
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5364044-20.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: ANDRE DE PAULA ALVES
Advogado do(a) APELANTE: GENILDO VILELA LACERDA CAVALCANTE - SP247006-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5364044-20.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: ANDRE DE PAULA ALVES
Advogado do(a) APELANTE: GENILDO VILELA LACERDA CAVALCANTE - SP247006-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
R E L A T Ó R I O
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp 1355052 /SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015)
Feitas essas considerações, passo à análise do conjunto probatório formado nestes autos.
DO CASO DOS AUTOS
A ausência de condições do Autor de prover o seu sustento, ou tê-lo provido pela família, não restou demonstrada.
O estudo social (id 147778174, complementado a id 147778260), de 05.06.2019, informou que o Autor reside com sua genitora e um irmão, em casa que “possui 09 cômodos, sendo 01 sala, 01 cozinha, 01 copa, 03 quartos, 01 banheiro, 01 garagem e 01 varanda... o chão é de piso tablado (taco) e de piso, com forro”, havendo “eletrodomésticos, como uma geladeira, um fogão, dois televisores, um forno layr, um ventilador, um micro-ondas e uma máquina de lavar roupas”.
A genitora do Autor possui um “veículo automotor, sendo Marca/Modelo: GM/Astra Hatch CD, Ano/Modelo: 2002/2002”.
A renda familiar alegada advém do salário auferido pela genitora do Autor, no valor de R$ 1.192,00, somado ao obtido através do trabalho informal do irmão do requerente, que afirma ser esporádico, de aproximadamente R$ 1.500,00.
A genitora do Autor informou que a família “vive de ajuda... dos avós do requerente, com... pagamento de aluguel, pois o irmão requerente trabalha informalmente e são variáveis o valor mensal recebido e... possui suas despesas com o trabalho”.
Foram alegadas diversas despesas, dentre as quais friso as com aluguel de R$ 995,00, telefone fixo e internet de R$ 110,00, combustível de R$ 200,00, financiamento do carro de R$ 600,00 e R$ 270,00 de prestação da TV, perfazendo um total de R$ 3.540,39.
Na inicial o Autor declara que vive em casa “cedida pela avó”, já quando da realização do estudo social, alegou despesa de R$ 995,00 com aluguel.
Na apelação, o Autor desconsiderou o gasto relacionado a aluguel, alegando despesas familiares totais de R$ 2.545,00 (inferior ao montante declarado quando da visita realizada pela Assistente Social).
Conforme consulta ao extrato do CNIS juntado aos autos (id 147778197, pág. 4 e id 147778199, pág. 11), verifica-se que, à época do requerimento administrativo (junho de 2018), a genitora do Autor auferia salário de 1.170,43 e o irmão do mesmo R$ 1.202,06 (quando o salário-mínimo vigente era de R$ 954,00).
Em janeiro do ano em curso, a mãe do requerente auferiu salário de R$ 1.529,00 (dados constantes do sistema CNIS, da Dataprev).
Assim sendo, diante do conteúdo probatório dos autos, dispondo o requerente de estrutura e aparato de bens visivelmente acima da média brasileira (inclusive contraindo dívidas para a aquisição de bens incompatíveis com a hipossuficiência declarada), em que pese mencionar sobreviver com renda insuficiente, entendo que o Autor não está submetido a risco social.
O benefício assistencial é destinado a pessoas em condição de miserabilidade, que destoa da apresentada pelo Autor, pois demonstrou viver em situação socioeconômica favorável se comparada à realidade nacional.
Desta forma, ausente requisito essencial à concessão do benefício assistencial, de rigor a rejeição do pedido inicial, nos termos da r. sentença.
Reforço que, nos termos da fundamentação, a verificação da condição de hipossuficiência não se prende à mera análise aritmética da renda familiar, sendo “necessário o revolvimento de todo o conjunto probatório, através do qual se possa aferir eventual miserabilidade”.
Diante da não comprovação da miserabilidade, prescindível a análise de eventual deficiência do requerente.
Ante o exposto, nego provimento à apelação do Autor e mantenho a r. sentença proferida em primeiro grau de jurisdição, na forma acima fundamentada.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E 12.435/2011. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS.
- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
- Na hipótese dos autos, a parte autora não comprovou o preenchimento do requisito essencial à concessão do benefício assistencial.
- Apelação da parte autora desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
