Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0001345-55.2020.4.03.6345
Relator(a)
Juiz Federal LUCIANA JACO BRAGA
Órgão Julgador
15ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
04/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 10/02/2022
Ementa
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. IDOSA. 86 ANOS. REQUISITO ETÁRIO PREENCHIDO NA
DER. RENDA FAMILIAR PER CAPITA SUPERIOR À METADE DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE.
CASA PRÓPRIA EM BOAS CONDIÇÕES. VEÍCULO PRÓPRIO. MISERABILIDADE NÃO
COMPROVADA. BENEFÍCIO INDEVIDO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.
RECURSO DA PARTE AUTORA DESPROVIDO.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
15ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001345-55.2020.4.03.6345
RELATOR:45º Juiz Federal da 15ª TR SP
RECORRENTE: ELZA DOS SANTOS DE OLIVEIRA
Advogados do(a) RECORRENTE: CAIO EDUARDO TADEU DA SILVA - SP426115-A,
LUCIANO SANTEL TADEU DA SILVA - SP377693-N
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001345-55.2020.4.03.6345
RELATOR:45º Juiz Federal da 15ª TR SP
RECORRENTE: ELZA DOS SANTOS DE OLIVEIRA
Advogados do(a) RECORRENTE: CAIO EDUARDO TADEU DA SILVA - SP426115-A,
LUCIANO SANTEL TADEU DA SILVA - SP377693-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A parte autora ajuizou a presente ação na qual objetiva a concessão do benefício assistencial
de prestação continuada, previsto na Lei 8.742/93.
O juízo singular proferiu sentença e julgou improcedente o pedido.
Inconformada, a demandante interpôs o presente recurso. Postulou a ampla reforma da
sentença.
Sem Contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001345-55.2020.4.03.6345
RELATOR:45º Juiz Federal da 15ª TR SP
RECORRENTE: ELZA DOS SANTOS DE OLIVEIRA
Advogados do(a) RECORRENTE: CAIO EDUARDO TADEU DA SILVA - SP426115-A,
LUCIANO SANTEL TADEU DA SILVA - SP377693-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Passo à análise do recurso.
Observo que o benefício de prestação continuada de um salário mínimo foi assegurado pela
Constituição Federal nos seguintes termos:
“Art.203 - A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência
e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, conforme dispuser a lei”.
Apesar de a Lei 10.741/2003 considerar idoso o indivíduo com idade igual ou superior a 60
anos (art. 1º), estabeleceu como idade mínima para o recebimento desse benefício assistencial
65 anos (art. 34, caput), requisito também previsto no art. 20, caput, da Lei 8.742/1993, com
redação dada pela Lei 12.435/2011.
No caso concreto, o requisito etário foi atendido na DER (09/11/2018, não contestada pelo
INSS), pois a autora nasceu em 10/06/1934 (ID 163986019, p. 50).
Quanto à hipossuficiência econômica, a Lei 8.742/1993 instituiu um critério objetivo,
considerando incapaz de prover a própria manutenção a pessoa portadora de deficiência ou
idosa pertencente a família cuja renda mensal per capita seja a inferior a ¼ do salário mínimo.
O Superior Tribunal de Justiça vinha decidindo pela possibilidade de utilização de outros
critérios para a aferição da miserabilidade do postulante. Em julgamento de recurso especial
repetitivo, fixou a seguinte tese:
“A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo” (STJ, 3ª Seção, REsp 1.112.557/MG, rel. min. Napoleão Nunes
Maia Filho, j. 28/10/2009, public. 20/11/2009, Tema 185).
Anos mais tarde, o Pretório Excelso alterou sua posição a respeito do critério legal de
miserabilidade, firmando a seguinte tese de repercussão geral:
“É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar
mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para
concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da
Constituição” (STF, Plenário, RE 567.985/MT, rel. min. Marco Aurélio, rel. para acórdão min.
Gilmar Mendes, j. 18/4/2013, DJe 2/10/2013, Tema 27).
Para melhor compreensão desse entendimento, transcrevo trecho da ementa (grifo no original):
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo
Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que ‘considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a
1/4 (um quarto) do salário mínimo’.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a
Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01,
que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias
mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da
Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento”.
Tratando-se de decisão proferida em controle concreto de constitucionalidade, a eficácia se
restringe ao caso analisado e ao campo dos precedentes judiciais, não tendo o condão de
retirar o dispositivo legal do ordenamento jurídico, tal como se dá no controle abstrato (art. 102,
§ 2º, da CF). De toda forma, apesar de o Pretório Excelso ter declarado a inconstitucionalidade
parcial do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993, não lhe aplicou a sanção de nulidade.
Como relata Frederico Amado (“Curso de Direito e Processo Previdenciário”. 9. ed. Salvador:
JusPodivm, 2017, p. 57), tentou-se modular a eficácia da decisão para 31/12/2015, a fim de que
o Congresso Nacional tivesse tempo de alterar a Lei Orgânica da Assistência Social, porém não
foi alcançado o quórum de 2/3.
A posição do STF foi encampada pelo legislador em 2015, quando da edição do Estatuto da
Pessoa com Deficiência, que acrescentou o § 11 ao art. 20 da Lei 8.742/1993, in verbis:
“§ 11. Para concessão do benefício de que trata ocaputdeste artigo, poderão ser utilizados
outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de
vulnerabilidade, conforme regulamento”.
Como se nota, o critério da renda mensal inferior a 1/4 do salário-mínimo continua em vigor no
ordenamento jurídico, mas deve ser analisado em conjunto com outros elementos para que se
possa detectar a hipossuficiência econômica do requerente. Para tanto, nos termos da Súmula
79 da TNU, aprovada em 15/4/2015:
“Nas ações em que se postula benefício assistencial, é necessária a comprovação das
condições socioeconômicas do autor por laudo de assistente social, por auto de constatação
lavrado por oficial de justiça ou, sendo inviabilizados os referidos meios, por prova
testemunhal”.
A conclusão acima é chancelada pela Turma Nacional de Uniformização, que, em julgamento
de recurso representativo da controvérsia, fixou a seguinte tese:
“O critério objetivo consubstanciado na exigência de renda familiar per capita inferior a ¼ do
salário-mínimo gera uma presunção relativa de miserabilidade, que pode, portanto, ser afastada
por outros elementos de prova” (TNU, PEDILEF 5000493-92.2014.4.04.7002, rel. juiz federal
Daniel Machado da Rocha, j. 14/4/2016, public. 15/4/2016, Tema 122).
Sem embargo dessas constatações, proliferaram no território nacional inúmeras decisões em
Ações Civis Públicas que passaram a impor ao INSS adoção de critérios regionais e
diferenciados para a concessão do benefício.
Esse fato contribuiu para nova e recente alteração legislativa a respeito do tema (Lei 14.176/21)
que deu a seguinte redação ao §11 do artigo 20 da Lei 8.472/93
O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal
familiarper capitaprevisto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o
disposto no art. 20-B desta Lei.
.....................................................................................................................” (NR)
“Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da
situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os
seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensalper capitade
que trata o § 11-A do referido artigo:
I – o grau da deficiência;
II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e
III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei
exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos
especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados
gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que
comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.
§ 1º A ampliação de que trata ocaputdeste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais,
definidas em regulamento.
§ 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III
docaputdeste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III docaputdeste artigo.
§ 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I docaputdeste artigo será aferido por meio de
instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos§§ 1º e 2º do art. 2º da Lei
nº 13.146, de 6 de julho de 2015(Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do
art. 40-B desta Lei.
§ 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que
trata o inciso III docaputdeste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania,
da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir
de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades,
facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em
regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios.”
Nestes termos, o deferimento da prestação deverá observar a existência dessas situações que
permitem a superação do limite de ¼ de salário mínimo como renda per capita no núcleo
familiar.
Por último, anoto que o STJ, no julgamento do Tema 640 ampliou o alcance da norma que
consta do artigo 34 do Estatuto do Idoso. Eis a decisão do Tribunal:
STJ – Tema 640 (Recursos Repetitivos) – Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto
do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa
com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
Dessa forma, nos casos de núcleos familiares compostos simultaneamente por idosos e
deficientes, o benefício previdenciário no valor de um salário mínimo não e computado no
cálculo da renda per capita.
No que tange ao grupo familiar, assinalo que com o advento da Lei 12.435/2011, a família é
integrada pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Em relação a esse ponto, não se pode perder de vista o princípio da subsidiariedade, pelo qual
a atuação do Estado só se justifica quando o indivíduo e os grupos sociais intermediários são
incapazes de resolver determinado problema.
Apesar de a Constituição Federal não empregar essa expressão, a norma jurídica pode ser
extraída, no campo da assistência social, tanto do art. 203, V, quanto de outros dispositivos
analisados de forma sistemática.
Segundo o art. 193, “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o
bem-estar e a justiça sociais”.
Dentro do Título VIII (“Da Ordem Social”) está o capítulo relativo à seguridade social, que se
divide em três subsistemas: saúde, previdência e assistência social (art. 194, caput).
O Capítulo VII do mesmo Título, por sua vez, trata da família, criança, adolescente, jovem e
idoso. O art. 226 reconhece a família como base da sociedade e lhe assegura especial proteção
do Estado. O art. 229 contempla o princípio da solidariedade familiar, assim expresso: “Os pais
têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de
ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
Do exposto, pode-se afirmar que o indivíduo é o principal responsável pelo atendimento de suas
necessidades. Caso enfrente situação que não lhe permita prover o seu sustento, deverá ser
amparado por sua família, nos termos da lei de regência (art. 5º, II, da CF). Na hipótese de os
familiares legalmente obrigados a colaborar com o sustento do membro carente também não
terem condições de fazê-lo, aí sim o indivíduo poderá acionar o Estado, para deste receber
assistência social.
Vê-se, portanto, que o BPC-LOAS não é instrumento para afastar o dever de prestar alimentos
de modo a “socializar” os gastos da família com seus idosos e dependentes portadores de
deficiência. Além disso, não tem por finalidade complementar a renda familiar ou proporcionar
maior conforto à parte interessada, mas amparar a pessoa deficiente ou idosa em efetivo
estado de miserabilidade.
Estabelecidas essas premissas, sublinho que, no caso concreto, do exame do estudo
socioeconômico, constata-se que nãohá situação de miserabilidadea ser tutelada.
Nos termos do § 1º do art. 20 da Lei 8.742/1993, o grupo familiar é composto por duas pessoas:
a autora e seu filho, maior de idade.
A renda mensal da família provém exclusivamente do salário formal do filho, no valor
aproximado de R$ 1.600,00, ou seja, consideravelmente superior ao salário mínimo vigente na
data da perícia socioeconômica (16/10/2020), nos termos do Decreto 14.013/2020.
Por conseguinte, a renda per capita do grupo familiar é superior à metade do salário mínimo.
Além disso, observando os autos, verifico que a autora tem suas necessidades básicas
garantidas.
Nesse sentido, o laudo socioeconômico acostado aos autos revelou que o grupo familiar vive
em imóvel próprio, em bom estado de conservação, guarnecido de móveis e eletrodomésticos
essenciais. A residência está localizada em bairro com infraestrutura básica e serviços públicos,
não havendo elementos que denotem a condição de miserabilidade atestada pela autora, como
também ilustra o acervo fotográfico anexo (ID 163986189).
Além de não possuir custos de aluguel, há notícia nos autos de que o grupo familiar possui
veículo próprio, internet e TV a cabo.
Por derradeiro, em que pese ter a autora informado a respeito das suas condições de saúde,
entendo que a família vive de forma digna e se encontra bem amparada, tendo suas
necessidades básicas atendidas.
No ponto, a sentença restou assim fundamentada:
“(...) A parte autora nasceu no dia 20/07/1934 (evento 02 - fls. 50) e conta com 86 (oitenta e
seis) anos de idade. Assim sendo, tratando-se de pessoa idosa, desnecessária a realização da
perícia médica para demonstrar a deficiência que a incapacita para a vida independente e para
o trabalho, bastando comprovar apenas o seu estado de miserabilidade. A constatação social
realizada nos autos permite concluir que a parte autora NÃO apresenta os critérios para a
concessão do benefício assistencial. Com efeito, o Auto de Constatação incluso narra com
riqueza de detalhes a realidade socioeconômica encontrada pela Sra. Oficiala de Justiça acerca
do núcleo familiar da requerente, dele podendo se extrair o seguinte: “A autora disse morar
sozinha, frisando isso a todo momento, mas as seguintes evidências me levam a crer que o
filho ELIAS LUIS DE OLIVEIRA mora com ela: 1. Vizinhos que não quiseram ser identificados
disseram que a autora vive com o filho solteiro Elias; 2. O local possui toda sorte de
eletrodomésticos, tais como Smart TV, aparelho de ar condicionado portátil, umidificador de ar,
geladeira duplex, freezer, exaustor, fogão, micro -ondas, sanduicheira, computador, bola de
pilates, bicicleta, um notebook aberto sendo carregado na sala (embora a autora dissesse que
não sabia mexer em computadores e mal saber ler e escrever o próprio nome), um computador
com impressora no quarto, aparelho de som no quarto, conexão à internet com modem em
atividade(embora a autora dissesse que não havia nem internet nem TV a cabo ou satélite no
local) havia no chão da garagem uma antena receptora de tv da Vivo, o que não seria jamais
bancado por alguém que alega desamparo e miserabilidade para obter um benefício. 3. Na
garagem da casa da autora, na noite de sexta feira (16/10/2020) e começo da noite de sábado
(17/10/2020) havia o veículo astra hatch prata de placas DMQ 4227, que provavelmente seja do
filho da autora que mora com ela [...]”. Portanto, diante do quanto relatado, concluo que o filho
da autora compõe o seu núcleo familiar, para efeito do disposto no artigo 20, § 1º, da Lei nº
8.742/93. É importante consignar que, conforme entendimento de nossos tribunais superiores
deve ser observado o conceito de família, para fins de apuração de renda per capita, conforme
o disposto no artigo 20, §1º da Lei nº 8.742/93, com as alterações trazidas pela Lei nº 12.435/11
(TRF da 3ª Região - Agravo Legal Em Apelação Cível nº 0003030- 08.2006.4.03.6113/SP –
Relatora Desembargadora Federal Marianina Galante - DOU de 16/12/2011). Sendo assim, a
renda mensal percebida pelo filho solteiro da autora, que com ela coabita, integra o cálculo para
a apuração da renda mensal familiar. Desta forma, ante o que foi alinhavado no auto de
constatação, verifica-se que: a) a autora não aufere renda e reside com as seguintes pessoas;
a.1.) seu filho Elias Luís de Oliveira, solteiro, com 45 anos de idade, possui emprego formal e
renda mensal no valor de R$ 1.609,03; b) reside em imóvel próprio, em bom estado de
conservação, “sendo muito bem equipado com móveis e eletrodomésticos ” (auto de
constatação – evento nº 22 - fls. 03); c) possuem veículo automotor, modelo Astra Hatch, placas
DMQ 4227, circunstância incompatível com a natureza assistencial do benefício pleiteado.
Mesmo desconsiderado o valor percebido pelo filho, por certo que a condição de miserabilidade
não se apresenta no presente caso, porquanto é conceito incompatível com a verificação de
que a família teve condições de adquirir um carro e consegue mantê-lo, com todos os gastos
que ele acarreta (IPVA, licenciamento, DPVAT, gasolina, manutenção). Ademais, residindo a
família em imóvel próprio, não há gastos com aluguel ou condomínio. Assim sendo, verifica-se
que a renda da família da autora é de R$ 1.609,03 (mil seiscentos e nove reais e três centavos)
ou seja, a renda per capita é de R$ 804,51 (oitocentos e quatro reais e cinquenta e um
centavos), correspondente a 73,13% do salário mínimo atual (R$ 1.100,00) e, portanto, muito
superior àquela determinada pelo § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93. Desse modo, o conjunto
probatório demonstrou que NÃO ficou configurada uma situação de miséria, indispensável para
a concessão do benefício assistencial à pessoa idosa. Deve ser ressaltado que o benefício
assistencial de prestação continuada tem por objetivo o atendimento das necessidades básicas
indispensáveis à sobrevivência daquelas pessoas totalmente incapacitadas para o trabalho ou
idosas, que não possuem qualquer cobertura da previdência social e se encontram em situação
de miséria extrema, não podendo servir como complementação da renda familiar. Sendo assim,
não comprovado o risco social, é indevido o benefício.
(...)”
Atendido o mínimo existencial no caso em exame, não se justifica a intervenção do Poder
Público por meio do pagamento de BPC-LOAS.
Nessa esteira, conclui-se que a sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos, nos
termos do art. 46 da Lei 9.099/1995. Destaco que o Supremo Tribunal Federal, sob a
sistemática da repercussão geral, chancelou essa prática, fixando a seguinte tese:
“Não afronta a exigência constitucional de motivação dos atos decisórios a decisão de Turma
Recursal de Juizados Especiais que, em consonância com a Lei 9.099/1995, adota como
razões de decidir os fundamentos contidos na sentença recorrida” (STF, Plenário Virtual, RE
635.729 RG/SP, rel. min. Dias Toffoli, j. 30/6/2011, DJe 23/8/2011, Tema 451).
Ante todo o exposto, nego provimento ao recurso da parte autora, nos termos da
fundamentação acima.
Fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (ou da
causa, na ausência daquela), devidos pela parte recorrente vencida. A parte ré, se recorrente
vencida, ficará dispensada desse pagamento se a parte autora não for assistida por advogado
ou for assistida pela DPU (Súmula 421 STJ). Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de
assistência judiciária gratuita e recorrente vencida, o pagamento dos valores mencionados
ficará suspenso nos termos do § 3º do art. 98 do CPC – Lei nº 13.105/15.
Dispensada a elaboração de ementa na forma da lei.
É o voto.
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. IDOSA. 86 ANOS. REQUISITO ETÁRIO PREENCHIDO
NA DER. RENDA FAMILIAR PER CAPITA SUPERIOR À METADE DO SALÁRIO MÍNIMO
VIGENTE. CASA PRÓPRIA EM BOAS CONDIÇÕES. VEÍCULO PRÓPRIO. MISERABILIDADE
NÃO COMPROVADA. BENEFÍCIO INDEVIDO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.
RECURSO DA PARTE AUTORA DESPROVIDO. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Quinta Turma
Recursal de São Paulo decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso da parte autora,
nos termos do voto da Relatora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
