providos."(Rcl 4154 AgR, Relator(a):
Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 19/09/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-229
DIVULG 20-11-2013 PUBLIC 21-11-2013)
É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça já se servia de outros meios de prova
para aferir a hipossuficiência do postulante ao amparo assistencial, além do montante da renda
per capita, reputando a fração estabelecida no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 como parâmetro
abaixo do qual a miserabilidade deve ser presumida de forma absoluta. Nesse sentido, a seguinte
decisão prolatada em sede de recurso especial representativo de controvérsia:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009).
No mesmo sentido tem se orientado a jurisprudência desta Corte:
CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
AGRAVO (CPC, ART. 557, §1º). REQUISITOS LEGAIS NÃO COMPROVADOS.
I - Ao negar seguimento à apelação da parte autora, a decisão agravada levou em conta que, não
obstante o preenchimento do requisito etário, não restou comprovada a sua miserabilidade.
II - Não se olvida que o entendimento predominante na jurisprudência é o de que o limite de renda
per capita de um quarto do salário mínimo, previsto no artigo 20, §3º, da Lei 8.742/93, à luz do
sistema de proteção social ora consolidado, se mostra inconstitucional, devendo a análise da
miserabilidade levar em conta a situação específica do postulante ao benefício assistencial.
Todavia, no caso dos autos, observada a situação socioeconômica da parte autora, não restou
comprovada a miserabilidade alegada.
III - Agravo (CPC, art. 557, §1º) interposto pela parte autora improvido.
(TRF 3ª Região, DÉCIMA TURMA, AC 0011936-51.2015.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR
FEDERAL SERGIO NASCIMENTO, julgado em 18/08/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/08/2015)
Atualmente encontra-se superada a discussão em torno da renda per capita familiar como único
parâmetro de medida do critério socioeconômico, pois, com a inclusão pela Lei 13.146/2015 do §
11 no art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, passou a constar previsão legal expressa
autorizando a utilização de outros elementos probatórios para a verificação da miserabilidade e
do contexto de vulnerabilidade do grupo familiar exigidos para a concessão do benefício
assistencial de prestação continuada.
Note-se que, no tocante a idoso, para fins de composição da renda familiar per capita, o
parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) faz ressalva do valor oriundo de
benefício já concedido a qualquer membro da família:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover
sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1
(um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não
será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas."
A propósito, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade por omissão do
dispositivo, sem pronúncia de nulidade, para abranger na ressalva legal os benefícios
assistenciais percebidos por deficientes e de previdenciários, no montante de até um salário
mínimo, destinados a idosos.
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V,
da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na
ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que: "considera-se incapaz de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela Lei teve
sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente
miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto
constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo
Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais
contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de inconstitucionalização dos
critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não
pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita
estabelecido pela LOAS. Como a Lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de
contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de avaliar o real estado de
miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas
leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais,
tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o
Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei
9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que
instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O
Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência
do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas,
econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares
econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte
do Estado brasileiro). 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único,
da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício
assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo
da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais
recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por
idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em
relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos
idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial
inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do
art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(o grifo não consta no original)".
(RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013,
PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013
PUBLIC 14-11-2013).
Cumpre, então, examinar o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício
pleiteado no caso vertente.
Consoante perícia médica produzida é possível concluir que o estado clínico da parte autora
implica a existência de impedimento de longo prazo, o qual, em interação com uma ou mais
barreiras, poderia obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas, devendo, assim, ser considerada pessoa com deficiência
para os efeitos legais.
No tocante à demonstração da miserabilidade, o Estudo Social produzido em 03.07.2016 indicava
que o grupo familiar era integrado pela parte postulante e uma neta de 17 anos.
Deve-se destacar, no entanto, que nos termos do art. 20, §1º, da Lei 8.742/93, na redação dada
pela Lei 12.435/2011, "a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais
e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados
solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto". Assim, não obstante o rol
estipulado na referida norma não seja taxativo, a neta da autora, mesmo que esteja na mesma
residência, compõe núcleo familiar distinto, porquanto não há efetiva comprovação de sua
guarda.
À época do Estudo Social (07/2016) foi informado que a renda mensal consistia em R$ 170,00,
proveniente do benefício “Vale Renda”. O imóvel em que residiam era próprio, localizado em
bairro periférico dotado de boa infraestrutura urbana e guarnecido com móveis e eletrodomésticos
em razoável estado de conservação. As despesas básicas mensais eram de R$ 40,00 de água,
R$ 100,00 de energia elétrica, R$ 300,00 de medicamentos, bem como R$ 65,00 de gás a cada
45 dias.
Segundo o artigo 229 da Constituição Federal de 1988, "os pais têm o dever de assistir, criar e
educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade". No caso, a autora possui três filhos casados que não residem com ela,
os quais, segundo o Estudo Social, custeiam suas despesas. Ademais, consta que os genitores
da neta a auxiliam, esporadicamente, com roupas e calçados. Conforme relata a assistente
social: “familiares prestam auxílio quanto alimentação e despesas com a manutenção do imóvel
em que reside, com a neta de 17 anos, estudante do oitavo ano do ensino fundamental”.
Posteriormente, no novo Estudo Social, produzido em 03.08.2018, consta que a autora está
morando sozinha, haja vista que a neta passou a residir com o namorado. Foi informado que a
autora estava incluída no Programa Vale Renda, no valor de R$ 180,00. No mais, os filhos
auxiliam no pagamento da água (R$ 79,00) e luz (R$ 67,00). E, às vezes, com R$ 50,00 a R$
100,00. A autora também afirmou que os filhos querem que ela vá morar com eles, masela não
quer sair de sua casa no momento. Ademais, afirma que um dos filhos faz compra de alimentos a
cada três meses e que os mesmos duram bastante, pois ela vive sozinha.
Dessa forma, conquanto a economia doméstica não seja de fartura, os filhos supriam e suprem
as necessidades essenciais da autora. Inclusive, a convidaram a morar com eles, sendo claro que
a recusa é apenas da autora.
Há que se esclarecer que o benefício assistencial é subsidiário à assistência familiar. Não é
optativo.
Anote-se que o direito ao benefício assistencial de prestação continuada está atrelado à situação
de sensível carência material enfrentada pelo postulante, não bastando para a sua concessão a
alegação de meras dificuldades financeiras, sob pena de desnaturar o objetivo almejado pelo
Constituinte, isto é, dar amparo ao deficiente e ao idoso inseridos em contextos de manifesta
privação de recursos, e banalizar a utilização do instituto, sobrecarregando, desse modo, o
combalido orçamento da Seguridade Social.
Assim, no caso em apreço, não restaram satisfeitos todos os requisitos necessários à concessão
do benefício de prestação continuada contemplado no art. 203, V, do Texto Constitucional, e art.
20, caput, da Lei 8.742/1993.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, restando prejudicada a
apelação da parte autora.
Honorários advocatícios pela parte autora, fixados em 10% sobre o valor da causa, observada a
condição de beneficiário da assistência judiciária gratuita, se o caso (Lei 1.060/50 e Lei
13.105/15).
É o voto.
PROCESSO N. 5002772-06.2017.4.03.999
VOTO-VISTA
Polonia Souza do Nascimento ajuizou a presente ação previdenciária objetivando a concessão do
benefício assistencial previsto no artigo 203 da Constituição Federal e no artigo 20 da Lei n.
8.742/1993, tendo o pedido sido julgado procedente em Primeira Instância, com a consequente
condenação da autarquia previdenciária em conceder o aludido benefício a contar da data da
juntada do estudo social.
Interpostas apelações por ambas as partes, vieram os presentes autos para esta Turma
Julgadora.
O i. Relator, o Exmo. Sr. Desembargador Federal Nelson Porfírio, em seu brilhante voto, houve
por bem dar provimento à apelação do INSS, para julgar improcedente o pedido formulado na
inicial, por entender que não restou comprovada a alegada miserabilidade ensejadora da
concessão do benefício em tela.
Assinala o i. Relator que “...o grupo familiar é integrado pela parte postulante e uma neta menor
de idade...”, sendo que “...À época do Estudo Social (06/2016) foi informado que a renda mensal
consistia em R$ 170,00, proveniente do benefício ‘Vale Renda’. Pondera, contudo, que “...a
autora possui três filhos casados que não residem com ela, os quais, segundo o Estudo Social,
custeiam suas despesas...”, concluindo, assim, que “..os filhos suprem as necessidades
essenciais da autora e da neta...”.
Pedi vista dos autos apenas para melhor reflexão quanto aos aspectos fáticos e jurídicos que
envolvem a presente causa.
De início, adiro ao entendimento do i. Relator quanto à existência de impedimento de longo prazo
a afetar a autora, podendo ser considerada deficiente para os efeitos legais.
Todavia, divirjo, data vênia, de sua posição no tocante à inexistência de miserabilidade, pelas
razões que passo a discorrer.
Com efeito, o estudo social elaborado em 03.07.2016 aponta que o núcleo familiar é integrado
pela autora e por sua neta, sendo que a renda provem unicamente do Programa Vale Renda, no
importe de R$ 170,00. Consigna, outrossim, a existência de gastos de R$ 40,00 com água, R$
100,00 de energia elétrica, sendo que as contas estão atrasadas. Reporta, ainda, que os filhos
custeiam as despesas, conforme suas possibilidades, sem valores fixos e periodicidade (resposta
ao quesito n. 06 do INSS).
Depreende-se do conjunto probatório dos autos que o auxílio financeiro prestado pelos filhos
caracteriza-se pela precariedade, não podendo a autora contar com a garantia destes
recebimentos, além do que eles se mostram insuficientes, dadas as contas de água e energia
elétrica atrasadas.
Ademais, os três filhos que eventualmente aportam recursos financeiros são casados, ou seja,
possuem famílias próprias, o que faz presumir que apenas um pequeno excedente se destina à
autora e à sua neta, já que a prioridade é o atendimento das necessidades de suas respectivas
famílias.
Insta ressaltar, ainda, o preceituado no art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/1993, in verbis:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo à pessoa com
deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padastro, os irmãos solteiros,
os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Nesse passo, anote-se que os filhos nem comporiam a renda per capita familiar, uma vez que são
casados e não vivem sob o mesmo teto com a autora.
Nesse sentido, confira-se a jurisprudência:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. BENEFÍCIO DE AMPARO
SOCIAL À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. LEI Nº 8.742. REQUISITOS LEGAIS
ATENDIDOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS.
(..)
8. O estudo social demonstra a presença da condição de miserabilidade da parte autora,
viabilizada pela exclusão do neto e dos filhos casados do grupo familiar, nos termos do item 4,
bem como pela exclusão do benefício do Programa Bolsa Família, ante o seu caráter eventual.
(...)
(TRF – 1ª Região; AC. n. 00376022520114019199; 2ª Turma; Rel. Des. Fed. Francisco de Assis
Betti; e-DJF1 18.08.2014)
Não se olvide, outrossim, do dever recíproco de prestar alimentos entre pais e filhos, conforme
estatuído no art. 1.696 do Código Civil, contudo não há nos autos elementos que apontem a
efetiva capacidade dos filhos em prover com segurança e certeza as necessidades básicas da
autora.
Em síntese, ante a comprovação de que a autora é portadora de deficiência e que não possuí
meios para prover sua manutenção ou tê-la provida por sua família, é de rigor a concessão do
benefício de prestação continuada, na forma prevista no art. 20 da Lei n. 8.742/93.
O termo inicial do benefício deve ser mantido a partir da juntada do estudo social (04.07.2016),
uma vez que à época da entrada do requerimento administrativo (17.12.2013), não é possível
firmar convicção acerca da existência do requisito da miserabilidade.
A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência,
observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado em
20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta de
poupança a partir de 30.06.2009.
Mantidos, também, os honorários advocatícios arbitrados na sentença, em 10% sobre as
prestações devidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do STJ e entendimento
desta Corte.
Diante do exposto, divirjo, data vênia, do i. Relator, e nego provimento à apelação do INSS e à
apelação da parte autora. Verbas acessórias na forma acima explicitada. Mantidos honorários
advocatícios em 10% sobre o valor das prestações vencidas até a data da sentença.
Determino que independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído
com os devidos documentos da parte autora POLONIA SOUZA DO NASCIMENTO, a fim de
serem adotadas as providências cabíveis para que seja o BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA implantado de imediato, com data de início - DIB em 04.07.2016, no valor de um
salário mínimo, tendo em vista o "caput" do artigo 497 do CPC.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA NÃO CARACTERIZADA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. FIXAÇÃO DOS
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art.
203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa
deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de
carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim
de condições de tê-las providas pela família.
2. Segundo a Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) "para efeito de concessão do
benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas". De acordo com a referida lei, entende-se
por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
3. Consoante perícia médica produzida é possível concluir que o estado clínico da parte-autora
implica a existência de impedimento de longo prazo, o qual, em interação com uma ou mais
barreiras, poderia obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas, devendo, assim, ser considerada pessoa com deficiência
para os efeitos legais.
4. O estudo social produzido indica que, embora a economia doméstica não seja de fartura, os
filhos suprem as necessidades essenciais da autora.
5. O direito ao benefício assistencial de prestação continuada está atrelado à situação de sensível
carência material enfrentada pelo postulante, não bastando para a sua concessão a alegação de
meras dificuldades financeiras, sob pena de desnaturar o objetivo almejado pelo constituinte, isto
é, dar amparo ao deficiente e ao idoso inseridos em contextos de manifesta privação de recursos,
e banalizar a utilização do instituto, sobrecarregando, desse modo, o orçamento da Seguridade
Social.
6. Honorários advocatícios pela parte autora, fixados em 10% sobre o valor da causa, observada
a condição de beneficiário da assistência judiciária gratuita, se o caso (Lei 1.060/50 e Lei
13.105/15).
7. Apelação do INSS provida. Apelação da parte autora prejudicada. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Decima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento a apelacao do INSS, prejudicada a apelacao da parte
autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
