Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000870-25.2020.4.03.6305
Relator(a)
Juiz Federal OMAR CHAMON
Órgão Julgador
5ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
13/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 18/02/2022
Ementa
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIENTE. LAUDO PERICIAL MÉDICO FAVORÁVEL.
AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CONTRÁRIOS. LAUDO SÓCIO-ECONÔMICO. RENDA FAMILIAR
‘PER CAPITA’. NÃO SUPERAÇÃO DO LIMITE ESTABELECIDO EM LEI. PREENCHIMENTO
DOS REQUISITOS LEGAIS. BENEFÍCIO DEVIDO. RECURSO IMPROVIDO.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
5ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000870-25.2020.4.03.6305
RELATOR:13º Juiz Federal da 5ª TR SP
RECORRENTE: MARIA DA GLORIA ALVES
Advogado do(a) RECORRENTE: EVERSON LIMA DA SILVA - SP407213-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000870-25.2020.4.03.6305
RELATOR:13º Juiz Federal da 5ª TR SP
RECORRENTE: MARIA DA GLORIA ALVES
Advogado do(a) RECORRENTE: EVERSON LIMA DA SILVA - SP407213-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A parte autora pleiteou a concessão de benefício assistencial ao deficiente.
Houve a elaboração de perícia médica e de laudo socioeconômico.
O juízo singular julgou o pedido procedente para “implantar o benefício assistencial à parte
autora, desde a DER (DIB – 03.08.2018), com renda mensal inicial – RMI e renda mensal atual
- RMA no valor de um salário mínimo”.
Inconformada, a parte ré interpôs recurso sustentando, em síntese, que o requisito
miserabilidade não restou preenchido.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000870-25.2020.4.03.6305
RELATOR:13º Juiz Federal da 5ª TR SP
RECORRENTE: MARIA DA GLORIA ALVES
Advogado do(a) RECORRENTE: EVERSON LIMA DA SILVA - SP407213-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Dispõe o artigo 20, da Lei n.º 8.742/1993, que o benefício de prestação continuada é a garantia
de 01 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência que comprove a
incapacidade para a vida independente e para o trabalho, bem como não possuir meios de
prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Os requisitos legais para concessão do benefício assistencial são os seguintes:
a) tratar-se de pessoa portadora de deficiência;
b) estar incapacitada para a vida independente e para o trabalho, assim entendido como “o
fenômeno multidimensional que abrange limitação do desempenho de atividade e restrição da
participação, com redução efetiva e acentuada da capacidade de inclusão social, em
correspondência à interação entre a pessoa com deficiência e seu ambiente físico e social”
(artigo 4º, II, III, Decreto n.º 6.214/2007);
c) renda per capita familiar inferior a ¼ do salário mínimo, devendo-se considerar a renda
mensal do conjunto de pessoas que vivem sob o mesmo teto, assim entendidos o requerente, o
cônjuge, a companheira, o companheiro, o filho não emancipado, de qualquer condição, menor
de 21 anos ou inválido, os pais e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21
anos ou inválido (artigo 20, § 1º, Lei n.º 8.742/1993 c/c o artigo 4º, IV, V, Decreto n.º
6.214/2007). Quanto a esse aspecto, observa-se que, obviamente, não deve ser computada a
renda e a pessoa que, embora coabite com o interessado, não esteja prevista no rol legalmente
previsto;
d) não possuir outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, salvo o de
assistência médica e no caso de recebimento de pensão especial de natureza indenizatória.
Portanto, o benefício assistencial pretendido pela parte autora requer dois pressupostos para a
sua concessão: de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência ou idade avançada, e de
outro lado, sob o aspecto objetivo, o estado de miserabilidade, caracterizado pela inexistência
de meios de a pessoa portadora de deficiência ou do idoso prover à própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família.
Sobre o requisito “deficiência” cumpre ressaltar que a norma especial que versa sobre o
benefício de prestação continuada não mais exige a incapacidade para a vida independente,
como acontecia com a redação original do artigo 20, § 2º, da Lei n° 8.742, de 07.12.93,
moldando-se este dispositivo legal ao mandamento constitucional, art. 203, V, da Constituição
Federal, o que significou avanço da legislação infralegal, caminhando, assim, no sentido da
jurisprudência dominante que não exigia esse grau de incapacidade. De forma que o conceito
hoje adotado deve ser aplicado às situações fáticas que antecederam a nova legislação.
Restando a definição legal de pessoa com deficiência como aquela que tem impedimentos de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com
diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais
pessoas (§2º,do artigo 20, da Lei nº 8.742/93, redação dada pela Lei nº 12.470/11).
Nesse sentido, não há óbice à concessão do benefício ao portador de deficiência parcial, na
medida em que sua deficiência pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade.
É assente o posicionamento da TNU em admitir que a incapacidade para a vida independente
está relacionada com a impossibilidade do portador de deficiência prover seu próprio sustento.
Entendimento consolidado no enunciado da Súmula nº 29 daquele colegiado, in verbis: Para os
efeitos do art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não é
só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita
de prover ao próprio sustento.
Quanto ao segundo requisito, importa destacar que o Supremo Tribunal Federal declarou
incidentalmente, por maioria, a inconstitucionalidade do artigo 20, §3º, da Lei n.º 8.742/1993,
quando do julgamento do RE 567.985/MT em 18/04/2013. Tal significa dizer que a renda per
capita inferior a ¼ do salário mínimo deve ser tomada como padrão, mero ponto de partida que
não impede o julgador de observar demais fatores hábeis a demonstrar a real condição
econômico-financeira do necessitado e/ou de seu núcleo familiar.
Entendeu a Suprema Corte, nos termos do voto condutor do relator Ministro Gilmar Mendes,
que o critério de ¼ de salário mínimo ficou defasado se considerarmos as mudanças
econômicas no país ao longo dos últimos 20 (vinte) anos, e a recente adoção do valor de ½
salário mínimo como critério para aferição da miserabilidade em programas sociais como o
Fome Zero, o Renda Mínima e o Bolsa Escola.
Tal entendimento possui como premissa a compreensão de que a renda per capita, por si só,
não afere, com a devida precisão, o estado de necessidade de quem postula o benefício,
mesmo porque, assim como é comum tornar-se nula uma renda superior à eleita pelo
legislador, em virtude de despesas compulsoriamente realizadas em caráter de emergência
(aquisição de medicamentos, pagamento de honorários médicos, internações hospitalares, etc),
pode ocorrer de determinado núcleo familiar ser detentor de um patrimônio não ostensivamente
revelado, incompatível com a pequenez da renda que dá a conhecer.
Sob essa perspectiva, entendo que, tanto para caracterizar, quanto para afastar o estado de
miserabilidade alegado pelo postulante do benefício assistencial, é de rigor a análise conjunta
da maior quantidade de elementos possíveis.
Esse é, aliás, o raciocínio que me parece mais consentâneo com o objetivo perseguido com a
instituição do benefício assistencial, qual seja, alcançar todos os necessitados, inclusive
aqueles que, embora não aparentem, verdadeiramente o são, e excluir outros que só
formalmente se encontram na situação definida como de estado de necessidade. Em que pese
se afigure mais trabalhosa, note-se que a referida análise atende com maior efetividade a um
critério de justiça e afasta as possíveis fraudes.
O mesmo entendimento foi adotado pela Turma Regional de Uniformização dos Juizados
Especiais Federais da Terceira Região ao editar a súmula nº 21: "Na concessão do benefício
assistencial, deverá ser observado como critério objetivo a renda per capita de ½ salário mínimo
gerando presunção relativa de miserabilidade, a qual poderá ser infirmada por critérios
subjetivos em caso de renda superior ou inferior a ½ salário mínimo.".
Ainda sobre a análise da miserabilidade destaco outras Súmulas da Turma Regional de
Uniformização dos Juizados Especiais Federais da 3ª Região:
SÚMULA Nº 21 - "Na concessão do benefício assistencial, deverá ser observado como critério
objetivo a renda per capita de ½ salário mínimo gerando presunção relativa de miserabilidade, a
qual poderá ser infirmada por critérios subjetivos em caso de renda superior ou inferior a ½
salário mínimo.".
SÚMULA Nº 22- "Apenas os benefícios previdenciários e assistenciais no valor de um salário
mínimo recebidos por qualquer membro do núcleo familiar devem ser excluídos para fins de
apuração da renda mensal per capita objetivando a concessão de benefício de prestação
continuada.".
SÚMULA Nº 23- "O benefício de prestação continuada (LOAS) é subsidiário e para sua
concessão não se prescinde da análise do dever legal de prestar alimentos previsto no Código
Civil.".
Feitas essas considerações, passo à análise do caso concreto.
A controvérsia se restringe apenas e tão-somente quanto ao requisito miserabilidade.
No caso dos autos, a autora (nascida em 04/12/1969, portadora de e retardo mental e
transtorno global de desenvolvimento) reside com sua genitora que é titular de beneficio
previdenciário no valor de um salário mínimo.
Além de não haver renda per capita familiar a ser considerada, uma vez que se deve excluir da
apuração da renda mensal o benefício mínimo recebido por membro da família, a perícia social
demonstra que a família não possui condições de suprir suas necessidades de maneira digna.
A autora reside em imóvel situado nos fundos da residência do irmão. O irmão da autora cedeu
o espaço para a construção, entretanto mesmo com o auxílio dos familiares o imóvel está
inacabado. As condições de moradia bem como os móveis que guarnecem a residência são
simples e compatíveis com a situação econômica da família. Cumpre destacar que a genitora
da autora já conta com mais de 90 anos de idade e seus familiares já prestam auxílio na medida
de suas possibilidades. Transcrevo trechos do laudo:
“(...)
No momento as despesas fixas são:
Energia elétrica:R$ 70,00
Água:R$ 75,00
Gás:R$ 75,00
Alimentação:R$ 500,00
Remédio: 150,00
Auxílio funeral:R$ 150,00
Amor adia atual é recente, resultado da venda de seu único imóvel, cujo valor não era alto por
conta de estar localizado em bairro retirado. O montante foi baixo e praticamente foi insuficiente
para comprar todo o material necessário. Além do irmão ter cedido espaço em seu terreno, foi
necessário que sobrinhos prestassem suporte, doaram janelas e outros produtos que se fizeram
necessários.
III. Parecer Técnico Conclusivo
A autora trata-se de uma pessoa que necessita de supervisão contínua, ainda que hoje sua
mãe disponha de recurso fixo, não se trata de uma segurança por longo período, pois não se
pode desconsiderar a longevidade de sua genitora, que no momento tem 92 anos de idade.
Sua condição de acesso a bens de serviço é limitado, não sai de casa desacompanhada.
Considerando que no ano anterior estava em seu núcleo familiar uma irmã com mais
comprometimentos severos, pois não caminhava e apresentava problemas mentais. Sua mãe
em avançada idade atualmente está com mais condições de repouso do que em qualquer outro
tempo em sua longa vida. Porém, ambas necessitam de supervisão, nenhuma delas prepara
suas refeições, já que tal atividade é um risco para qualquer uma delas. Nunca ficam sozinhas,
sendo supervisionadas pela esposa do irmão da autora.
Observou-se carinho e respeito por parte de um neto que naquele momento foi visitar a avó,
mãe da autora, esta por sua vez, pouco verbaliza.
A vulnerabilidade por parte da autora não é apenas por conta de seu estado de saúde mental,
mas, por conta de não ser capaz de exercer plena autonomia em qualquer decisão na sua vida,
sempre acompanhada para consultas médicas, exame, tratamentos, presença na escola.
Também não sabe preparar refeição, mas colabora na higienização dos utensílios domésticos,
vale reconsiderar que sua autonomia se restringe a capacidade de se alimentar e tomar banho
sozinha, porém necessita ser lembrada, escolhe entre um tipo de alimento e outro, nada além
disso.
(...)
4. Se nenhuma das pessoas que residem com a parte autora auferem renda de trabalho, nem
ela própria, como fazem para sobreviver? Recebem auxílio de Assistência Social de algum Ente
Estatal? Se recebem outros auxílios de que tipos são e qual o valor?
Reposta: A genitora da autora é pensionista com renda mensal de um salário mínimo.
5. O imóvel em que a parte autora reside é próprio de sua família ou é alugado?
Resposta: De propriedade de sua mãe, ainda inacabado, em terreno do irmão.
6. Há veículos, telefone e/ou eletrodomésticos, na casa em que reside a parte autora?Quais e
quantos?
Resposta: Sem telefone, um ar condicionado que já foi doado sem ser de primeira mão por
parte de um neto, televisão e geladeira.
7. O bairro em que reside a parte autora é servido por rede de água e esgoto? A rua é
asfaltada? A residência é próxima de hospitais e de transporte público?
Resposta: Tem asfalto, saneamento básico, cobertura de sinal internet, telefonia móvel e fixa.
Pronto Socorro se localiza há três Km e hospital está há 40 km, em Pariquera-Açú. Não tem
transporte público no bairro.
(...)”.
Dessa forma, com base nas informações e fotos contidas no laudo socioeconômico, entendo
que restou efetivamente comprovado o estado de miserabilidade necessário à concessão do
benefício assistencial à parte autora.
Diante do pedido da autora, em sede de contrarrazões (id 206227887), e considerando o
caráter alimentar do benefício, defiro a tutela de urgência e determino que o INSS seja oficiado
para implantar o benefício em favor da parte autora, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias.
Ante todo o exposto, nego provimento ao recurso da parte ré.
Condeno a parte recorrente em honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) do
valor da condenação; caso o valor da demanda ultrapasse 200 (duzentos) salários mínimos,
arbitro os honorários sucumbenciais na alíquota mínima prevista nos incisos do parágrafo 3º do
artigo 85 do CPC. Na ausência de proveito econômico, os honorários serão devidos no
percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa atualizado.
É o voto.
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIENTE. LAUDO PERICIAL MÉDICO FAVORÁVEL.
AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CONTRÁRIOS. LAUDO SÓCIO-ECONÔMICO. RENDA
FAMILIAR ‘PER CAPITA’. NÃO SUPERAÇÃO DO LIMITE ESTABELECIDO EM LEI.
PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. BENEFÍCIO DEVIDO. RECURSO
IMPROVIDO. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma decidiu,
por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
