
| D.E. Publicado em 30/05/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial e negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0007018-67.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de remessa oficial e de apelação em ação de conhecimento, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa idosa.
O MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando o réu a conceder o benefício assistencial à autora, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data do ajuizamento da ação, e pagar os valores em atraso de uma só vez, além de honorários advocatícios de 10% sobre o valor das prestações vencidas até a data da sentença. Antecipados os efeitos da tutela.
Apela o réu, pleiteando, em preliminar, o recebimento do recurso em ambos os efeitos e a suspensão da tutela concedida; requer a extinção do feito sem resolução do mérito, ante a ocorrência da coisa julgada. No mérito, sustenta que a renda per capita da autora supera o limite legal, porquanto seu esposo é aposentado e aufere um salário mínimo mensal. Caso assim não se entenda, requer a fixação do termo inicial do benefício na data da juntada do estudo social aos autos. Prequestiona a matéria debatida para fins recursais.
Subiram os autos, com contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer, opinando pelo desprovimento do recurso interposto.
É o relatório.
VOTO
Por primeiro, quanto ao recebimento do recurso no seu duplo efeito, pacífica a jurisprudência no sentido de que a sentença que defere ou confirma a antecipação de tutela deve ser recebida apenas no efeito devolutivo. O efeito suspensivo é excepcional, justificado somente nos casos de irreversibilidade da medida. Tratando-se de benefícios previdenciários ou assistenciais, o perigo de grave lesão existe para o segurado ou necessitado, e não para o ente autárquico, haja vista o caráter alimentar das verbas.
De outra parte, cabe ressaltar que a cláusula rebus sic stantibus é inerente à sentença que julga ação com pedido de concessão de benefício previdenciário ou assistencial que tenha causa na incapacidade laborativa do segurado/beneficiário ou no agravamento significativo da sua situação socioeconômica.
É sabido que o laudo médico e o estudo social em que se fundam a sentença não se perpetuam no tempo, uma vez que as condições de saúde do segurado sujeitam-se ao agravamento da doença ou mesmo ao aparecimento de novas moléstias, bem assim a situação socioeconômica do núcleo familiar.
Desta sorte, não há que se falar em ocorrência de coisa julgada material nos feitos relativos à aferição de incapacidade, pois mesmo havendo identidade de partes e de pedidos, a causa de pedir pode ser diversa, em decorrência de eventual alteração das condições socioeconômicas da parte autora e do agravamento de sua patologia, para cuja verificação faz-se mister a regular instrução processual e apreciação do mérito do pedido.
Nesse sentido, traz-se a lume o precedente do e. Superior Tribunal de Justiça:
No mesmo sentido é o entendimento desta Corte Regional:
Passo ao exame da matéria de fundo.
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, § 3º, estabeleceu que o benefício é devido ao deficiente ou idoso maior de sessenta e cinco anos, cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No presente caso, a parte autora cumpriu o requisito etário. Para os efeitos do Art. 20, da Lei 8.742/93 e do Art. 34, da Lei 10.741/03, na data do ajuizamento da ação, a parte autora já era considerada idosa, pois já havia atingido a idade de 81 anos (fl. 11).
Por sua vez, foi comprovado que a parte autora não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Para os efeitos do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, o núcleo familiar é constituído pela autora Tereza de Jesus Toscano, nascida aos 27/12/1932, analfabeta, interditada e seu esposo Alberto José Toscano, nascido aos 19/03/1926, trabalhador rural, titular de benefício de aposentadoria por velhice -trab. rural, no valor de um salário mínimo.
A averiguação social constatou que o casal reside em imóvel próprio, antigo e humilde, composto por seis cômodos, sendo que em alguns deles as paredes estão trincadas e o forro está caindo.
A renda familiar era proveniente do benefício de aposentadoria do cônjuge, no valor de um salário mínimo mensal (R$788,88) e de acordo com o parecer da experta, não era suficiente para atender às necessidades mínimas do casal idoso e doente, pois além das despesas básicas, havia gastos com medicamentos, leite em pó especial (Nutrison), fraldas descartáveis, Albumina, materiais de sonda nasogástrica e luvas, destinados à manutenção da autora, que não eram fornecidos pela rede pública.
Relatou a filha Dirce, que há dois meses, por falta de recursos financeiros para comprar o leite essencial à sobrevivência da mãe, solicitou ajuda ao CRAS (Centro de Referência da Assistência Social), que forneceu duas latas de leite.
Pontou a experta que a autora é portadora de Mal de Alzheimer em estado avançado, não reconhece os familiares, não fala, está acamada há mais de um ano, se alimenta por sonda nasogástrica e que faz uso de fraldas descartáveis e depende da ajuda dos filhos para todas as atividades. Quanto ao seu esposo, que está em tratamento por ser portador de câncer de próstata.
Concluiu a Assistente Social que a autora necessita do benefício para suprir suas próprias necessidades básicas (fls. 98/104).
Os extratos do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS Cidadão, juntados aos autos pela defesa comprovam que a família não possui nenhuma outra renda, além daquela declarada.
Impende elucidar que a curadora da autora, sua filha Dirce Toscano, é casada e não reside com a mãe, conforme comprova o termo de curatela acostado à fl. 08, e embora a autora tenha outros filhos, o estudo social evidencia que também não residem com a genitora, de modo que não integram o seu núcleo familiar.
Nos termos das normas citadas e das jurisprudências colacionadas, excluído o valor de um salário mínimo da renda familiar, que se destina à manutenção do cônjuge idoso, resta demonstrada a insuficiência de recursos para suprir as necessidades vitais da autora, de modo que preenchidos os requisitos, faz jus à percepção do benefício de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93.
No que concerne ao termo inicial do benefício, não merece guarida o pedido formulado pela Autarquia, para fixação na data da juntada do estudo social, considerando o entendimento pacificado pelo c. Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria, in verbis:
Desta feita, em observância ao princípio do non reformatio in pejus, considerando que a parte autora não recorreu da sentença, mesmo tendo requerido administrativamente o benefício, o termo inicial deve ser mantido como fixado pelo Juízo, na data do ajuizamento da ação, em 21/08/2014.
Reconhecido o direito ao benefício assistencial, com reavaliação no prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as parcelas vencidas e a sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e, no que couber, observando-se o decidido pelo e. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme entendimento consolidado na c. 3ª Seção desta Corte (AL em EI nº 0001940-31.2002.4.03.610). A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício concedido, na forma do Art. 124, da Lei nº 8.213/91.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Por derradeiro, quanto ao prequestionamento das demais matérias para fins recursais, não há falar-se em afronta a dispositivos legais e constitucionais, porquanto o recurso foi analisado em todos os seus aspectos.
Ante o exposto, dou parcial provimento à remessa oficial para adequa os consectários legais e os honorários advocatícios e nego provimento à apelação.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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| Nº de Série do Certificado: | 12C82EC7D0223717 |
| Data e Hora: | 17/05/2016 20:06:17 |
