
D.E. Publicado em 14/12/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO REQUERIDO E DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS para condenar o requerido ao ressarcimento dos valores recebidos indevidamente no período de 04/10/2008 a 05/2013, devidamente corrigidos conforme determinado na r. sentença, restando atingidos pela prescrição os créditos do período de 03/2005 a 03/10/2008, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003536-36.2014.4.03.6102/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação pelo rito ordinário proposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em face de FELIX MORENO, em que se objetiva a devolução dos valores recebidos indevidamente a título de benefício assistencial.
Contestação às fls. 113/132.
O pedido foi julgado procedente para condenar o requerido à restituição do valor despendido pelo INSS no período de 05/2009 a 05/2013, devidamente corrigido, entendendo que o período de 03/2005 a 04/2009 foi atingido pela prescrição. Custas na forma da lei. Sem condenação em honorários advocatícios em razão da gratuidade concedida (fls. 139/143).
O requerido apela ao argumento que restaram preenchidos todos os requisitos para a manutenção do benefício assistencial, especialmente a deficiência, razão pela qual inexiste a alegada má-fé, bem como, reforça a natureza alimentar dos valores recebidos (fls. 146/151).
Apela, também, o INSS alegando a imprescritibilidade do crédito, tendo em vista a ocorrência de dano ao erário. Subsidiariamente, aduz pela suspensão do prazo prescricional no curso do processo administrativo, isto é, a partir de 18/10/2012, reiniciando sua contagem apenas com a sua conclusão, razão pela qual, caso seja reconhecida a prescrição, que seja aplicada apenas aos créditos anteriores à 18/10/2007 (fls. 152/155).
Com as contrarrazões ao recurso do requerido, os autos subiram a esta Corte.
O Ministério Público Federal absteve-se de opinar (fl. 168).
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Pretende o INSS o ressarcimento dos valores pagos a título de Benefício Assistencial ao deficiente, no período de 01/03/2005 a 05/2013, tendo em vista a existência de vínculo empregatício com a Prefeitura de Guatapará.
Consta dos autos que o requerido teve seu benefício nº 87/107.878.229-3 deferido administrativamente desde 13/07/1999, em razão do preenchimento dos requisitos de deficiência e hipossuficiência econômica (fls. 17/56).
Posteriormente, em 13/11/2009 recebeu denúncia de que o segurado estaria trabalhando desde 2005 na Delegacia de Polícia da cidade de Guatapará, desempenhando a função de Serviços Gerais e Administrativo, relacionado à documentação de trânsito (fls. 63/64).
Instado a apresentar defesa (fls. 61/62) o segurado manteve-se inerte. Posteriormente, a autarquia encaminhou nova correspondência informando que o benefício havia sido suspenso, facultando ao segurado prazo para recorrer, bem como, comunicando o valor a ser devolvido (fls. 78/82). Ausente qualquer manifestação, a autarquia encaminhou GPS para a quitação do débito, o que não ocorreu (fls. 83/106).
Em sua contestação o requerido afirma que labora na condição de portador de necessidades especiais, com cargo de provimento em comissão. Alega que não tem nenhuma estabilidade, podendo ser exonerado a qualquer momento. Por fim, aduz que continua necessitando do recebimento do benefício assistencial para a manutenção de suas condições básicas.
Inicialmente, assinale-se que o benefício em questão é de natureza assistencial e deve ser prestado a quem dele necessitar, independentemente do recolhimento de contribuições.
O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família:
Até a regulamentação do citado dispositivo constitucional, ocorrida com a edição da Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), a proteção ao deficiente e ao idoso hipossuficientes era objeto da Lei 6.179/1974, a qual instituiu o benefício denominado "amparo previdenciário" destinado a pessoas maiores de 70 (setenta) anos ou inválidas, consistente no pagamento mensal de renda vitalícia equivalente à metade do salário mínimo vigente no país. A partir do advento da Constituição de 1988, o valor do benefício foi elevado para 1 (um) salário mínimo, à vista do disposto no art. 139, § 2º, da Lei 8.231/1991.
A renda mensal vitalícia em referência foi extinta pelo art. 40 da Lei 8.742/1993, sendo estabelecido em seu lugar o benefício assistencial de prestação continuada previsto no art. 20 do mesmo diploma legal.
Atualmente, a disciplina legal do instituto encontra-se formatada pelas Leis 9.720/1998 12.435/2011, 12.470/2011 e 13.146/2015, as quais promoveram alterações substanciais nos arts. 20 e 21 da Lei Orgânica da Assistência Social.
No tocante aos beneficiários, dispõe o art. 20 da Lei 8.231/1991:
No que concerne à pessoa com deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social evidenciam tendência evolutiva na consideração da sua conceituação legal. Originariamente, a deficiência encontrava-se relacionada à incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Posteriormente, a Lei 12.435/2011 incluiu no dispositivo em análise a definição contida no art. 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 30.03.2007, incorporada ao ordenamento jurídico interno pelo Decreto n. 6.949/2009, de acordo com a qual:
Entretanto, ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. Note-se que a jurisprudência já vinha suavizando a interpretação sobre o alcance da aludida incapacidade, como se extrai da seguinte decisão:
A propósito do tema, confira-se ainda o teor da Súmula n. 29 da Turma Nacional de Uniformização - TNU dos Juizados Especiais:
Em compasso com a evolução interpretativa promovida pela jurisprudência, a Lei 12.470/2011 abandonou o parâmetro consubstanciado na incapacidade para a vida independente e para o trabalho, preservando a definição consagrada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa com deficiência:
Ademais, cumpre assinalar que o § 10, do mesmo dispositivo, incluído pela Lei 12.470/2011, considera por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No tocante à situação socioeconômica do beneficiário, consta do § 3º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, com a redação dada pela Lei 12.435/2001:
Inicialmente, o dispositivo em referência teve a constitucionalidade afirmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado na ADIn nº 1.232-1 (Rel. Min. Ilmar Galvão, por redistribuição, DJU, 26 maio 1995, p. 15154). Entretanto, a pretexto da ocorrência de processo de inconstitucionalização oriundo de alterações de ordem fática (políticas, econômicas e sociais) e jurídica (estabelecimento de novos patamares normativos para concessão de benefícios assistenciais em geral), o Supremo Tribunal Federal reviu o anterior posicionamento, declarando a inconstitucionalidade parcial do dispositivo, sem pronúncia de nulidade, em julgado assim ementado:
Consequentemente, foi rechaçada a aferição da miserabilidade unicamente pelo critério objetivo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, passando-se a admitir o exame das reais condições sociais e econômicas do postulante ao benefício, como denota a seguinte decisão:
É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça já admitia outros meios de prova para aferir a hipossuficiência do postulante ao amparo assistencial, além do montante da renda per capita, reputando a fração estabelecida no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 como parâmetro abaixo do qual a miserabilidade deve ser presumida de forma absoluta. Nesse sentido, a seguinte decisão prolatada em sede de recurso especial representativo de controvérsia:
No mesmo sentido tem se orientado a jurisprudência desta Corte:
Atualmente encontra-se superada a discussão em torno da renda per capita familiar como único parâmetro de medida do critério socioeconômico, pois, com a inclusão pela Lei 13.146/2015 do § 11 no art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, passou a constar previsão legal expressa autorizando a utilização de outros elementos probatórios para a verificação da miserabilidade e do contexto de vulnerabilidade do grupo familiar exigidos para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada.
Assim, no caso vertente, o requerido teve concedido seu benefício assistencial tendo em vista sua condição de deficiente, nos termos do art. 20, §2º da Lei nº 8.742/93, conforme se verifica da perícia médica administrativa juntada à fl. 41, aliado à demonstração da hipossuficiência econômica.
Por outro lado, cabe à autarquia previdenciária a revisão/avaliação da continuidade das condições que lhe garantiram a concessão do benefício, nos termos do art. 21 da já citada lei:
Em contrapartida, havendo a cessação das condições que garantiram o direito ao benefício assistencial, cabe ao beneficiário comunicar tal fato ao ente público, sob pena de arcar com os ônus de eventual omissão.
Em consulta ao CNIS/PLENUS, na data de hoje, verifica-se que, de fato, o requerido possui vínculo empregatício com o Município de Guatapará, desde 01/03/2005 até a data atual.
Note-se, portanto, que as condições do vínculo empregatício do requerido não se enquadram nas condições excepcionais descritas na legislação. A alegada instabilidade no emprego público não pode ser impedimento para a cessação do benefício, haja vista que quaisquer outros vínculos empregatícios na iniciativa privada também não gozam de tal estabilidade. Esclareça-se ainda, por oportuno, que o vínculo trabalhista do requerido se mantém por mais de 12 (doze) anos.
Ausente, portanto, a manutenção de um dos requisitos, qual seja, a deficiência nos termos da lei, a análise da hipossuficiência econômica torna-se desnecessária.
Assim, no caso em apreço, não restaram satisfeitos os requisitos necessários a justificar a manutenção do benefício de prestação continuada contemplado no art. 203, V, do Texto Constitucional, e art. 20, caput, da Lei 8.742/1993.
Não tendo havido, à época própria, a notificação acerca da alteração das condições que ensejaram a concessão do benefício pelo requerido, deverá arcar com as consequências do recebimento indevido.
Passo, dessa forma, à análise da possibilidade de ressarcimento aos cofres públicos dos valores recebidos de forma indevida.
Segundo o art. 876 do Código Civil, "todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir". Na mesma linha dispõe o artigo 884 do mesmo código:
Tem-se que a conduta omissiva do requerido não pode ser caracterizada de boa-fé, porquanto, beneficiário de benefício assistencial por deficiência, passou a trabalhar com frequência/com regularidade/com formal registro por longo período, o que é completamente incompatível com a legislação em vigor, agindo, o requerido, assim, com evidente má-fé. Tal caracterização afasta, portanto, a alegação de afronta ao princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
Aliás, a arguição de ignorância não socorre o requerente, nos termos da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, em seu artigo 3º, que preceitua que "Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece".
Feitas estas considerações, trago à colação entendimento do c. STJ, que trata do retorno ao trabalho por beneficiário de benefício por incapacidade:
No mesmo sentido, jurisprudência desta Corte: AgLegal em AC nº 2013.61.19.005923-7, 9ª Turma, Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias, DJE 01.04.2016; AC nº 2015.61.26.000061-2, 9ª Turma, Juiz Federal Convocado Silva Neto, 17.11.2016.
Sendo devida a devolução de valores, há que se analisar a decadência e/ou prescrição.
Quanto ao prazo prescricional, a jurisprudência deste Tribunal tem ser orientado no sentido de que, ante a inexistência de prazo geral expressamente fixado para as ações movidas pela Fazenda Pública contra o particular, em se tratando de benefícios previdenciários, há que se aplicar por simetria o disposto no parágrafo único do artigo 103 da Lei 8.213/91:
O prazo de prescrição a ser considerado, portanto, é de cinco anos.
Por outro lado, em caso de concessão e/ou manutenção indevida de benefício previdenciário, ocorrendo a notificação do segurado em relação à instauração do processo revisional, não se pode cogitar de curso do prazo prescricional, devendo ser aplicado, por isonomia, o artigo 4º do Decreto 20.910/1932:
A fluência do prazo prescricional, dessa forma, se inicia com o pagamento indevido, mas não tem curso durante a tramitação do processo administrativo instaurado para apuração da ilegalidade cogitada.
Nesse sentido:
No caso dos autos, o período a que se busca o ressarcimento é de 03/2005 a 05/2013. O requerido foi devidamente notificado da instauração do Processo Administrativo em 30/10/2012 (fls. 61/62). O Relatório Conclusivo do procedimento administrativo está datado de 26/11/2013. A presente ação de cobrança foi ajuizada em 30/05/2014.
Assim, ajuizada a ação judicial em 30/05/2014, tem-se que decorreram 06 meses e 04 dias desde 27/11/2013, data em que o prazo prescricional de 5 anos retornou a fluir, haja vista estar suspenso desde 30/10/2012. Dessa forma, devem-se contar mais 04 anos, 05 meses e 26 dias retroativos à suspensão, chegando-se, portanto, à data de 04/10/2008. Consequentemente, o crédito anterior a essa data encontra-se prescrito.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DO REQUERIDO E DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS para condenar o requerido ao ressarcimento dos valores recebidos indevidamente no período de 04/10/2008 a 05/2013, devidamente corrigidos conforme determinado na r. sentença, restando atingidos pela prescrição os créditos do período de 03/2005 a 03/10/2008, nos termos da fundamentação.
É COMO VOTO.
NELSON PORFIRIO
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 05/12/2017 18:33:27 |