Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5283671-02.2020.4.03.9999
Relator(a) para Acórdão
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Relator(a)
Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
18/12/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 22/12/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E
12.435/2011. LAUDO ELABORADO POR FISIOTERAPEUTA. NULIDADE. MISERABILIDADE
DEMONSTRADA. TUTELA ANTECIPADA MANTIDA.
- Em que pese o profissional fisioterapeuta, em virtude de sua formação na área da saúde, poder
informar sobre as restrições motoras e sensitivas suportadas pelo indivíduo, entendo que o
diagnóstico das patologias, bem como a conclusão sobre a existência ou não de incapacidade ou
deficiência, só pode ser declarada por profissional graduado em medicina, devidamente inscrito
no órgão competente.
- Para verificação do preenchimento do requisito incapacidade/deficiência, carecem estes autos
da devida instrução em primeira instância, uma vez que a r. sentença apreciou o pedido inicial
sem a elaboração de perícia por médico, o que implica cerceamento de defesa e enseja a
nulidade do feito.
- Na hipótese dos autos, a parte autora demonstrou o preenchimento do requisito da
miserabilidade.
- Dada a proximidade do cumprimento do requisito etário pela Autora e tendo em vista a visível
possibilidade de prejuízo à mesma com a anulação do laudo, a que não deu causa, e
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
consequente cassação do benefício, mantenho a tutela antecipada deferida na r. sentença.
- Preliminar acolhida.
- Sentença anulada.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5283671-02.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOANA D ARQUE DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: FREDERICO JOSE DIAS QUERIDO - SP136887-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5283671-02.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOANA D ARQUE DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: FREDERICO JOSE DIAS QUERIDO - SP136887-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta pelo INSS em face de sentença que julgou procedente o pedido
de concessão de benefício assistencial para JOANA D ́ARQUE DA SILVA, nascida em 28-11-
1955, inscrita no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda sob o nº 277.805.518-
57.
Consta a sentença dos autos, cujo dispositivo segue transcrito – ID 136478836:
"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, para conceder à requerente o benefício da
prestação continuada, previsto na Lei Orgânica de Assistência Social, no valor de 01 (um) salário
mínimo mensal, desde o requerimento administrativo, devendo o Instituto Nacional do Seguro
Social implementá-lo em até trinta dias, sob pena de multa a ser oportunamente fixada.
Os valores retroativos deverão observar o quanto disposto no julgamento do acórdão referente ao
tema nº 810 do E. STF para relações jurídicas não tributárias: "art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a
redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a
condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação
jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a
Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da
isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-
tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de
poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei
nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a
redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das
condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de
poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade
(CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação
de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina".
Indevidas custas e despesas processuais, ante a isenção de que goza a autarquia (art. 4º, I, da
Lei 9.289/96) e da justiça gratuita concedida. Em razão da sucumbência, condeno o réu ao
pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da
condenação, nos termos do artigo 85, parágrafo 3º, I, do Código de Processo Civil, com
observância do disposto na Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Dispensado o reexame necessário, conforme artigo 496, §3º, inciso I, do Código de Processo
Civil. Oportunamente, arquivem-se.
P.I.".
A autarquia, irresignada, apresentou recurso de apelação – ID 136478839.
Asseverou que o laudo médico pericial deveria ter sido realizado por médico, e não por
fisioterapeuta. Requereu nulidade do feito.
No que alude à conclusão do laudo, sustentou que a incapacidade apresentada pela parte autora
é parcial.
Alegou, ainda, que os filhos da autora devem sustentá-la e que a responsabilidade do Estado é
subsidiária, consoante art. 229 da Lei Maior.
Requereu conhecimento e provimento do recurso com anulação da sentença recorrida.
Subsidiariamente, pediu inversão do ônus sucumbencial.
Decorrido "in albis" o prazo para apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte –
ID 136478847 e 136478848.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento do recurso – ID 136998854.
É o relatório.
DECLARAÇÃO DE V O T O
Trata-se de apelação em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL, objetivando a concessão do benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da
Constituição Federal.
A e. Relatora proferiu voto dando provimento à apelação do INSS para julgar improcedente o
pedido.
Com a máxima vênia, divirjo da e. Relatora.
Analiso a matéria preliminar arguida pelo INSS.
LAUDO ELABORADO POR FISIOTERAPEUTA
In casu, o juízo a quo baseou o julgamento da lide em laudo pericial formulado por profissional
formado na área de fisioterapia (id 136478810).
Em que pese o profissional fisioterapeuta, em virtude de sua formação na área da saúde, poder
informar sobre as restrições motoras e sensitivas suportadas pelo indivíduo, entendo que o
diagnóstico das patologias, bem como a conclusão sobre a existência ou não de incapacidade ou
deficiência, só pode ser declarada por profissional graduado em medicina, devidamente inscrito
no órgão competente.
Assim, para verificação do preenchimento do requisito incapacidade/deficiência, carecem estes
autos da devida instrução em primeira instância, uma vez que a r. sentença apreciou o pedido
inicial sem a elaboração de perícia por médico, o que implica em cerceamento de defesa e enseja
a nulidade do feito.
Corroborando o entendimento acima exposto, trago à colação precedentes desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO LEGAL. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA OU
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. NULIDADE DE LAUDO PERÍCIAL ELABORADO POR
FISIOTERAPEUTA . DECISÃO FUNDAMENTADA.
I - A parte autora interpõe agravo legal da decisão, que deu provimento ao recurso do INSS, para
anular a r. sentença, devendo os autos retornar à origem para realização de perícia médica a
cargo de profissional da área de medicina.
II - Alega, que o laudo pericial realizado por fisioterapeuta é válido, não existindo irregularidades
ou vícios na sentença de Primeiro Grau, devendo ser mantida na íntegra.
III - Para apuração de eventual presença e grau de incapacidade laborativa, faz-se necessária,
em regra, avaliação com profissional graduado em medicina, devidamente inscrito no órgão
competente.
IV - Em vista de exame pericial executado por fisioterapeuta , nos presentes autos, a anulação da
sentença, com a consequente realização de nova perícia, é medida que se impõe.
(...)
VII - Não merece reparos a decisão recorrida, que deve ser mantida, porque calcada em
precedentes desta E. Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça.
VIII - Agravo improvido.
(TRF3, 8ª Turma, AC nº 0025920-10.2012.4.03.9999, Des. Fed. Rel. Tania Marangoni, e-DJF3 de
06/06/2014).
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-
DOENÇA. LAUDO REALIZADO POR FISIOTERAPEUTA . CERCEAMENTO DE DEFESA.
NULIDADE.
1- Por força do princípio de forma, o laudo elaborado por fisioterapeuta não tem o condão de
suplantar o de perito-médico.
2- Para a concessão da aposentadoria por invalidez e do auxílio-doença, faz-se necessária a
comprovação da incapacidade laborativa da parte autora, a qual poderia ter sido verificada por
meio de perícia médica, uma vez que os documentos acostados à inicial não se prestam a este
fim.
3- O julgamento de mérito sem a elaboração de prova indispensável para a apreciação do
pretendido direito não satisfaz legalmente às exigências do devido processo legal.
4- Apelação provida. Sentença anulada."
(TRF3, 9ª Turma, AC 2016.03.99.007875-3/SP, Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias, e-
DJF3 Judicial 1: 14/06/2016).
"PREVIDÊNCIA SOCIAL. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA OU CONCESSÃO DE
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL ELABORADO POR FISIOTERAPEUTA.
SENTENÇA ANULADA, DE OFÍCIO. APELAÇÃO PREJUDICADA.
I - A conclusão sobre a existência ou não da incapacidade para o trabalho ou desempenho das
atividades habituais só pode ser declarada por profissional graduado em medicina, devidamente
inscrito no órgão competente. O fisioterapeuta pode informar quais as restrições motoras
apresentadas pelo enfermo, entretanto, não tem habilitação para diagnosticar, exercendo sua
atividade sempre orientado por médico, a quem compete a prescrição de tratamentos e a
avaliação de resultados.
II - O laudo pericial acostado aos autos, elaborado por fisioterapeuta , é nulo. Consequentemente,
o juízo a quo acabou por malferir o princípio do contraditório e da ampla defesa, em prejuízo das
partes, impossibilitando a produção de prova essencial para o reconhecimento, ou não, do acerto
da pretensão deduzida na inicial.
III - Sentença anulada, de ofício. Determinação de retorno dos autos à Vara de origem para que
seja produzida prova pericial por médico devidamente inscrito no órgão competente. Apelação
prejudicada.
(TRF3, 9ª Turma, AC 2016.03.99.016526-1/SP, Rel. Des. Fed. Marisa Santos, e-DJF3 Judicial 1:
12/07/2016).
"AÇÃO ORDINÁRIA - PREVIDENCIÁRIO - AUXÍLIO-DOENÇA - LAUDO ELABORADO POR
FISIOTERAPEUTA
- NULIDADE - ANULAÇÃO DA R. SENTENÇA DE OFÍCIO, DETERMINANDO-SE A
REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA, POR PROFISSIONAL MÉDICO - APELAÇÃO
PREJUDICADA.
1. Com efeito, o cenário dos autos reclama a anulação ex officio da r. sentença recorrida, tanto
quanto do r. laudo pericial de fls. 124/135, porquanto lavrado por profissional não graduado em
Medicina (in casu, o exame foi realizado por Terapeuta).
2. A teor da v. jurisprudência desta Nona Turma, a conclusão sobre a existência ou não da
incapacidade para o labor ou desempenho das atividades habituais só pode ser declarada por
profissional graduado em Medicina, devidamente inscrito no órgão competente.
3. O fisioterapeuta pode informar quais as restrições motoras apresentadas pelo enfermo,
entretanto, não tem habilitação para diagnosticar, exercendo sua atividade sempre orientado por
Médico, a quem compete, de forma exclusa, a indicação de tratamentos e a avaliação de
resultados.
4. Quadro especialmente grave se extrai dos autos, posto que o Sr. Perito, vênias todas,
enveredou-se por campo de conhecimento muito distante do de suas especialidades, encerrando
por proferir diagnóstico de depressão (hipomania - F30.0), fls. 131, quesito n. 01, formulado pelo
INSS.
5. Portanto, o laudo pericial acostado aos autos, elaborado por fisioterapeuta , é nulo.
(Precedentes).
6. Consequentemente, flagra-se cerceada a ampla defesa, em prejuízo das partes, vez que não
produzida prova válida essencial para o reconhecimento, ou não, do acerto da pretensão
deduzida na inicial.
7. Impositiva, portanto, a anulação da r. sentença, volvendo os autos à origem, para que novo
laudo seja produzido, por Perito Médico, prejudicada a apelação do INSS.
8. Sentença anulada de ofício, prejudicada a apelação do INSS."
(TRF3, 9ª Turma, AC 1521318, Proc. 00233286120104039999, Rel. Juiz Convocado Silva Neto,
e-DJF3 Judicial 1: 13/01/2015).
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO
PERICIAL FEITO POR FISIOTERAPEUTA. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA ANULADA.
AGRAVO LEGAL PROVIDO. - Muito embora seja profissional com nível universitário e de
confiança do juízo, o fisioterapeuta não é apto a diagnosticar enfermidades. - A perícia judicial em
casos que tais é ato a ser praticado exclusivamente por profissionais habilitados ao exercício da
medicina. -Agravo legal provido."
(TRF3, 8ª Turma, AC 1554295, Proc. 00376940820104039999, Rel. Des. Fed. Marianina Galante,
e-DJF3 Judicial 1: 30/03/2012).
Desta feita, impositivo, pois, remeter-se a demanda ao Juízo a quo, para regular processamento
do feito, com a produção de prova pericial por médico devidamente inscrito no órgão competente,
restando prejudicadas as alegações constantes do apelo interposto.
Entretanto, após análise superficial do estudo social acostado aos autos, à primeira vista, entendo
que restou demonstrada a miserabilidade da parteautora e, diante da proximidade de
cumprimento do requisito etário, a ser implementadoem 28.11.2020, vislumbro presentes os
requisitos para a concessão datutela antecipada,a fim de evitar danos desnecessários à
requerente com a decretação danulidade referida, a que não deu causa.
Nestes termos, mantenho a antecipação da tutela deferida na r.sentença.
Ante o exposto, com a máxima vênia da e. Relatora, voto para acolher a preliminar suscitada pelo
INSS, para anular a r. sentença, determinando o retorno dos autos à Vara de origem, para regular
processamento do feito, na forma acima fundamentada.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5283671-02.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOANA D ARQUE DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: FREDERICO JOSE DIAS QUERIDO - SP136887-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Conheço da apelação em razão da satisfação de seus requisitos.
Registro, inicialmente, não haver nulidade em laudo realizado por fisioterapeuta, cujo registro
profissional seja no CREFITO.
Neste sentido:
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO LEGAL. ART. 557 DO CPC. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ
OU AUXÍLIO-DOENÇA. ARTIGOS 42 A 47 E 59 A 62 DA LEI Nº 8.213, DE 24.07.1991. LAUDO
PERICIAL REALIZADO POR FISIOTERAPEUTA. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO
DESPROVIDO. 1. Em relação à perícia judicial ter sido realizada por profissional da área de
fisioterapia, cumpre observar que não existe mácula no fato de um fisioterapeuta ter produzido o
laudo pericial, tendo em vista tratar-se de profissional com formação superior e com
inquestionável conhecimento técnico nas patologias que acometem a parte autora. Ademais,
cuida-se de hipótese na qual se pode inferir, de forma cristalina, que o perito nomeado -
profissional de confiança do Juízo - procedeu a minucioso exame clínico e confeccionou laudo
pericial bastante elucidativo. 2. Agravo legal a que se nega provimento. (APELREEX 010525-
75.2012.4.03.9999, Rel. Des. Fed. FAUSTO DE SANCTIS, Sétima Turma, e-DJF3 Judicial 1
23/11/2012);
PROCESSUAL CIVIL - PREVIDENCIÁRIO - AGRAVO PREVISTO NO ART. 557, § 1º DO CPC -
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - INCAPACIDADE LABORAL - NÃO CONFIGURAÇÃO -
LAUDO ELABORADO POR FISIOTERAPEUTA - POSSIBILIDADE. I- O laudo apresentado nos
autos encontra-se bem elaborado, por profissional de confiança do Juízo e equidistante das
partes, concluindo de maneira cabal pela ausência de incapacidade laboral da autora no
momento da perícia. II - No que tange ao fato de haver sido executado por fisioterapeuta, vale
destacar que a questão trazida já foi objeto de análise por esta Colenda Décima Turma, restando
decidido que tal fato não é hábil a desconstituir a sentença. III- Agravo da parte autora, interposto
nos termos do art. 557, § 1º do CPC, improvido. (AC 0014052-35.2012.4.03.9999, Rel. Des. Fed.
SERGIO NASCIMENTO, Décima Turma, e-DJF3 Judicial 1 19/09/2012).
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO LEGAL INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA NOS
TERMOS DO ARTIGO 557 DO CPC. AÇÃO AJUIZADA COM VISTAS À CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. AGRAVO IMPROVIDO. - Recurso interposto contra decisão
monocrática proferida nos termos do art. 557 do CPC. -A parte autora preencheu os requisitos
necessários à concessão do benefício assistencial. -A perícia médica elaborada por um
fisioterapeuta, profissional de nível universitário, de confiança do juízo e mostrou-se hábil a
comprovar a presença do requisito incapacidade. - O caso dos autos não é de retratação. O
agravante aduz que a parte autora não faz jus à benesse. - Eventual alegação de que não é
cabível o julgamento monocrático no caso presente, resta superada, frente à apresentação do
recurso em mesa para julgamento colegiado. - Agravo legal não provido. (AC 0012924-
48.2010.4.03.9999, Rel. Des. Fed. VERA JUCOVSKY, Oitava Turma, e-DJF3 Judicial 1
29/09/2011, p. 1602)".
Dessa forma, rejeito a matéria preliminar e passo ao exame do mérito.
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, regulamentado, atualmente,
pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei conferiu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal ao estabelecer, no
citado artigo, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a situação de
miserabilidade ou hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.
DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
A respeito do requisito objetivo, o tema foi levado à apreciação do Pretório Excelso por meio de
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pelo Procurador Geral da República, na qual,
em meio à análise de outros temas, decidiu-se que o benefício de que trata o art. 203, inciso V,
da Constituição Federal pode ser exigido somente a partir da edição da Lei n. 8.742/1993.
Trata-se da ADIN n. 1.232-2, de 27/08/1998, publicada no DJU de 01/06/2001, de relatoria do
Ministro Maurício Correa (RTJ 154/818), na qual o Supremo Tribunal Federal reputou
constitucional a restrição contida no § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993.
Posteriormente, em controle difuso de constitucionalidade, o STF manteve aquele entendimento
(vide RE n. 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Informativo STF n. 179; RE 256.594-6, Rel. Min.
Ilmar Galvão, DJ 28/04/2000, Informativo STF n. 186; RE n. 280.663-3, São Paulo, j. 06/09/2001,
Rel.Min. Maurício Corrêa).
Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a
presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a lei, não afasta a possibilidade de
comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª T.,
Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/09/2002, DJ 21/10/2002, p. 61;REsp n. 222.764, STJ, 5ªT,, Rel. Min.
Gilson Dipp, j. 13/02/2001, DJ 12/03/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min.
Edson Vidigal, DJU 21/02/2000, p. 163).
Recentemente, o STF reviu seu posicionamento e, em sede de repercussão geral,reconheceu
que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/1993 não pode ser considerado taxativo(RE n.
580963, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
No mesmo julgamento, ao examinar, incidenter tantum, a constitucionalidade do parágrafo único
do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003), o Plenário do STF manifestou-se pela
“inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação
aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos
titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo”.
Referido normativo dispõe expressamente que o valor do benefício assistencial auferido por idoso
“não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS”.
Contudo, diante do entendimento consagrado por ocasião do julgamento do RE n. 580963, abriu-
se a possibilidade de exclusão, do cálculo da renda familiar, dos benefícios assistenciais
recebidos por idosos e por deficientes e também dos benefícios previdenciários concedidos ao
idoso, no valor de até um salário mínimo.
A decisão concluiu, ainda, que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode
resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos nos quais, embora o limite legal de
renda per capita seja ultrapassado, evidencia-se um quadro de notória hipossuficiência
econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não apenas das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da
Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas
assistenciais destinados a famílias carentes, considera pobres aqueles que possuem renda
mensal per capita de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/1997,
regulamentada pelos Decretos n. 2.609/1998 e 2.728/1999, as Portarias n. 458 e 879, de
03/12/2001, da Secretaria da Assistência Social, o Decreto n. 4.102/2002, a Lei n. 10.689/2003,
criadora do Programa Nacional de Acesso à Alimentação).
Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993 como
absoluto e único para aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado
Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza – entendida como
a falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial –, para se concluir se é devida ou não a
prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Assim, ao menos desde 14/11/2013 (RE n. 580963), o critério da miserabilidade contido no § 3º
do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de
identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem
presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com
educação.
Nesse diapasão, podem-se estabelecer alguns parâmetros norteadores da análise individual de
cada caso, como, por exemplo: (i) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do
salário mínimo são miseráveis; (ii) nem todos os que percebem renda familiar per capita superior
a ¼ do salário mínimo e inferior a ½ salário mínimo são miseráveis; (iii) nem todos os que
percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser miseráveis; (iv)
todos os que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da
Constituição Federal) não são miseráveis.
Dessa forma, em todos os casos, outras circunstâncias devem ser levadas em conta, mormente
se o patrimônio do requerente também se subsume à noção de hipossuficiência, devendo ser
apurado se vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones
celulares, auxílio permanente de parentes ou de terceiros etc.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer aos desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que nem sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico,
pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
CONCEITO DE FAMÍLIA
Para apurar se a renda per capita do requerente atinge ou não o âmbito da hipossuficiência, faz-
se necessário abordar o conceito de família.
Nesse sentido, o artigo 20 da Lei n. 8.742/1993 estabelecia, para efeitos de concessão do
benefício, os conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/1991, desde
que vivendo sob o mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada
para a vida independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita
inferior a um quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 07/07/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993
e estabeleceu que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela
composta pelo requerente, pelo cônjuge ou companheiro, pelos pais e, na ausência de um deles,
pela madrasta ou pelo padrasto, pelos irmãos solteiros, pelos filhos e enteados solteiros e pelos
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Ao mesmo tempo, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e destes em
relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V,
da Constituição Federal estabelece que o benefício será devido quando o sustento não puder ser
provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no princípio da solidariedade social, conformado
no artigo 3º, I, do Texto Magno.
Com isso, à guisa de regra mínima de coexistência entre as pessoas em sociedade, a técnica de
proteção social prioritária é a família, em cumprimento ao disposto no artigo 229 da Constituição
Federal, que assim estabelece: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores,
e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
A propósito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao
analisar um pedido de uniformização formulado pelo Instituto Nacional de Seguridade Social
(INSS), fixou a tese de que “o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido
se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua
manutenção”. A decisão foi proferida durante sessão realizada em 23/02/2017, em Brasília.
Quanto ao mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n.
8.742/1993, conforme as normas veiculadas pelos artigos 203, V, 229 e 230, da Constituição da
República de 1988, deve ser a de que “a assistência social estatal não deve afastar a obrigação
de prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade
socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da
subsidiariedade”.
SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
À vista da preponderância do dever familiar de sustento, hospedado no artigo 229 da Constituição
Federal, a Assistência Social, tal como regulada na Lei n. 8.742/1993, terá caráter subsidiário em
relação às demais técnicas de proteção social (previdência social, previdência privada, caridade,
família, poupança etc.), considerada a gratuidade de suas prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido “Estado de bem-estar social”, forjado
no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já
havia reconhecido sua inviabilidade financeira, é lícito inferir que ela só deve ser prestada em
casos de real necessidade, sob pena de comprometer – dada a crescente dificuldade de custeio –
a proteção social da coletividade, não apenas das futuras gerações, mas também da atual.
De fato, o benefício previsto no art. 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um) salário
mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no Regime
Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários anos.
Destarte, a assistência social deve ser fornecida com critério, pois, de outro modo, serão gerados
privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais, que é a de
propiciar igualdade e isonomia de condições a todos, observados os fins sociais (não individuais)
da norma, à luz do artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
Diga-se, de passagem, que a concessão indiscriminada do benefício assistencial, mediante
interpretação extensiva ou ampliativa dos requisitos constitucionais, geraria não apenas injustiça
aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que esses deixem de contribuir, ou
mesmo não se filiem ou não contribuam para a Seguridade Social, o que constituiria situação
anômala e gravíssima do ponto de vista atuarial, apta a comprometer o custeio de todo o sistema.
É pertinente rememorar, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner
Balera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: “O Estado é, sobretudo, o
guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor
dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam por todos respeitados os direitos dos pequenos.
Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do
conteúdo da doutrina social cristã – o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos
sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o
Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a
dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos
da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80).” (Centenárias Situações e Novidade
da 'Rerum Novarum', p. 545).
Por fim, quanto a esse tópico, é lícito concluir que quem está coberto pela previdência social está,
em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos: “A
Assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não podem
gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não incentivar
seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência social
estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social, frise-se,
não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou
de outro regime, salvo o de assistência médica.” (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in
Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67
(sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/1998, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais
recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei
n. 10.741/2003).
No que se refere ao conceito de pessoa com deficiência - previsto no § 2º do artigo 20 da Lei n.
8.742/1993, com a redação dada pela Lei n. 13.146/2015, passou a ser considerada aquela com
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
Assim, ratificou-se o entendimento consolidado nesta Corte de que o rol previsto no art. 4º do
Decreto n. 3.298/1999 (regulamentador da Lei n. 7.853/1989, que dispõe sobre a Política
Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência) não era exaustivo. Constatado, portanto, que os
males sofridos pelo postulante impedem sua inserção social, restará preenchido um dos
requisitos exigidos para a percepção do benefício.
Menciona-se também o conceito apresentado pela ONU, elaborado por meio da Resolução n.
3.447 (XXX): “1. O termo ‘pessoa deficiente’ refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar a
si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em
decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais”.
Esse conceito dá maior ênfase à necessidade, inclusive da vida individual, ao passo que o
conceito proposto por Luiz Alberto David Araujo prioriza a questão da integração social, como se
verá.
Nair Lemos Gonçalves apresentou os principais requisitos para sua definição: “desvio acentuado
dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento físico, mental, sensorial
ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento separada, combinada ou
globalmente” (Verbete Excepcionais. In: Enciclopédia Saraiva de Direito, n. XXXIV. São Paulo:
Saraiva, 1999).
Luiz Alberto David Araujo, por sua vez, compilou muitos significados da palavra “deficiente”,
extraídos dos dicionários de Língua Portuguesa. Observa ele que, geralmente, os dicionários
trazem a ideia de que a pessoa deficiente sofre de falta, de carência ou de falha.
Esse autor critica essas noções porque a ideia de deficiência não se apresenta tão simples, à
medida em que as noções de falta, de carência ou de falha não abrangem todas as situações de
deficiência, como, por exemplo, o caso dos superdotados, ou o de um portador do vírus HIV que
consiga levar a vida normalmente, sem manifestação da doença, ou ainda o de um trabalhador
intelectual que tenha um dedo amputado.
Por serem as noções de falta, de carência ou de falha insuficientes à caracterização da
deficiência, Luiz Alberto David Araujo propõe um norte mais seguro para a identificação da
pessoa protegida, cujo fator determinante do enquadramento ou não no conceito de pessoa com
deficiência seja o meio social:
“O indivíduo portador de deficiência, quer por falta, quer por excesso sensorial ou motor, deve
apresentar dificuldades para seu relacionamento social. O que define a pessoa portadora de
deficiência não é falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a
pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O
grau de dificuldade para a sua integração social é o que definirá quem é ou não portador de
deficiência.”(A Proteção Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília:
Ministério da Justiça, 1997, p. 18-22)
Assim, quanto mais complexo o meio social, maior rigor se exigirá da pessoa com deficiência
para sua adaptação social. De outra parte, na vida em comunidades mais simples, como nos
meios agrícolas, a pessoa com deficiência poderá integrar-se com mais facilidade.
Desse modo, o conceito de Luiz Alberto David Araujo é adequado e de acordo com a norma
constitucional, motivo pelo qual é possível seu acolhimento para a caracterização desse grupo de
pessoas protegidas nas várias situações reguladas pela Constituição Federal, nos artigos 7º,
XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII, 203, V e 208, III.
Mas é preciso delimitar a proteção constitucional apenas àquelas pessoas que realmente dela
necessitam, porquanto existem graus de deficiência que apresentam menores dificuldades de
adaptação à pessoa. E essa verificação somente poderá ser feita diante de um caso concreto.
Luiz Alberto David Araujo salienta que os casos-limite podem, desde logo, ser excluídos, como o
exemplo do bibliotecário que perde um dedo ou do operário que perde um artelho; em ambos os
casos, as pessoas continuam integradas socialmente. Em outro exemplo, pequenas
manifestações de retardo mental (deficiência mental leve) podem passar despercebidas em
comunidades simples, pois essa pessoa poderá “não encontrar problemas de adaptação a sua
realidade social (escola, trabalho, família)”, de maneira que não se pode afirmar que ela deverá
receber proteção, “tal como aquele que sofre restrições sérias em seu meio social” (obra citada,
p. 42-43).
“A questão, assim, não se resolve sob o ângulo da deficiência, mas, sim sob o prisma da
integração social. Há pessoas portadoras de deficiência que não encontram qualquer problema
de adaptação no meio social. Dentro de uma comunidade de doentes, isolados por qualquer
motivo, a pessoa portadora de deficiência não encontra qualquer outro problema de integração,
pois todos têm o mesmo tipo de dificuldade” (obra citada, p. 43).
Enfim, a constatação da existência de graus de deficiência é de fundamental importância para
identificar aqueles que receberão a proteção social prevista no art. 203, V, da Constituição
Federal.
Feitas essas considerações, torna-se possível inferir que não será qualquer pessoa com
deficiência que se subsumirá no molde jurídico protetor da Assistência Social.
Noutro passo, o conceito de pessoa com deficiência, para fins de concessão do benefício de
amparo social, foi tipificado no artigo 20, § 2º, da Lei n. 8.742/1993, que em sua redação original
assim dispunha:
“§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.”
Como se vê, pressupunha-se que o deficiente era aquele que: (i) tinha necessidade de trabalhar,
mas não podia, em razão da deficiência; (ii) estava também incapacitado para a vida
independente. Assim, o benefício era devido a quem deveria trabalhar, mas não poderia e, além
disso, não tinha capacidade para a vida independente sem a ajuda de terceiros.
É lícito concluir que, tal como os benefícios previdenciários, o benefício de amparo social,
enquanto vigente a redação original do artigo 20, § 2º, da Lei n. 8.742/1993, era substitutivo do
salário. Isto é, era reservado aos que tinham a possibilidade jurídica de trabalhar, mas não tinham
a possibilidade física ou mental para tanto.
Mas a redação original do artigo 20, § 2º, da LOAS foi alterada pelo Congresso Nacional,
exatamente porque sua dicção gerava um sem número de controvérsias interpretativas na
jurisprudência, sobrevindo a Lei n. 12.435/2011, alterando o teor do dispositivo, que passou a
vigorar com a seguinte redação:
“§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.”
Com a novel legislação, o benefício continuou sendo destinado àqueles deficientes que: (i) tinham
necessidade de trabalhar, mas não podiam, por conta de limitações físicas ou mentais; (ii)
estavam também incapacitados para a vida independente.
Todavia, o legislador, não satisfeito, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da Lei n.
8.742/1993 e o conceito de pessoa com deficiência foi uma vez mais alterado, pela Lei n.
12.470/2011, passando a ter a seguinte dicção:
“§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”
Nota-se que, com o advento dessa lei, dispensou-se a menção à incapacidade para o trabalho ou
à incapacidade para a vida independente como requisito à concessão do benefício assistencial.
Finalmente, a Lei n. 13.146/2015, que “institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência”, com início de vigência em 02/01/2016, novamente alterou a redação do artigo 20, §
2º, da LOAS:
“§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”
Reafirma-se, assim, que o foco, doravante, para fins de identificação da pessoa com deficiência,
passa a ser a existência de impedimentos de longo prazo, apenas e tão somente, tornando-se
despicienda a referência à necessidade de trabalho.
CASO CONCRETO
Atualmente, a parte autora tem 64 (sessenta e quatro) anos.
Completará 65 (sessenta e cinco) anos em 28/11/2020.
Conforme já dito, entendo não haver nulidade em laudo realizado por fisioterapeuta, cujo registro
profissional seja no CREFITO.
Examino, a seguir, condições da parte autora.
No que pertine à incapacidade, esta não restou evidenciada.
Consoante "expert" judicial, a parte autora apresenta incapacidade parcial e permanente,
decorrente de lesão no tornozelo direito, decorrente de acidente de qualquer natureza, ocorrido
em 26/06/2015.
Catalogou a incapacidade como moderada-b7101.2 – tabela CIF/2003.
Segundo o documento, há possibilidade de a parte trabalhar como promotora de vendas ou
recepcionista, apesar dos males que a acometem.
Consequentemente, não se tem o preenchimento do requisito pertinente à incapacidade, tal como
determinado legalmente, para concessão do benefício assistencial.
Neste sentido:
"CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LOAS. DEFICIÊNCIA NÃO CONFIGURADA.
ANÁLISE DA HIPOSSUFICIÊNCIA PREJUDICADA. NÃO PREENCHIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. - O benefício de prestação continuada, previsto no artigo 203, inciso V, da
Constituição da República Federativa do Brasil, consiste na "garantia de um salário-mínimo
mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que
comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua
família" (art. 20, caput, da Lei nº 8.742/1993). - O amparo assistencial exige, para sua concessão,
que o requerente comprove ser idoso com idade igual ou superior a 65 anos (art. 20, caput, da Lei
nº 8.742/1993) ou ter impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial (art. 20, § 2º, da LOAS). - A parte autora não se enquadra no conceito de deficiente, nos
termos do artigo 20, § 2º, da LOAS, uma vez que não possui impedimento para exercer a sua
profissão habitual de trabalhador rural. - Desta forma, não caracterizada a sua deficiência, fica
prejudicada a análise da hipossuficiência econômica, uma vez que os requisitos para a
concessão do benefício são cumulativos. - Apelação da parte autora não provida", (APELAÇÃO
CÍVEL ..SIGLA_CLASSE: ApCiv 5002136-35.2020.4.03.9999 ..PROCESSO_ANTIGO:
..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO:, ..RELATORC:, TRF3 - 9ª Turma, Intimação via sistema
DATA: 29/09/2020 ..FONTE_PUBLICACAO1: ..FONTE_PUBLICACAO2:
..FONTE_PUBLICACAO3:.).
Contudo, em face da proximidade de a parte autora completar 65 (sessenta e cinco) anos, o que
ocorrerá em 28/11/1955, deve-se analisar eventual hipossuficiência financeira da parte autora.
Segundo laudo socioeconômico, a autora é ajudada pelos filhos – ID 136478824.
Reproduzo importante trecho do laudo:
"A requerente não possui renda e não tem meios de prover seu próprio sustento uma vez que
alega não ter condições de exercer atividade remunerada sistematicamente em razão de sua
condição física.
Conta com ajuda dos filhos, dentro das possibilidades dos mesmos, são casados com
compromissos familiares.
Os filhos apresentaram os comprovantes de rendimentos e a listagem das despesas mensais,
anexo.
O filho Walmor Oliveira de Sousa Junior é casado com Cleide Aparecida da Silva Oliveira, com 03
filhos: o rendimento mensal é de R$ 3.408,00, proveniente do contrato temporário (09 meses)
com a empresa GI Group Brasil. Declarou, por escrito, que sua despesa fixa é de
aproximadamente R$ 1.900,00, a esposa não trabalha fora do lar.
A filha Juliana Aparecida Oliveira Rosa é casada com Laércio Carlos de Oliveira, com 02 filhos; o
rendimento mensal perfaz R$ 2.475,90, sendo R$ 1.275,90 o salário de Juliana e R$ 1.200,00 o
salário do esposo. Declarou, por escrito, que sua despesa fixa mensal é de R$ 1.584,00.
A requerente informou que trabalhou como empregada doméstica em várias residências em
Lorena, sem registro em carteira; após o acidente que foi vítima não consegue trabalhar e
depende da ajuda de familiares para sua sobrevivência".
Neste contexto, o que se verifica é que as despesas da autora são subsidiadas por seus filhos,
com emprego e salário.
Considerando-se a subsidiariedade da Assistência Social, concluo pela inexistência dos requisitos
inerentes à respectiva concessão.
Em razão disso, não estão atendidas as disposições do artigo 20, § 2º, da Lei n. 8.742/1993.
Dessa forma, estando ausentes os requisitos exigidos para a concessão do benefício, impõe-se a
reforma da r. sentença nesse ponto.
Condeno a parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios, no importe de 10% (dez por
cento) sobre o valor atualizado da causa. Atuo em consonância com o art. 85, § 2º, do Código de
Processo Civil.
Declaro suspensão da exigibilidade da verba honorária, se e enquanto permanecerem os
benefícios da justiça gratuita.
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito,dou provimento à apelação autárquica
e reformo a sentença de concessão do benefício assistencial previsto no art. 203 da Constituição
Federal.
Informe-se ao INSS, via sistema, para fins de revogação da tutela provisória anteriormente
concedida.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E
12.435/2011. LAUDO ELABORADO POR FISIOTERAPEUTA. NULIDADE. MISERABILIDADE
DEMONSTRADA. TUTELA ANTECIPADA MANTIDA.
- Em que pese o profissional fisioterapeuta, em virtude de sua formação na área da saúde, poder
informar sobre as restrições motoras e sensitivas suportadas pelo indivíduo, entendo que o
diagnóstico das patologias, bem como a conclusão sobre a existência ou não de incapacidade ou
deficiência, só pode ser declarada por profissional graduado em medicina, devidamente inscrito
no órgão competente.
- Para verificação do preenchimento do requisito incapacidade/deficiência, carecem estes autos
da devida instrução em primeira instância, uma vez que a r. sentença apreciou o pedido inicial
sem a elaboração de perícia por médico, o que implica cerceamento de defesa e enseja a
nulidade do feito.
- Na hipótese dos autos, a parte autora demonstrou o preenchimento do requisito da
miserabilidade.
- Dada a proximidade do cumprimento do requisito etário pela Autora e tendo em vista a visível
possibilidade de prejuízo à mesma com a anulação do laudo, a que não deu causa, e
consequente cassação do benefício, mantenho a tutela antecipada deferida na r. sentença.
- Preliminar acolhida.
- Sentença anulada. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por maioria,
decidiu acolher a preliminar suscitada pelo INSS e anular a sentença, determinando o retorno dos
autos à Vara de Origem para regular processamento do feito, nos termos do voto do
Desembargador Federal Gilberto Jordan, que foi acompanhado pela Juíza Federal Convocada
Leila Paiva e pelo Desembargador Federal Batista Gonçalves (4º voto). Vencida a então Relatora,
Juíza Federal Convocada Vanessa Mello, que rejeitava a matéria preliminar e, no mérito, dava
provimento à apelação autárquica. Julgamento nos termos do disposto no art. 942, caput e § 1º,
do CPC. Lavrará acórdão o Desembargador Federal Gilberto Jordan, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
