
| D.E. Publicado em 16/11/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E, DE OFÍCIO, FIXAR OS CONSECTÁRIOS LEGAIS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0012864-65.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação pelo rito ordinário proposta por LUIZA REGINA PIZANI em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, em que se objetiva a concessão do benefício assistencial previsto no artigo 203 da Constituição Federal e artigo 20 da Lei 8.742/1993 (Loas).
Contestação às fls. 53/70.
Réplica às fls. 77/78.
Perícia Judicial às fls. 135/145. Complemento às fls. 174/182.
Estudo Social às fls. 207/212.
O pedido foi julgado procedente, condenando-se o INSS a conceder o benefício assistencial à parte autora a partir de 30/03/2010, data do requerimento administrativo, corrigido monetariamente, bem como, a arcar com honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, observada a Súmula 111 do STJ. Foi concedida a tutela antecipada (fls. 227/231).
Sentença submetida ao reexame necessário.
O INSS interpôs apelação alegando ausência de comprovação da hipossuficiência econômica e requerendo alteração dos consectários legais (fls. 251/269).
Com contrarrazões (fls. 287/296), os autos subiram a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da remessa oficial e da apelação (fls. 300/307).
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Inicialmente, assinale-se que o benefício aqui postulado é de natureza assistencial e deve ser prestado a quem dele necessitar, independentemente do recolhimento de contribuições.
O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família:
Até a regulamentação do citado dispositivo constitucional, ocorrida com a edição da Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), a proteção ao deficiente e ao idoso hipossuficientes era objeto da Lei 6.179/1974, a qual instituiu o benefício denominado "amparo previdenciário" destinado a pessoas maiores de 70 (setenta) anos ou inválidas, consistente no pagamento mensal de renda vitalícia equivalente à metade do salário mínimo vigente no país. A partir do advento da Constituição de 1988, o valor do benefício foi elevado para 1 (um) salário mínimo, à vista do disposto no art. 139, § 2º, da Lei 8.231/1991.
A renda mensal vitalícia em referência foi extinta pelo art. 40 da Lei 8.742/1993, sendo estabelecido em seu lugar o benefício assistencial de prestação continuada previsto no art. 20 do mesmo diploma legal.
Atualmente, a disciplina legal do instituto encontra-se formatada pelas Leis 9.720/1998 12.435/2011, 12.470/2011 e 13.146/2015, as quais promoveram alterações substanciais nos arts. 20 e 21 da Lei Orgânica da Assistência Social.
No tocante aos beneficiários, dispõe o art. 20 da Lei 8.231/1991:
Em relação ao idoso, cumpre registrar que originariamente o dispositivo em análise estabelecia a idade mínima de 70 (setenta) anos como requisito para a obtenção do benefício, sendo estabelecida, ao mesmo tempo, regra de transição no art. 38 do mesmo estatuto legal, pela qual o critério etário deveria ser reduzido gradativamente, passando a 67 (sessenta e sete) anos contados 24 (vinte e quatro) meses e 65 (sessenta e cinco) anos em 48 (quarenta e oito) meses, respectivamente. Contudo, a Lei 9.720/1998, objeto de conversão da Medida Provisória 1599-50/1998, fixou a idade limite em 67 (sessenta e sete) anos a partir de 1º de janeiro de 1998.
Com o advento do Estatuto do Idoso, mediante a edição da Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003, acabou-se por eleger a idade de 65 (sessenta e cinco) anos como critério etário para a percepção do benefício assistencial, nos seguintes termos:
Finalmente, a Lei 12.435/2011 promoveu a atualização do art. 20 da Lei 8.742/1993, prevendo a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos, e, de outro lado, revogou o art. 38, na redação dada pela Lei 9.720/1998.
Assim, a pessoa maior de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, a partir do início da vigência do Estatuto do Idoso, desde que exposta à situação de hipossuficiência material, pode ser amparada pela Seguridade Social por meio do benefício assistencial de prestação continuada.
No que concerne à pessoa com deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social evidenciam tendência evolutiva na consideração da sua conceituação legal. Originariamente, a deficiência encontrava-se relacionada à incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Posteriormente, a Lei 12.435/2011 incluiu no dispositivo em análise a definição contida no art. 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 30.03.2007, incorporada ao ordenamento jurídico interno pelo Decreto n. 6.949/2009, de acordo com a qual:
Entretanto, ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Note-se que a jurisprudência já vinha suavizando a interpretação sobre o alcance da aludida incapacidade, como se extrai da seguinte decisão:
A propósito do tema, confira-se ainda o teor da Súmula n. 29 da Turma Nacional de Uniformização - TNU dos Juizados Especiais:
Em compasso com a evolução interpretativa promovida pela jurisprudência, a Lei 12.470/2011 abandonou o parâmetro consubstanciado na incapacidade para a vida independente e para o trabalho, preservando a definição consagrada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa com deficiência:
Ademais, cumpre assinalar que o § 10, do mesmo dispositivo, incluído pela Lei 12.470/2011, considera por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No tocante à situação socioeconômica do beneficiário, consta do § 3º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, com a redação dada pela Lei 12.435/2001:
Inicialmente, o dispositivo em referência teve a constitucionalidade afirmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado na ADIn nº 1.232-1 (Rel. Min. Ilmar Galvão, por redistribuição, DJU, 26 maio 1995, p. 15154). Entretanto, a pretexto da ocorrência de processo de inconstitucionalização oriundo de alterações de ordem fática (políticas, econômicas e sociais) e jurídica (estabelecimento de novos patamares normativos para concessão de benefícios assistenciais em geral), o Supremo Tribunal Federal reviu o anterior posicionamento, declarando a inconstitucionalidade parcial do dispositivo, sem pronúncia de nulidade, em julgado assim ementado:
Consequentemente, foi rechaçada a aferição da miserabilidade unicamente pelo critério objetivo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, passando-se a admitir o exame das reais condições sociais e econômicas do postulante ao benefício, como denota a seguinte decisão:
É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça já se servia de outros meios de prova para aferir a hipossuficiência do postulante ao amparo assistencial, além do montante da renda per capita, reputando a fração estabelecida no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 como parâmetro abaixo do qual a miserabilidade deve ser presumida de forma absoluta. Nesse sentido, a seguinte decisão prolatada em sede de recurso especial representativo de controvérsia:
No mesmo sentido tem se orientado a jurisprudência desta Corte:
Atualmente encontra-se superada a discussão em torno da renda per capita familiar como único parâmetro de medida do critério socioeconômico, pois, com a inclusão pela Lei 13.146/2015 do § 11 no art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, passou a constar previsão legal expressa autorizando a utilização de outros elementos probatórios para a verificação da miserabilidade e do contexto de vulnerabilidade do grupo familiar exigidos para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada.
Note-se que, no tocante a idoso, para fins de composição da renda familiar per capita, o parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) faz ressalva do valor oriundo de benefício já concedido a qualquer membro da família:
A propósito, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade por omissão do dispositivo, sem pronúncia de nulidade, para abranger na ressalva legal os benefícios assistenciais percebidos por deficientes e de previdenciários, no montante de até um salário mínimo, destinados a idosos.
Cumpre, então, examinar o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício pleiteado no caso vertente.
Consoante perícia médica produzida (08/2012) é possível concluir que o estado clínico da parte-autora implica a existência de impedimento de longo prazo, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, poderia obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, devendo, assim, ser considerada pessoa com deficiência para os efeitos legais.
No tocante à demonstração da miserabilidade, o Estudo Social produzido indica que o núcleo familiar é integrado pela parte postulante, seu companheiro e seu filho (nascido em 15/06/2014). À época (11/2014) foi informado que a renda mensal constituía em R$ 724,00 (um salário mínimo) provenientes do trabalho do companheiro como costureiro autônomo, mais R$ 80,00 decorrentes do benefício Renda Cidadã. Consta, ainda, que o imóvel em que residem é próprio e foi adquirido através do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida, financiado em 10 (dez) anos, tendo sido pagas, até o momento, duas parcelas no valor de R$ 50,00. Foi informado, por fim, que os remédios da parte autora que não são fornecidos pela rede pública de saúde são adquiridos com recursos próprios.
Assim, tendo em vista a renda indicada e as condições informadas, tem-se que deve ser reconhecida a presunção de hipossuficiência, nos termos do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993.
Quanto ao termo inicial, contudo, de rigor a reforma da r. sentença.
Importante consignar, primeiramente, que o único documento médico anterior ao laudo judicial é de 2010 (fls. 16/17) e se refere à cegueira, condição esta que, segundo o perito, não era incapacitante, conforme resposta ao quesito 15: "Não há sequelas definitiva em relação a AIDS, Tem um só olho, mas pessoas com um olho só pode trabalhar e até dirigir carro." (fl. 179).
Assim, analisando-se os laudos periciais juntados às 135/145 e 174/182, verifica-se que não obstante a autora já apresentasse cegueira anteriormente, o perito fixou o início da incapacidade na data da perícia (24/08/2012), pois, nesta ocasião, fazia uso do coquetel e estava debilitada e emagrecida, não reunindo condições de trabalho em decorrência dos efeitos da AIDS (e não em razão da deficiência visual).
Dessarte, considerando que a presença da cegueira não era por si só incapacitante, bem como observada a prova pericial produzida - que fixou o início da incapacidade na data da perícia -, conclui-se que não restou comprovada a incapacidade laboral da parte autora desde o requerimento administrativo, devendo a DIB ser alterada para a data da juntada do laudo pericial aos autos (23/10/2012, fl. 133).
A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013, do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
Com relação aos honorários advocatícios, esta Turma firmou o entendimento no sentido de que estes devem ser fixados em 15% sobre o valor das parcelas vencidas até a sentença de primeiro grau, nos termos da Súmula 111 do E. STJ. Entretanto, mantenho os honorários como fixados na sentença, em respeito ao princípio da vedação à reformatio in pejus, esclarecendo, apenas, que deverá ser observada a referida Súmula.
Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL, tão somente para alterar o termo inicial do benefício para a data da juntada do laudo pericial aos autos, E NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, fixando, de ofício, os consectários legais na forma acima explicitada.
É COMO VOTO.
NELSON PORFIRIO
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR:10081 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A21708236AF01D |
| Data e Hora: | 31/10/2017 18:15:01 |
