
| D.E. Publicado em 15/06/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO apenas em relação ao termo inicial do benefício, fixando, de ofício, os consectários legais e determinando a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004247-48.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação pelo rito ordinário proposta por JOÃO GABRIEL FERREIRA DE QUEIROZ, incapaz, em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, em que se objetiva a concessão do benefício assistencial previsto no artigo 203 da Constituição Federal e artigo 20 da Lei 8.742/1993 (Loas).
Contestação às fls. 31/36.
Estudo Social às fls. 52/55.
Perícia Judicial às fls. 100/108.
O pedido foi julgado procedente, condenando-se o INSS a conceder o benefício assistencial a partir da data do requerimento administrativo, corrigido monetariamente, bem como a arcar com honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ (fls. 122/124).
Sentença não submetida ao reexame necessário.
O INSS também apelou e pugnou pela reforma da sentença, ao argumento de não restarem preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício. Subsidiariamente, requer que a data do início do benefício seja fixada na data da juntada do Estudo Social ou da data da prolação da sentença e a alteração dos consectários legais.
Com as contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento parcial da apelação do INSS, para que o benefício fosse concedido apenas nos períodos de 08/2014 a 04/2015 e após 04/2016 (fls. 158/160).
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Assinale-se que o benefício aqui postulado é de natureza assistencial e deve ser prestado a quem dele necessitar, independentemente do recolhimento de contribuições.
O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família:
Até a regulamentação do citado dispositivo constitucional, ocorrida com a edição da Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), a proteção ao deficiente e ao idoso hipossuficientes era objeto da Lei 6.179/1974, a qual instituiu o benefício denominado "amparo previdenciário" destinado a pessoas maiores de 70 (setenta) anos ou inválidas, consistente no pagamento mensal de renda vitalícia equivalente à metade do salário mínimo vigente no país. A partir do advento da Constituição de 1988, o valor do benefício foi elevado para 1 (um) salário mínimo, à vista do disposto no art. 139, § 2º, da Lei 8.231/1991.
A renda mensal vitalícia em referência foi extinta pelo art. 40 da Lei 8.742/1993, sendo estabelecido em seu lugar o benefício assistencial de prestação continuada previsto no art. 20 do mesmo diploma legal.
Atualmente, a disciplina legal do instituto encontra-se formatada pelas Leis 9.720/1998 12.435/2011, 12.470/2011 e 13.146/2015, as quais promoveram alterações substanciais nos arts. 20 e 21 da Lei Orgânica da Assistência Social.
No tocante aos beneficiários, dispõe o art. 20 da Lei 8.231/1991:
Em relação ao idoso, cumpre registrar que originariamente o dispositivo em análise estabelecia a idade mínima de 70 (setenta) anos como requisito para a obtenção do benefício, sendo estabelecida, ao mesmo tempo, regra de transição no art. 38 do mesmo estatuto legal, pela qual o critério etário deveria ser reduzido gradativamente, passando a 67 (sessenta e sete) anos contados 24 (vinte e quatro) meses e 65 (sessenta e cinco) anos em 48 (quarenta e oito) meses, respectivamente. Contudo, a Lei 9.720/1998, objeto de conversão da Medida Provisória 1599-50/1998, fixou a idade limite em 67 (sessenta e sete) anos a partir de 1º de janeiro de 1998.
Com o advento do Estatuto do Idoso, mediante a edição da Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003, acabou-se por eleger a idade de 65 (sessenta e cinco) anos como critério etário para a percepção do benefício assistencial, nos seguintes termos:
Finalmente, a Lei 12.435/2011 promoveu a atualização do art. 20 da Lei 8.742/1993, prevendo a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos, e, de outro lado, revogou o art. 38, na redação dada pela Lei 9.720/1998.
Assim, a pessoa maior de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, a partir do início da vigência do Estatuto do Idoso, desde que exposta à situação de hipossuficiência material, pode ser amparada pela Seguridade Social por meio do benefício assistencial de prestação continuada.
No que concerne à pessoa com deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social evidenciam tendência evolutiva na consideração da sua conceituação legal. Originariamente, a deficiência encontrava-se relacionada à incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Posteriormente, a Lei 12.435/2011 incluiu no dispositivo em análise a definição contida no art. 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 30.03.2007, incorporada ao ordenamento jurídico interno pelo Decreto n. 6.949/2009, de acordo com a qual:
Entretanto, ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. Note-se que a jurisprudência já vinha suavizando a interpretação sobre o alcance da aludida incapacidade, como se extrai da seguinte decisão:
A propósito do tema, confira-se ainda o teor da Súmula n. 29 da Turma Nacional de Uniformização - TNU dos Juizados Especiais:
Em compasso com a evolução interpretativa promovida pela jurisprudência, a Lei 12.470/2011 abandonou o parâmetro consubstanciado na incapacidade para a vida independente e para o trabalho, preservando a definição consagrada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa com deficiência:
Ademais, cumpre assinalar que o § 10, do mesmo dispositivo, incluído pela Lei 12.470/2011, considera por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No tocante à situação socioeconômica do beneficiário, consta do § 3º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, com a redação dada pela Lei 12.435/2001:
Inicialmente, o dispositivo em referência teve a constitucionalidade afirmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado na ADIn nº 1.232-1 (Rel. Min. Ilmar Galvão, por redistribuição, DJU, 26 maio 1995, p. 15154). Entretanto, a pretexto da ocorrência de processo de inconstitucionalização oriundo de alterações de ordem fática (políticas, econômicas e sociais) e jurídica (estabelecimento de novos patamares normativos para concessão de benefícios assistenciais em geral), o Supremo Tribunal Federal reviu o anterior posicionamento, declarando a inconstitucionalidade parcial do dispositivo, sem pronúncia de nulidade, em julgado assim ementado:
Consequentemente, foi rechaçada a aferição da miserabilidade unicamente pelo critério objetivo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, passando-se a admitir o exame das reais condições sociais e econômicas do postulante ao benefício, como denota a seguinte decisão:
É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça já admitia outros meios de prova para aferir a hipossuficiência do postulante ao amparo assistencial, além do montante da renda per capita, reputando a fração estabelecida no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 como parâmetro abaixo do qual a miserabilidade deve ser presumida de forma absoluta. Nesse sentido, a seguinte decisão prolatada em sede de recurso especial representativo de controvérsia:
No mesmo sentido tem se orientado a jurisprudência desta Corte:
Atualmente encontra-se superada a discussão em torno da renda per capita familiar como único parâmetro de medida do critério socioeconômico, pois, com a inclusão pela Lei 13.146/2015 do § 11 no art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, passou a constar previsão legal expressa autorizando a utilização de outros elementos probatórios para a verificação da miserabilidade e do contexto de vulnerabilidade do grupo familiar exigidos para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada.
Cumpre, então, examinar o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício pleiteado no caso vertente.
Consoante perícia médica produzida, o autor, à época (09/2015), apresentava incapacidade total e temporária. Afirma o perito que a incapacidade existe desde o seu nascimento e que tal incapacidade, após tratamento multidisciplinar, deveria ser reanalisada em 2 anos após a perícia.
Não obstante sua incapacidade ser temporária, podendo melhorar com o tratamento adequado, depreende-se que ela se estende por mais de 2 anos, o que a enquadraria como impedimento de longo prazo. Ademais, o benefício em comento "deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem", conforme disposição prevista no art. 21 da Lei 8.742/1993.
Assim, é possível concluir que o estado clínico da parte-autora implica a existência de impedimento de longo prazo, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, poderia obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, devendo, assim, ser considerada pessoa com deficiência para os efeitos legais.
No tocante à demonstração da miserabilidade, o Estudo Social produzido indica que o núcleo familiar era integrado pela parte postulante, seu seus pais e 2 irmãos menores de idade. À época (08/2014) foi informado que a renda mensal constituía em R$ 1.100,00, proveniente do seguro desemprego recebido pelo pai do autor e por R$ 147,00 a título de Bolsa Família. A família também recebe subsídios do Programa Tarifa Social, razão pela qual as contas de água e energia vêm com valor menor. A casa na qual residiam era herança do avô paterno e estava em condições precárias, assim como os poucos móveis. Possuía apenas um dormitório e na cama de casal dormia a mãe e dois filhos e em um colchão no chão dormiam o pai e outro filho. Consta, ainda, que as despesas básicas, à época, totalizavam o valor de R$ 945,00.
Em consulta ao CNIS/PLENUS, na data de hoje, verifica-se que o pai do autor possuía os seguintes vínculos empregatícios, no período abrangido pelo pedido:
- 05/2009 a 05/2010, com salário de R$ 882,00, sendo que, quando do requerimento administrativo de 02.06.2010 não possuía renda;
- 08/2010 a 05/2011, com salários superiores a R$ 1.200,00;
- 05/2011 a 07/2012, sendo que, quando do requerimento administrativo em 06.02.2012 recebeu salário de R$ 1.396,36;
- 03/2013 a 04/2013, com salário superior a R$ 1.500,00;
- 04/2013 a 05/2013, com salário superior a R$ 1.000,00;
- 10/2013 a 06/2014, com salário de R$ 1.565,00;
- 04/2015 a 04/2016, com salários superiores a R$ 1.500,00.
Há que se salientar, ainda, que os irmãos do autor nasceram em 15.02.2009 (Guilherme) e 06.08.2014 (Henrique). Tem-se, portanto, que o menor Henrique nasceu apenas após o ajuizamento desta ação (07.05.2014), razão pela qual, naquela época, o núcleo familiar era composto por 4 pessoas.
Quanto ao termo inicial do benefício, não obstante tenha realizado requerimentos administrativos em 02.06.2010 e em 06.02.2012, a parte autora apenas insurgiu-se contra os indeferimentos, judicialmente, em 07.05.2014, 4 anos e 2 anos, respectivamente, após os requerimentos, tendo conseguido subsistir durante todo esse período sem o benefício. Ademais, pelo longo transcurso de tempo, não restou comprovado que, à época, estavam preenchidos os requisitos necessários para a concessão do benefício.
Portanto, apenas com o nascimento do menor Henrique, quando o núcleo familiar passou a ter 5 integrantes foi preenchido o requisito da miserabilidade, razão pela qual fixo o termo inicial do benefício em 06.08.2014.
Assim, considerando a renda informada e o núcleo familiar conforme descrito, tem-se que deve ser reconhecida a presunção de hipossuficiência, nos termos do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993.
A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013, do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO apenas em relação ao termo inicial do benefício, fixando, de ofício, os consectários legais na forma acima explicitada.
Não obstante a concessão da tutela antecipada na r. sentença, verifica-se em consulta CNIS/PLENUS que o benefício foi devidamente implantado, com data de início de pagamento em 01.10.2017. Porém, foi suspenso após quatro meses, por não comparecimento do titular ou de seu representante.
Dessa forma, determino que, independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído com os devidos documentos da parte autora JOÃO GABRIEL FERREIRA DE QUEIROZ, a fim de serem adotadas as providências cabíveis para implantação imediata do benefício assistencial (LOAS), com D.I.B. em 06.08.2014 e R.M.I. no valor de um salário mínimo, tendo em vista o artigo 497 do Código de Processo Civil.
É COMO VOTO.
NELSON PORFIRIO
Desembargador Federal
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