
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001480-20.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: PEDRO JOSE PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: ANA CAROLINA PINHEIRO TAHAN - SP213850-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001480-20.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: PEDRO JOSE PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: ANA CAROLINA PINHEIRO TAHAN - SP213850-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
Cuida-se de juízo de retratação previsto no inciso II do artigo 1.040 do Código de Processo Civil/2015, considerando as decisões proferidas pelo E. Superior Tribunal de Justiça nos REsp 1.355.052/SP e 1.112.557/MG, representativos de controvérsia, que assentaram o entendimento no sentido de que, na verificação dos requisitos para a concessão de benefício assistencial à pessoa com deficiência, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal de 1988, aplica-se, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso para fins de exclusão de benefício previdenciário percebido por idoso, no valor de um salário mínimo, do cálculo da renda per capita prevista no §3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, o qual, por sua vez, não deve ser tido como único meio de prova da condição de miserabilidade do requerente.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001480-20.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: PEDRO JOSE PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: ANA CAROLINA PINHEIRO TAHAN - SP213850-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A questão devolvida a esta Turma diz respeito ao preenchimento do requisito da miserabilidade para a concessão a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência. Nesse sentido também decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG, em sede de repercussão geral.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
O CASO DOS AUTOS.
Insta consignar que o Recurso Especial que ensejou o presente juízo de retratação foi interposto pela parte autora contra o v. acórdão ID prolatado em 29.01.2020 (122963953), que, por unanimidade, negou provimento a sua apelação, mantendo a sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial, ante o não preenchimento do requisito de hipossuficiência/miserabilidade.
Feito esse breve relato, passo ao exame da questão da miserabilidade.
O acórdão em comento negou provimento à apelação da parte autora conforme fundamento que segue:
“Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a concessão do benefício. Confira-se: "Conforme ficou demonstrado nos autos, inicialmente pela informação prestada na petição inicial, a esposa do autor possui renda na ordem de 01 (um) salário mínimo, fruto de pagamento de benefício de auxílio-doença, sendo que, posteriormente, em estudo social realizado nos autos, verificou-se que o próprio demandante desempenha atividade laboral, com acréscimo de renda para o casal na ordem de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais), alcançando uma importância final de R$ 1.074,00 (um mil e setenta e quatro reais). Assim, tem-se que a renda familiar em muito supera o limite de 1/4 (um quarto) per capta, estabelecido no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que, mesmo não sendo absoluto, conforme a jurisprudência vem assentando, não há nos autos situações extraordinárias a justificar a suplantação do limite legal para deferimento do benefício ora pretendido. Importante salientar que o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento assente no sentido de que somente o benefício assistencial eventualmente recebido por outro ente familiar pode ser desconsiderado para cálculo da renda familiar, não sendo esta situação vivenciada nos autos." O estudo social (ID 134387), elaborado em 20.03.2014, revela que: Reside com a parte autora: Sua esposa, Maria Luiza dos Reis Pereira, CPF 350.853.631-91. A parte autora reside em imóvel pertencente ao seu filho, Marcos. Casa de padrão precário, construída de alvenaria, coberta de telhas de amianto, apenas um quarto possui forro, o contra-piso não é recoberto de cerâmica e as portas e janelas de ferro e madeira. Localizado em bairro distante da cidade, provida de rede elétrica e água encanada, não possui saneamento básico. Rua asfaltada. Os móveis e utensílios domésticos são simples e alguns bem conservados. A renda familiar advém da Aposentadoria por Invalidez previdenciária de sua esposa, Maria, no valor de R$ 724,00 e da renda do autor, no valor de R$ 350,00, que recebe de seu filho, Marcos, por ajuda em um Bar de propriedade desse, totalizando R$ 1.074,00. Relataram despesas no valor de R$400,00 – Alimentação; R$ 100,00 – Água; R$ 80,00 – Luz e aproximadamente R$ 120,00 mensal com medicação, totalizando R$ 700,00. Salienta-se que no estudo social consta que o casal possui cinco filhos (Nilson, Edson, Robson, Silvio e Marcos), todos maiores, os quais têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, artigo 229 CF. Depreende-se da leitura do estudo social que, apesar de não se negar a existência de dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas e, nesse sentido, ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade. Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por seus próprios fundamentos.”
Por sua vez, o estudo social (ID 134387), elaborado em 20.03.2014, revela que a parte autora vive com sua esposa, Maria Luiza dos Reis Pereira em imóvel pertencente ao seu filho, Marcos. Casa de padrão precário, construída de alvenaria, coberta de telhas de amianto, apenas um quarto possui forro, o contra-piso não é recoberto de cerâmica e as portas e janelas de ferro e madeira. Localizado em bairro distante da cidade, provida de rede elétrica e água encanada, não possui saneamento básico. Rua asfaltada. Os móveis e utensílios domésticos são simples e alguns bem conservados.
Sobre a renda da casa, consta que sua esposa, Maria, recebe Aposentadoria por Invalidez previdenciária no valor de R$ 724,00 e o autor, recebe o valor de R$ 350,00, de seu filho, Marcos, por ajudar em um Bar de propriedade desse, totalizando R$ 1.074,00.
Relata despesas no importe de R$400,00 – Alimentação; R$ 100,00 – Água; R$ 80,00 – Luz e aproximadamente R$ 120,00 mensal com medicação, totalizando R$ 700,00.
É fato que a renda per capita superior ao limite estabelecido na legislação em vigência, por si só, não constitui óbice à concessão do benefício assistencial, todavia, da análise do conjunto probatório apresentado, não se extrai a existência de miserabilidade. Nesse sentido, consta que a parte autora e sua família encontram-se abrigados em imóvel próprio e contam com rendimento formal, o que, a princípio afasta a vulnerabilidade econômica.
O laudo social não reporta a existência de miserabilidade e não evidencia o não suprimento das necessidades básicas do autor.
Observo que a mera ausência de rendimento próprio não enseja a concessão do benefício assistencial, que só deve ser concedido ante a impossibilidade de sustento pelos familiares, nos termos da legislação em vigência.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Por fim, assento que o quadro fático apresentado neste feito não retrata a condição de miserabilidade e/ou hipossuficiência, razão pela qual resta superado o debate acerca do cálculo da renda per capita familiar, que como já firmado pela jurisprudência dominante, não é a única forma de se averiguar a condição socioeconômica da família.
Ante o exposto, em juízo de retratação negativo, mantenho o acórdão que negou provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 1040, II DO CPC/2015. REsp 1.355.052/SP. Resp 1.112.557/MG. REPRESENTATIVOS DE CONTROVÉRSIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGO 203, V, CF 1988. MISERABILIDADE. §3º DO ARTIGO 20 DA LEI Nº 8.742/93.
1. Aplicação, por analogia, do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. RESP 1.355.052/SP.
2. O teto de ¼ do salário mínimo como renda per capita estabelecido no §3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas que não impede o exame de situações específicas do caso concreto a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. A verificação da renda per capita familiar é uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única. RESP 1.112.557/MG.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparado pela família. Não comprovada a existência de miserabilidade. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Juízo de retratação negativo para manter o acórdão.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu em juízo de retratação negativo, manter o acórdão ID 122963953 que negou provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
