Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000435-73.2020.4.03.6330
Relator(a)
Juiz Federal MARISA REGINA AMOROSO QUEDINHO CASSETTARI
Órgão Julgador
9ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
03/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 11/11/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSO. REQUISITOS. ART. 20 DA LEI Nº
8.742/93. COMPROVAÇÃO. AFERIÇÃO DA MISERABILIDADE. COMPROVAÇÃO DA
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA POR OUTROS MEIOS DE PROVA. JULGAMENTO DO
TEMA PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NOS AUTOS DOS RECURSOS
EXTRAORDINÁRIOS 567.985 E 580.963, SOB A SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
9ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000435-73.2020.4.03.6330
RELATOR:26º Juiz Federal da 9ª TR SP
RECORRENTE: MARIA TERESA DOS SANTOS
Advogado do(a) RECORRENTE: ANDERSON MACOHIN - SP284549-N
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000435-73.2020.4.03.6330
RELATOR:26º Juiz Federal da 9ª TR SP
RECORRENTE: MARIA TERESA DOS SANTOS
Advogado do(a) RECORRENTE: ANDERSON MACOHIN - SP284549-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora em face da sentença que julgou
improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial.
Alega, em síntese, que preenche os requisitos legais necessários para o reconhecimento do
direito à assistência pleiteada, previstos no artigo 20, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.742/93.
Sustenta que, conforme se extrai do laudo social produzido em juízo, se encontra em situação
de vulnerabilidade social, não possuindo condições de prover seu sustento.
Requer a reforma da sentença, para que seja julgado procedente o pedido, a fim de que lhe
seja concedido o benefício desde a data do requerimento formulado na via administrativa.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000435-73.2020.4.03.6330
RELATOR:26º Juiz Federal da 9ª TR SP
RECORRENTE: MARIA TERESA DOS SANTOS
Advogado do(a) RECORRENTE: ANDERSON MACOHIN - SP284549-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso da parte autora merece ser parcialmente acolhido.
Estabelece o artigo 20 da Lei nº 8.742/93, combinado com o artigo 34 do Estatuto do Idoso, que
o benefício assistencial é concedido a partir da verificação de dois requisitos: deficiência ou
idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos, e hipossuficiência individual ou familiar
para prover a subsistência da pessoa deficiente ou idosa.
Não obstante, nos termos do que dispõe o § 4º, do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com redação
conferida pela Lei nº 12.435, de 2011, o benefício pleiteado na presente demanda não pode ser
acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da Seguridade Social ou de outro
regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. Na
hipótese de procedência do pedido, a efetiva implantação do Benefício Assistencial de
Prestação Continuada estará condicionada ao desligamento de qualquer outro programa
governamental de transferência direta de renda, cujo valor percebido mensalmente seja inferior
a 01 (um) salário-mínimo, como o “Bolsa Família”, por exemplo, ao qual a parte, eventualmente,
esteja inserida.
No caso em exame, a documentação acostada à petição inicial demonstra que a parte autora
nasceu em 29 de julho de 1953, contando, atualmente, com 68 (sessenta e oito) anos de idade.
Logo, a recorrente contava com mais de 65 anos por ocasião do requerimento administrativo do
benefício (25/07/2019), sendo, portanto, idosa nos termos da lei.
No que tange ao requisito da hipossuficiência econômica, o laudo socioeconômico evidencia
que a parte se encontra em situação de vulnerabilidade social, não possuindo condições de
prover seu sustento.
Nesse ponto, importa registrar que as questões discutidas no presente recurso já foram
pacificadas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos Recursos Extraordinários
567.985/MT e 580.963/PR, sob a sistemática da Repercussão Geral.
O Ministro Gilmar Mendes, relator para os acórdãos, consignou que a decisão do Supremo
Tribunal Federal proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF - a qual
considerou, na oportunidade, que o § 3º, do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 não é, por si só,
incompatível com a Constituição Federal - não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em
concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Com fundamento no princípio da proibição de proteção insuficiente, o Tribunal entendeu que o §
3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/1993 cumpriu apenas de forma parcial o dever constitucional de
efetivar o inciso V, do art. 203, da Constituição Federal; configurando, assim, omissão
inconstitucional parcial originária.
Por outro lado, a superveniente edição de leis instituidoras de programas de assistência social
no Brasil, que utilizam, atualmente, o valor de ½ salário mínimo como referencial econômico
para a concessão dos respectivos benefícios, revela, em primeiro lugar, um indicador bastante
razoável de que o critério de ¼ do salário mínimo utilizado pela LOAS está defasado e mostra-
se atualmente inadequado como único critério para aferir a miserabilidade exigida pela lei. Em
segundo lugar, constitui um fato revelador de que o próprio legislador vem reinterpretando o art.
203 da Constituição da República segundo parâmetros econômico-sociais distintos daqueles
que serviram de base para a edição da LOAS no início da década de 1990. Esses são fatores
que razoavelmente indicam que, ao longo dos vários anos desde a sua promulgação, o § 3º do
art. 20 da LOAS teve modificada sua interpretação.
Segundo o eminente relator Ministro Gilmar Mendes, trata-se de uma inconstitucionalidade que
é resultado de um processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas
(políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios
assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal negou provimento ao Recurso
Extraordinário nº 567.985 e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, para que seja analisado, em
concreto e caso a caso, a efetiva falta de meios para que o deficiente ou o idoso possa prover a
própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
De outro lado, especificamente quanto à interpretação extensiva ao parágrafo único, do art. 34,
da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), o Supremo Tribunal Federal, na mesma Sessão
Plenária, por maioria, negou provimento ao Recurso Extraordinário nº 580.963 e declarou,
incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial por omissão, sem pronúncia de nulidade, ao
fundamento de que não existe justificativa plausível para discriminação dos portadores de
deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em
relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo.
Importa registrar, ainda, que foi editada recente Súmula pela Turma Regional de Uniformização
dos Juizados Especiais Federais da Terceira Região, com o seguinte teor:
SÚMULA Nº 21 - " Na concessão do benefício assistencial, deverá ser observado como critério
objetivo a renda per capita de ½ salário mínimo gerando presunção relativa de miserabilidade, a
qual poderá ser infirmada por critérios subjetivos em caso de renda superior ou inferior a ½
salário mínimo."
O requisito da hipossuficiência econômica, portanto, há de ser verificado de forma
individualizada pelo magistrado, de acordo com as condições socioeconômicas e
especificidades do caso concreto.
A meu ver, o limite de renda mensal familiar per capita de ½ salário mínimo recentemente
adotado como critério para aferição da miserabilidade em programas sociais como o Fome
Zero, o Renda Mínima e o Bolsa Escola, pode ser adotado como critério de apuração da
miserabilidade para concessão do benefício assistencial - LOAS, desde que os demais
elementos do laudo socioeconômico indiquem a miserabilidade, ou seja, a renda per capta
superior a 1/4 do salário mínimo e até 1/2 salário mínimo per capita, por si só, não pode impedir
a concessão do referido benefício. Ora, referida renda deve ser cotejada e analisada em
conjunto com os demais elementos de prova, em especial a descrição do quadro social do
grupo familiar.
No caso dos autos, constatou-se, mesmo sem considerar as condições particulares do caso,
que decorrem da idade avançada da parte autora, que a renda mensal familiar per capita é
inferior a ½ salário-mínimo vigente à época da elaboração do estudo socioeconômico.
Segundo se extrai do laudo socioeconômico anexado aos autos (visita domiciliar realizada em
18/08/2020), a autora, nascida em 29/07/1953, casada, com ensino fundamental incompleto (4ª
série), do lar, reside com seu esposo, Sr. José Benedito dos Santos, nascido em 18/07/1947,
com ensino fundamental incompleto, aposentado, e com os filhos, Sr. Joaquim José dos
Santos, nascido em 28/04/1972, solteiro, com ensino médio completo, calheiro autônomo
exercendo recentemente a função de pedreiro, e Sr. Carlos Alberto dos Santos, nascido em
16/01/1974, solteiro, com ensino fundamental completo, calheiro autônomo.
Em relação às condições de habitabilidade, a Sra. Assistente Social apresentou as seguintes
informações: “Moram no imóvel há 40 anos. Trata-se de uma casa que veio de herança de
família. Após a partilha dos bens esse imóvel foi desmembrado em duas residências, de um
lado mora a família e sua família, do outro seu cunhado, irmão de seu marido. A residência
apresenta cômodos pequenos, acabamento simples, o piso é revestido com ladrilho, a
cobertura é com telhado e forro de madeira. O estado de conservação da casa é bom.”.
No que concerne à subsistência da recorrente, restou apurado que a renda familiar provém do
benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição recebido por seu esposo
(NB 42/105.986.342-9), com renda mensal no valor de 01 salário-mínimo, da renda auferida
pelo filho Carlos Alberto dos Santos no valor de R$ 300,00, e da renda do filho Joaquim José
dos Santos, no valor de R$ 1.560,00 mensais.
No que concerne à aposentadoria do cônjuge da recorrente, considerando que se trata de
benefício recebido por pessoa idosa, deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita o
benefício assistencial percebido por seu marido, a ser destinado exclusivamente à sua
subsistência, por aplicação analógica do disposto no parágrafo único, do art. 34, da Lei nº
10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
Quanto à renda auferida pelo filho Joaquim José dos Santos, importa observar que, segundo
extrato de consulta ao CNIS juntado aos autos em 27/09/2021, o vínculo empregatício por ele
mantido com a empresa PLW ENGENHARIA LTDA. perdurou apenas de 13/07/2020 a
28/08/2020. Posteriormente, foi contratado pela empresa CONSTRUKATER-CONSTRUTORA
E ENGENHARIA LTDA. em 28/10/2020, vínculo este mantido apenas até 11/12/2020. Não há
novos registros de vínculos empregatícios formais após tal data.
Assim, infere-se que o valor remanescente, referente à renda auferida pelo filho Carlos Alberto
dos Santos, como autônomo na função de calheiro e encanador, gera uma renda familiar per
capita inferior a ½ salário mínimo.
Assim, analisando detidamente a prova documental produzida nestes autos, concluo que ficou
evidenciada a situação de hipossuficiência econômica da recorrente.
Contudo, no que concerne à data de início do benefício, considerando-se a fundamentação
supra, onde foi necessária a mitigação dos requisitos para a concessão do benefício,
notadamente no que concerne ao conceito de miserabilidade, entendo que os atrasados devem
ser pagos tão somente a partir da cessação do último vínculo empregatício do filho da autora,
em dezembro de 2020.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso, para reformar a sentença recorrida e
condenar o INSS a pagar à parte autora o benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da
Constituição Federal, no valor de um salário mínimo mensal, a partir do dia seguinte à cessação
do vínculo empregatício do seu filho com a empresa CONSTRUKATER-CONSTRUTORA E
ENGENHARIA LTDA. (12/12/2020). Condeno a autarquia, ainda, ao pagamento das prestações
vencidas desde então, atualizadas até setembro/2021, observada, se o caso, a prescrição
quinquenal.
Presentes os pressupostos, antecipo os efeitos da tutela final, para que o benefício ora
concedido seja implantado e pago no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, independentemente
de trânsito em julgado. Oficie-se com urgência para cumprimento.
A presente medida antecipatória não inclui o pagamento de atrasados, que serão pagos após o
trânsito em julgado, mediante a expedição de ofício requisitório ou precatório, conforme opção a
ser manifestada pela parte autora em momento oportuno.
Os cálculos atinentes ao montante de atrasados ficam a cargo do juízo de origem.
Juros de mora nos termos do disposto no art. 1º-F, da Lei nº 9.494/97, com a redação dada
pelo art. 5º da Lei nº 11.960/09, e correção monetária de acordo com as disposições do Manual
de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal (Resolução CJF nº
658/2020).
Sem condenação em honorários, face ao disposto no artigo 55, da Lei nº 9.099/1995.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSO. REQUISITOS. ART. 20 DA LEI Nº
8.742/93. COMPROVAÇÃO. AFERIÇÃO DA MISERABILIDADE. COMPROVAÇÃO DA
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA POR OUTROS MEIOS DE PROVA. JULGAMENTO DO
TEMA PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NOS AUTOS DOS
RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS 567.985 E 580.963, SOB A SISTEMÁTICA DA
REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Visto, relatado e discutido
este processo, em que são partes as acima indicadas, decide a Nona Turma Recursal do
Juizado Especial Federal da Terceira Região - Seção Judiciária de São Paulo, por unanimidade,
dar parcial provimento ao recurso da parte autora, nos termos do voto da Juíza Federal
Relatora. Participaram do julgamento os Excelentíssimos Juízes Federais Marisa Regina
Amoroso Quedinho Cassettari, Alessandra de Medeiros Nogueira Reis e Danilo Almasi Vieira
Santos.
São Paulo, 28 de outubro de 2021 (data do julgamento)., nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
