Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5136966-98.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
17/11/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 19/11/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E
12.435/2011. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. DEVOLUÇÃO DE VALORES.
- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou idoso que comprove
não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
- Na hipótese dos autos, a parte autora não demonstrou o preenchimento do requisito legal da
deficiência.
- Honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa.
- Tutela antecipada revogada. A devolução dos valores recebidos a título de tutela antecipada
revogada deve ser decidida pelo juízo da execução. Artigo 302, I, e parágrafo único, do
CPC/2015 e Julgamento do Tema 692, pelo C. STJ.
- Apelação do réu provida.
- Apelo da parte autora prejudicado.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5136966-98.2021.4.03.9999
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: TALITA LEONARDO DE SOUZA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: VALERIA CRUZ - SP138268-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, TALITA LEONARDO DE
SOUZA
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL, objetivando a concessão do benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da
Constituição Federal.
A r. sentença (id 165985517) julgou procedente o pedido e condenou o INSS a conceder o
benefício pleiteado à parte autora, desde o requerimento administrativo de 09.08.2018,
acrescido dos consectários que especifica. Com tutela antecipada.
Apelação da parte autora (id 165985523) em que requer a fixação do termo inicial do benefício
na data do requerimento administrativo realizado em 26.09.2016 e a alteração dos critérios de
fixação dos consectários legais.
Em suas razões recursais (id 165985528), requer o INSS o recebimento do apelo no duplo
efeito. No mérito, pugna pela reforma da r. sentença, com a improcedência do pedido inicial, por
não padecer a parte autora de deficiência e a condenação da mesma a devolver os valores
pagos a título de tutela revogada.
Com contrarrazões da parte autora.
Subiram a esta Corte.
Parecer do Ministério Público Federal (id 174447747) no sentido do desprovimento das
apelações interpostas.
É o relatório.
vn
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V O T O
Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais,
passo ao exame da matéria objeto de devolução.
DUPLO EFEITO
Com o presente julgamento, resta prejudicado o recebimento do apelo no duplo efeito.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem
como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da
Silva, consiste em:
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa
humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido
normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-
se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a
nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade
individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre
que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem
social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa
e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados
formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa
humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração
da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas
como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social e o art. 203, IV, que instituiu o benefício do amparo social.
A Lei nº 6.179/74 instituiu, em nosso ordenamento jurídico, a renda mensal vitalícia, passando a
ser amparados pela Previdência Social os maiores de 70 anos e os inválidos, definitivamente
incapacitados para o trabalho, desde que não exercessem atividades remuneradas ou não
auferissem rendimentos. O valor do benefício correspondia à metade do maior salário-mínimo
vigente no país, arredondada para a unidade de cruzeiro imediatamente superior, não podendo
ultrapassar 60% do valor do salário-mínimo do local de pagamento.
Com a promulgação da Carta Magna, em 05 de outubro de 1988, o valor do benefício foi
aumentado para 1 (um) salário-mínimo, pelo art. 203, inciso V:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei."
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada,
dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos.
O art. 139 da Lei n.º 8.213/91 dispunha que a renda mensal vitalícia continuaria integrando o
elenco de benefícios da Previdência Social, até que o artigo constitucional fosse
regulamentado.
A Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, deu eficácia ao inciso V do art. 203 da Constituição
Federal e extinguiu a renda mensal vitalícia em seu art. 40, resguardando, entretanto, o direito
daqueles que o requeressem até o dia 31 de dezembro de 1995, desde que preenchidos os
requisitos previstos na Lei Previdenciária.
A Lei de Assistência foi regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995,
posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei assistencial e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos
para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente portador de deficiência ou idoso,
com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e
nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir
de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos,
através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da
edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa portadora de
deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de ser provido pela sua família.
Pessoa portadora de deficiência é a incapacitada para a vida independente e para o trabalho,
em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena
e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na redação dada
pela Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade para a vida independente, por sua vez, não há que ser entendida como aquela
que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o
auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento sem o amparo
de alguém.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do
Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377),
oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida
laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da
ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção
do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação
continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de
locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, de acordo com a Medida Provisória nº 1.473-34,
de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, definiu-se o conceito de família como o
conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo
teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/2011, fora estabelecido, expressamente para os
fins do art. 20, caput, da Lei assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos
solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo
teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo, anoto
que fora ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, pelo Procurador-Geral
da República, julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a
constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93.
Os debates, entretanto, não cessaram, por ser tormentosa a questão e envolver princípios
fundamentais contidos na Carta da República, situação que culminou, inclusive, com o
reconhecimento, pelo mesmo STF, da ocorrência de repercussão geral.
A Suprema Corte acabou por declarar a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal,
inclusive por considerar defasada essa forma meramente aritmética de se apreciar a situação
de miserabilidade dos idosos ou deficientes que visam a concessão do benefício assistencial
(Plenário, RCL 4374, j. 18.04.2013, DJE de 04/09/2013).
No entanto, é preciso que se tenha a possibilidade de ao menos entrever, a partir da renda
informada, eventual quadro de pobreza em função da situação específica de quem pleiteia o
benefício, até que o Poder Legislativo estabeleça novas regras.
Para tanto, faz-se necessário o revolvimento de todo o conjunto probatório, através do qual se
possa aferir eventual miserabilidade. E assim o é diante do princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana, já mencionado no início desta decisão, com vistas à garantia de suas
necessidades básicas de subsistência, o que leva o julgador a interpretar a normação legal de
sorte a conceder proteção social ao cidadão economicamente vulnerável, tal como assentado
no REsp 1112557 julgado sob o rito do art. 543-C do CPC/73.
Confira-se:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO
SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98,
dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas
portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja
família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para
o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de
se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade,
ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Por outro lado, observo que a Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, passou a considerar
como de "baixa renda" a família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo
Federal cuja renda mensal seja de até 2 (dois) salários mínimos, ainda que para os fins
específicos de custeio ali limitado. Na mesma trilha, as Leis que criaram o Bolsa Família
(10.836/04), Programa Nacional de Acesso à Alimentação (10.689/03) e o Bolsa Escola
(10.219/01) estabeleceram parâmetros mais coerentes de renda familiar mínima quanto em
cotejo com aquele estabelecido de ¼ do salário mínimo, agora declarado inconstitucional.
Por fim, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 580.963/PR (DJe 14.11.2013),
assentou a inconstitucionalidade por omissão do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do
Idoso, considerando a "inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores
de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social
em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário
mínimo." Assim, entendo que deve ser excluído do cômputo da renda per capita o valor
decorrente de benefício de valor mínimo recebido por idoso ou inválido, pertencente ao núcleo
familiar.
Nesse sentido, o C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1355052, submetido
ao regimento do art. 543-C do CPC, assentou que não se computa o valor de um salário
mínimo percebido por idoso a título de benefício assistencial ou previdenciário para aferição de
hipossuficiência de núcleo familiar.
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO,
NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no
valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do
benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do
Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código
de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp 1355052 /SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
25/02/2015, DJe 05/11/2015)
Feitas essas considerações, passo à análise do conjunto probatório formado nestes autos.
DO CASO DOS AUTOS
O laudo da perícia médica (id 165985502), de 09.03.2021, concluiu que a parte autora é
portadora de “Transtorno Afetivo Bipolar, transtorno mental caracterizado por fases de elevação
de humor, aumento de energia e da atividade (hipomania), entremeadas por fases de
normalidade e outras de humor depressivo, desânimo e pessimismo (depressão)... CID10 atual
é F31.4 – Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo grave, sem sintomas psicóticos”,
o que acarreta “incapacidade total para o trabalho”, devendo “ser reavaliada no prazo de 6
meses”.
Referiu a Autora que a “doença surgiu aos 11 anos” (nascida em 10.11.1991) e que esteve
internada em 2016.
O experto fixou o início de “sua última incapacidade” em “fevereiro de 2021” (quando da mais
recente internação).
Em consulta aos documentos médicos trazidos aos autos pela parte autora, verifica-se que há
comprovação de início de tratamento de moléstias psiquiátricas em 30.09.2010 (id 165985413,
pág. 3).
Conforme histórico de atendimento junto “à Unidade Mista de saúde de Capela do Alto” (id
165985414), observo que há relato da Autora acerca de internação ocorrida no período de 16 a
28.12.2016 e descritivo de diversas consultas realizadas, de abril de 2017 a maio de 2018, que
caracterizam a requerente como “bem, estável com uso de medicações, sem oscilações de
humor” e, em 03.08.2018, há informação de que a paciente não estava “retirando as
medicações”, o que indicaria que não estaria seguindo o tratamento de forma correta.
Após tal data (03.08.2018), consoante se verifica do atestado fornecido pelo “Conjunto
Hospitalar de Sorocaba”, emitido em 10.06.2019 (id 165985412, pág. 1), a Autora esteve
internada no período de 04.06.2019 a 10.06.2019 (sete dias).
A ação foi proposta em 18.09.2019.
Na data da perícia médica (09.03.2021) a Autora apresentou ao experto atestado médico,
datado em 04.03.2021 (“com CID F31. Utiliza Riss 4mg/dia + Depakene 500 mg/dia”), e
informou internação ocorrida em fevereiro de 2021, o que embasou a fixação do início da
incapacidade pelo senhor perito.
Assim sendo, a despeito de a parte autora comprovar a realização de acompanhamento médico
de moléstia psiquiátrica por longo período e demonstrar lapsos de internação para tratamento,
verifico que há nos autos provas de extensos períodos de controle dos males que a acometem,
sem a demonstração de incapacidade/deficiência, fato, inclusive, ratificado pelo senhor perito,
que identificou a existência de incapacidade laborativa, mais recentemente, desde fevereiro de
2021, com previsão de reabilitação após seis meses.
Portanto, diante do conteúdo probatório dos autos, não vislumbro a possibilidade de
caracterização da requerente como deficiente, nos termos da Lei Assistencial (§ 2°:
"...considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras,
podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com
as demais pessoas").
Ademais, a Autora conta com 29 anos (nascida em 10.11.1991), também não preenchendo o
requisito etário para concessão do benefício.
Saliento que a existência de moléstias, acompanhamento médico e uso de medicamentos não
se traduzem, necessariamente, em deficiência.
Diante da não comprovação da deficiência, prescindível a análise de eventual hipossuficiência
da parte autora.
Desta forma, entendo não demonstrada a deficiência, requisito essencial à concessão do
benefício assistencial, sendo de rigor a rejeição do pedido inicial.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios no valor de 10% do valor da
causa, ficando suspensa sua exigibilidade, por ser beneficiária da justiça gratuita, nos termos do
§3º do art. 98 do CPC.
DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE TUTELA ANTECIPADA
REVOGADA
É de se atentar a superveniência do acolhimento da questão de ordem nos REsp n.
1.734.627/SP, 1.734.641/SP, 1.734.647/SP, 1.734.656/SP, 1.734.685/SP e 1.734.698/SP, que
deu ensejo ao reexame, pelo Superior Tribunal de Justiça, do entendimento anteriormente
firmado no julgamento do REsp 1.401.560/MT (Tema 692), no qual se estabeleceu a
possibilidade de devolução de valores recebidos pela parte autora do Regime Geral da
Previdência Social – RGPS, em virtude de decisão judicial precária, que venha a ser
posteriormente revogada.
Anote-se que foi determinada a suspensão, em todo o país, dos processos que discutem a
matéria, até que se decida pela aplicação, revisão ou distinção do Tema 692/STJ.
Considerando a revogação da tutela antecipada, assinalo que eventual devolução dos valores
recebidos a este título deverá ser analisada e decidida em sede de execução, nos termos do
artigo 302, I, e parágrafo único, do CPC/2015, e de acordo com o que restar decidido no
julgamento do Tema 692, pelo C. Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, dou provimento ao apelo do INSS para reformar a sentença e julgar
improcedente o pedido, devendo ser aplicado o quanto decidido pelo Superior Tribunal de
Justiça no Tema 692 acerca da devolução de valores recebidos a título de antecipação de tutela
e observados os honorários advocatícios na forma acima fundamentada. Prejudicado o apelo
da parte autora.
Revogo a tutela antecipada.
Informe-se ao INSS, via sistema.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E
12.435/2011. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. DEVOLUÇÃO DE VALORES.
- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou idoso que
comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua
família.
- Na hipótese dos autos, a parte autora não demonstrou o preenchimento do requisito legal da
deficiência.
- Honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa.
- Tutela antecipada revogada. A devolução dos valores recebidos a título de tutela antecipada
revogada deve ser decidida pelo juízo da execução. Artigo 302, I, e parágrafo único, do
CPC/2015 e Julgamento do Tema 692, pelo C. STJ.
- Apelação do réu provida.
- Apelo da parte autora prejudicado. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação do INSS, restando prejudicada a apelação da
parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
