Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0002375-40.2014.4.03.6118
Relator(a)
Desembargador Federal MARCUS ORIONE GONCALVES CORREIA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
17/07/2024
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 22/07/2024
Ementa
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DO ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO – AFERIÇÃO DA
POSSIBILIDADE DE O IDOSO OU PESSOA COM DEFICIÊNCIA PROVER A SUA
SUBSISTÊNCIA OU DE TÊ-LA PROVIDA PELA FAMÍLIA - MESMO APÓS A EDIÇÃO DA LOAS,
AUSÊNCIA DO ESTADO DE POBREZA - BENEFÍCIO NÃO CONCEDIDO.
1) Segundo o art. 203, inciso V, da Constituição da República Federativa do Brasil, o benefício de
um salário-mínimo mensal deve ser conferido ao idoso e à pessoa com deficiência, que não
possam prover a sua subsistência ou tê-la provida por sua família.
2) Não restou caracterizado o estado de pobreza - e não de miserabilidade - exigido pela
Constituição Federal, uma vez que a renda dos que compõem a família é suficiente para cobrir
todos os gastos mensais.
3) Honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), observando-se a exigibilidade da
verba honorária ficará suspensa por 05 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de
insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária
gratuita, nos termos do artigo 98, §3º, do mesmo estatuto processual .
4) Apelação da autora improvida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002375-40.2014.4.03.6118
RELATOR:Gab. 52 - JUIZ CONVOCADO MARCUS ORIONE
APELANTE: STEFANY TUNISSI VASQUES
Advogados do(a) APELANTE: ALEX TAVARES DE SOUZA - SP231197-N, JAIRO FELIPE
JUNIOR - SP84913-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002375-40.2014.4.03.6118
RELATOR:Gab. 52 - JUIZ CONVOCADO MARCUS ORIONE
APELANTE: STEFANY TUNISSI VASQUES
Advogados do(a) APELANTE: ALEX TAVARES DE SOUZA - SP231197-N, JAIRO FELIPE
JUNIOR - SP84913-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Marcus Orione (Relator):Trata-se de apelação de
sentença pela qual foi julgado improcedente o pedido inicial, objetivando a concessão do
benefício assistencial àpessoa com deficiência.
Em suas razões recursais, sustenta a parte autora que preenche os requisitos exigidos pela
legislação para a concessão do benefício almejado. Busca a reforma da sentença, com a
procedência da postulação.
Sem apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte.
O i. representante do MPF exarou parecer, opinando pelo desprovimento da apelação da autora
(ID 261731997).
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002375-40.2014.4.03.6118
RELATOR:Gab. 52 - JUIZ CONVOCADO MARCUS ORIONE
APELANTE: STEFANY TUNISSI VASQUES
Advogados do(a) APELANTE: ALEX TAVARES DE SOUZA - SP231197-N, JAIRO FELIPE
JUNIOR - SP84913-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Quanto ao mérito, no que se refere à concessão do benefício assistencial, observe-se o
seguinte.
Segundo o art. 203, inciso V, da Constituição Federal, o benefício de um salário-mínimo mensal
deve ser conferido ao idoso e à pessoa com deficiência física.
O primeiro aspecto relevante da norma é o seu cotejo com a renda mensal vitalícia – o que era,
de início, indispensável para se compor, inclusive, o polo passivo, bem como, atualmente, se
revela importante para se compreender a origem do benefício assistencial previsto
constitucionalmente e se chegar a algumas conclusões necessárias.
Embora frequentemente tenhamos presenciado o equívoco de se equipará-las, há que se frisar
que uma coisa era a renda prevista no art. 203, inciso V, da Constituição Federal de 1988;
outra, completamente diversa, era a renda mensal vitalícia prevista no art. 139, da Lei n.º 8.213,
de 24 de julho de 1.991 (e regulamentada pelo art. 281, do Decreto n.º 611, de 21 de julho de
1.992), revogado posteriormente pela Lei 9528 de 1997.
Não obstante ambas contivessem no seu bojo previsão sobre a concessão de um salário-
mínimo aos idosos e deficientes, não poderiam ser confundidas, pelos motivos que se seguem.
Primeiramente, a renda mensal vitalícia integrava "o elenco de benefícios da Previdência
Social" (art. 139, da Lei n.º 8.213, de 1.991), embora com o limite temporal estabelecido pelo
art. 248, do Decreto n.º 611, de 1.992. Já o benefício previsto no art. 203, inciso V, da
Constituição Federal integra "a assistência social" prestada pelo Estado, encontrando-se à
margem dos benefícios previdenciários.
Em segundo lugar, havia requisitos específicos para a concessão da renda mensal vitalícia -
tempo mínimo de filiação à Previdência Social de 12 meses consecutivos ou não; exercício de
atividade abrangida pela Previdência por no mínimo cinco anos; no caso do idoso, exigia-se que
tivesse ocorrido filiação posterior aos sessenta anos sem que se fizesse "jus" aos demais
benefícios previdenciários. Por outro lado, nenhum destes requisitos podem ser exigidos no
caso do disposto na Constituição Federal, sendo o valor devido ao idoso ou inválido atendidas
apenas as exigências - menos severas - do art. 20, da Lei n.º 8.742, de 1.993.
Frise-se, por fim, que o disposto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, trata da
assistência social prestada pelo Estado, independentemente de qualquer contribuição à
Seguridade Social. Há, pois, dois sistemas paralelos: um previdenciário, no qual se insere o
benefício da renda mensal vitalícia, e outro, assistencial, no qual se encontra o salário-mínimo
mensal constitucional.
A distinção foi feita para que se entenda a razão de que um benefício assistencial submeta-se,
ainda com mais razão, a uma lógica constitucional de razoabilidade – fundamental para que se
compreenda as razões seguintes.
No caso dos autos, constata-se que estamos diante do benefício assistencial, com a
correspectiva dispensa de contribuição e demais consectários acima apontados.
Por outro lado, urge frisar que a matéria foi regulada pela Lei n.º 8.742, de 1993.
Conforme a expressão disposição do art. 203, inciso V, da Constituição Federal que: "A
assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à
seguridade social, e tem por objetivos ('caput') : (...) a garantia de um salário mínimo de
benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir
meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei
(inciso V)”.
Primeiramente, cumpre verificamos, quanto ao momento de sua eficácia e aplicabilidade, qual a
classificação da norma insculpida no texto constitucional acima.
Deve-se, inicialmente, constatar que as normas constitucionais, no que concerne à sua eficácia
e aplicabilidade, se subdividem nas seguintes espécies - segundo lição do Prof. José Afonso da
Silva:
a) normas constitucionais de eficácia plena;
b) normas constitucionais de eficácia contida;
c) normas constitucionais de eficácia limitada.
As primeiras são aquelas que possuem a eficácia e aplicabilidade independente de edição de
qualquer norma posterior. Possuem efeitos plenos desde o instante de sua edição.
As segundas são aquelas que, apesar de já produzirem efeitos desde o momento de seu
nascimento, podem vir a ser reduzidas no seu conteúdo por normas posteriores.
As últimas estão entre aquelas que possuem a sua eficácia e aplicabilidade diferida à edição de
norma posterior, que lhes implemente os efeitos.
Entendemos que, a despeito de já produzir o seu efeito desde o momento do nascimento, o
disposto no art. 203, inciso V, pode vir a ser reduzido no seu conteúdo por norma posterior.
Portanto, é caso de norma de eficácia contida.
Não obstante, há que ter bastante cuidado para não se admitir que a "lei regulamentadora" - no
caso trata-se da Lei n.º 8.742, de 07 de dezembro de 1993 - limite demais os termos da
Constituição retirando-lhe a eficácia.
Como já mencionava Hugo de Brito Machado, "admitir possa o legislador ordinário modificar
conceitos da Constituição é admitir que a supremacia constitucional é apenas retórica, e que
supremo na verdade é o legislador".
Assim, basta, para efeitos de concessão de benefícios, a verificação do estado de pobreza
exigido pela Constituição Federal (verificável a partir da expressão: “... que comprovem não
possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família...”).
Na realidade, não apenas a renda “per capita”, mas também outros elementos constantes dos
autos, devidamente analisados, merecem ser destacados para a constatação do estado de
pobreza exigido constitucionalmente, conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça (RESP 222764/SP, RESP 223603/SP, RESP 222777/SP).
Urge afastar também a incidência da decisão na ADIN n.º 1232-1/DF, publicada no D.J.U n.º
172-E, Seção 1, de 09/09/98, p. 2.
Tratando-se de improcedência em ADIN, esta sentença não tem eficácia erga omnes. Nesta
senda:
“... Se adotarmos a ação direta para a declaração de inconstitucionalidade, a lide se fixará em
tais limites e tudo o que se decidir terá força de lei e tal limitação (art. 468, do C.P.C.). Nas
declarações incidenter tantum, porém, o efeito secundário da sentença prevalece como tal
definido em lei. Como o efeito erga omnes se refere apenas à inconstitucionalidade, a decisão
que julga constitucional a norma guardará sua limitação subjetiva apenas inter parte”.
Assim, tendo sido julgado improcedente o pedido, não há como se falar na ocorrência do efeito
erga omnes.
Não estamos aqui discutindo a constitucionalidade ou não do art. 20 da 8.742, de 1993, como
fator de seu afastamento.
Urge apenas frisar que, além da renda familiar, outros elementos são importantes para se
entender que alguém não pode prover a sua subsistência ou tê-la provida por seus familiares. E
estes devem ser subtraídos da própria relação processual em curso, como se faz a seguir. Este
o critério de razoabilidade que acentuamos quando buscamos mostrar, no início, a distinção
entre benefícios de natureza assistencial, como é o caso dos autos, e de índole previdenciária.
Passando à análise dos requisitos necessários à concessão do benefício, restou comprovado
que se trata de pessoa com deficiência, como se constata do laudo pericial (ID 261406186 -
P.32-40).
Entretanto, no caso dos autos, o relatório social de ID 261406186 - p.25-31, realizado em abril
de 2015, afirmou que a renda familiar advém dos salários dos genitores da autora, no valor de
R$ 4.574,610, que o pai trabalha como bancário e a mãe instrutora de autoescola, que as
rendas são fixas, sendo as despesas de R$ 881,90.
Ressalto que a assistente social consignou com relação à infraestrutura e condições gerais de
moradia, que a autora reside com os pais e irmã em imóvel próprio, com ótimo estado de
conservação e organização.
Apesar da informação de que o pai da autora não possui mais vínculo com o Banco Itaú S.A,
confirmado pelo documento de ID 261406186 - p.91, verifica-se que ele não se encontra
desempregado no momento da nova pesquisa efetuada no sistema CNIS, indicando que os
genitores possuem vínculos empregatícios junto àempresa EVERSON J. SANTOS & CIA LTDA.
Além disso, destacou a r. sentença a consulta efetuada ao sistema RENAJUD, indicando que o
pai da autora é proprietário de quatro veículos: R/Millenium Horse, ano 2018, placa GBT 3139;
Dodge Dakota ano 1998, placa CPA 6886; M. Benz/LO 608 D ano 1979, placa CDM 1531 e Fiat
147 ano 1979, placa BQO 6979, e a mãe da autora possui dois veículos: Renault Duster ano
2013, placa FIA 6368 e Fusca 1500 ano 1974, placa BQB 9672, consoante documentos de ID
261406186 - Pág. 117-118.
Importa destacarque a aquisição de um veículo de recente fabricação (2018), no curso deste
processo,ajuizado em 2014, é incompatível com a alegada pobreza descritana inicial.
Assim, não restou caracterizado o estado de pobreza - e não de miserabilidade - exigido pela
Constituição Federal, uma vez que a renda dos que compõem a família é suficiente para cobrir
todos os gastos mensais.
Esclareço que se houver alteração da situação social da autora, poderá pleitear novamente o
benefício perante a esfera administrativa.
Honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), observando-se a exigibilidade da
verba honorária ficará suspensa por 05 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de
insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária
gratuita, nos termos do artigo 98, §3º, do mesmo estatuto processual.
Diante do exposto, nego provimento à apelação da autora.
É o voto.
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DO ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO – AFERIÇÃO DA
POSSIBILIDADE DE O IDOSO OU PESSOA COM DEFICIÊNCIA PROVER A SUA
SUBSISTÊNCIA OU DE TÊ-LA PROVIDA PELA FAMÍLIA - MESMO APÓS A EDIÇÃO DA
LOAS, AUSÊNCIA DO ESTADO DE POBREZA - BENEFÍCIO NÃO CONCEDIDO.
1) Segundo o art. 203, inciso V, da Constituição da República Federativa do Brasil, o benefício
de um salário-mínimo mensal deve ser conferido ao idoso e à pessoa com deficiência, que não
possam prover a sua subsistência ou tê-la provida por sua família.
2) Não restou caracterizado o estado de pobreza - e não de miserabilidade - exigido pela
Constituição Federal, uma vez que a renda dos que compõem a família é suficiente para cobrir
todos os gastos mensais.
3) Honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), observando-se a exigibilidade da
verba honorária ficará suspensa por 05 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de
insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária
gratuita, nos termos do artigo 98, §3º, do mesmo estatuto processual .
4) Apelação da autora improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à
apelação da autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.MARCUS ORIONEJUIZ FEDERAL CONVOCADO
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
