Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5000102-09.2019.4.03.6124
Relator(a) para Acórdão
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Relator(a)
Desembargador Federal MARISA FERREIRA DOS SANTOS
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
05/02/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 07/02/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E
12.435/2011. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. CONSECTÁRIOS LEGAIS.
- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou idoso que comprove
não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
- Na hipótese dos autos, a parte autora demonstrou o preenchimento dos requisitos legais da
deficiência e da miserabilidade.
- A renda mensal aferida pelo pai da parte autora, à época da realização do estudo social com 70
anos de idade, no valor de um salário-mínimo, deve ser excluída do cômputo da renda familiar
- O núcleo familiar, composto da parte autora, de sua genitora e de seu irmão, portador de
necessidades especiais, conta, tão somente, com uma renda mensal total de, aproximadamente,
20% acima do salário-mínimo, obtida através de aposentadoria recebida pela mãe da apelante, o
que por si só comprova a situação de miserabilidade.
- O valor total da renda familiar resta muito aquém do valor total considerado de R$ 958,00
(novecentos e cinquenta e oito reais), grande parte por despesas em benefício da própria parte
autora, o que evidencia a situação de miserabilidade em que se encontra a família, dependendo
de renda muito abaixo do mínimo aceitável que pudesse propiciar a simples sobrevivência dos
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
seus membros.
- Oaumento da despesa com aluguelno curso da açãonão pode servir de empecilho à concessão
do benefício assistencial, pois que tal se deve a necessidade de se residir próximo aos serviços
públicos que são utilizados pelosintegrantes do grupo familiar em busca decuidados com a saúde.
Ademais, o direito à moradia é um direito social assim como o lazer, nos termos do artigo 6º da
CF/1988.
- A compra de produto classificado como item supérfluo (chocolate no supermercado), o fato de
possuir mais de um aparelho de TV (modelos antigos), a existência de um suposto direito
indenizatório pago a integrante do núcleo familiar, a alegação não comprovada de propriedade de
motocicleta pela genitora da parte autora, além de outras informações contidas nos autos, não
tem o condão de afastar a miserabilidade no caso em tela.
- O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo, ou seja, em
25/11/2013 (id 45744803 - Pág. 29), eis que a parte autora já era portadora de deficiência aos 25
anos de idade (nascida aos 01/07/1978), nos termos do laudo médico (id 45744806, pág. 18/25),
conforme previsão do art. 20. §2º, I e II.
- Os juros de mora são devidos a partir da citação na ordem de 6% (seis por cento) ao ano, até a
entrada em vigor da Lei nº 10.406/02, após, à razão de 1% ao mês, consonante com o art. 406 do
Código Civil e, a partir da vigência da Lei nº 11.960/2009 (art. 1º-F da Lei 9.494/1997), calculados
nos termos deste diploma legal.
- A correção monetária deve ser aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente (conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal), observados os termos da
decisão final no julgamento do RE n. 870.947, Rel. Min. Luiz Fux.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do autor provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000102-09.2019.4.03.6124
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. MARISA SANTOS
APELANTE: LUCIANA MARIA DA SILVA COSTA
Advogados do(a) APELANTE: CAMILA REGINA TONHOLO BALBINO - SP334312-N,
BENEDITO TONHOLO - SP84036-N, GUSTAVO ALVES BALBINO - SP336748-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000102-09.2019.4.03.6124
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. MARISA SANTOS
APELANTE: LUCIANA MARIA DA SILVA COSTA
Advogados do(a) APELANTE: CAMILA REGINA TONHOLO BALBINO - SP334312-N,
BENEDITO TONHOLO - SP84036-N, GUSTAVO ALVES BALBINO - SP336748-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora): Ação ajuizada contra o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS, para obtenção do benefício assistencial previsto no art. 203, V,
da CF.
Segundo a inicial, a autora é pessoa com deficiência, não tendo condições de prover seu sustento
ou de tê-lo provido por sua família, fazendo jus ao benefício.
Concedidos os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O juízo de 1º grau julgou improcedente o pedido e condenou a autora ao pagamento das custas e
dos honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa, observando-se os benefícios da
justiça gratuita.
Em apelação, a autora sustenta que preencheu os requisitos para a obtenção do benefício.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo improvimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000102-09.2019.4.03.6124
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. MARISA SANTOS
APELANTE: LUCIANA MARIA DA SILVA COSTA
Advogados do(a) APELANTE: CAMILA REGINA TONHOLO BALBINO - SP334312-N,
BENEDITO TONHOLO - SP84036-N, GUSTAVO ALVES BALBINO - SP336748-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
Em sessão de julgamento realizada em 27/11/2019, a Excelentíssima Desembargadora Federal
Marisa Santos proferiu voto negando provimento à apelação da parte autora, mantendo a
improcedência do pedido inicial, nos termos da r. sentençaa quo,sendo acompanhada pela e.
Desembargadora Federal Daldice Santana.
Para melhor inteirar-me a respeito do preenchimento dos requisitos para a concessão do
benefício pleiteado, pedi vista dos autos.
Em razões recursais, sustenta a parte autora o cumprimento dos requisitos necessários à
concessão do benefício assistencial, razão pela qual pugna pela reforma da sentença.
Verifico que o requisito dadeficiência é incontroverso nos autos. Assim sendo, com a devida vênia
da e. relatora, e da Des. Federal Daldice Santana, que a acompanhou, minha divergência cinge-
seao não reconhecimentoda situação de miserabilidade da parte autora.
O estudo social, realizado em 29/05/2015 (id 45744805, pág. 44/49), indicou que a renda familiar
da parte autora era composta de um benefício previdenciário de seu genitor, no valor de um
salário-mínimo (à época R$ 788,00) e da aposentadoria de sua mãe, de R$ 958,00.
O Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 580.963/PR (DJe 14.11.2013), assentou a
inconstitucionalidade por omissão do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso,
considerando a"inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de
deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em
relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário
mínimo."Assim, entendo que deve ser excluído do cômputo da rendaper capitao valor decorrente
de benefício de valor mínimo recebido por idoso ou inválido, pertencente ao núcleo familiar.
Nesse sentido, o C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1355052, submetido ao
regimento do art. 543-C do CPC, assentou que não se computa o valor de um salário mínimo
percebido por idoso a título de benefício assistencial ou previdenciário para aferição de
hipossuficiência de núcleo familiar.
Assim sendo, a renda mensal aferida pelo pai da parte autora, à época da realização do estudo
social com 70 anos de idade, no valor de um salário-mínimo, deve ser excluída do cômputo da
renda familiar.
Nesse contexto, o núcleo familiar, composto da parte autora, de sua genitora e de seu irmão,
portador de necessidades especiais conforme informação extraída do estudo social (id 45744805,
pág. 44/49), fato comprovado conforme laudo de 29/03/2013 colacionado aos autos (id 83119684,
pág. 9/12), por padecer de sequelas de alienação mental, incapaz total e definitivamente, conta,
tão somente, com uma renda mensal total, aproximadamente, 20% acima do salário-mínimo,
obtida através de aposentadoria recebida pela mãe da apelante, o que por si só comprova a
situação de miserabilidade.
Outrossim,conforme expresso no estudo social (id 45744805, pág. 44/49), a renda mensal da
genitora da parte autora é constituída de “R$ 663.58... mais R$ 124,44... de complemento salarial
e R$ 170,00... em cesta básica, totalizando o valor de R$ 958,00... mensais, de maneira que...
vem descontado em seu holerite R$ 250,00... de débito de Sindicato, mensalidade de Sindicato
R$ 32,03... R$ 39,46... e três empréstimos que possui em sua conta nos valores de R$ 182,91...
R$ 26,18... e recentemente no mês de maio fez outro empréstimo no valor de R$ 55,19”,
registrando que tais empréstimos foram contraídos com a finalidade de arcar com despesas de
medicamentos utilizados pelos filhos deficientes quando enfermos, bem como para o pagamento
de aluguéis do imóvel em que reside a família.
Quanto ao débito do sindicato mencionado, o estudo social registrou, conforme informado pela
mãe da parte autora, que foi originado em virtude de pagamento de consulta médica, em
benefício da apelante, por impossibilidade de atendimento de urgência na rede pública.
Tais elementos ratificam o comprometimento do valor total da renda familiar, grande parte em
benefício da própria parte autora, restando muito aquém do valor total considerado de R$ 958,00
(novecentos e cinquenta e oito reais), o que evidencia a situação de miserabilidade em que se
encontra a família, dependendo de renda muito abaixo do mínimo aceitável que pudesse propiciar
a simples sobrevivência dos seus membros.
A alegação de que oaumento do valor doaluguel compromete a renda familiar, o que afastaria o
preenchimento do requisito da miserabilidade, entendo ainda que oaumento do aluguelno curso
da açãonão pode servir de empecilho à concessão do benefício assistencial, pois que tal se deve
a necessidade de se residir próximo aos serviços públicos que são utilizados pelosintegrantes do
grupo familiar em busca decuidados com a saúde. Ademais, o direito à moradia é um direito
social assim como o lazer, nos termos do artigo 6º da CF/1988, que dispõe, "in verbis":
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Destarte, a mera compra de alguns produtoscomestíveis no supermercado, tais como chocolates,
ainda que seja classificado como um item supérfluo, não pode ser um motivo impeditivo para a
concessão do benefício de assistência social.
Ressalto também, que o parecer da assistente social é pela concessão do benefício, postoque, a
despeito de a parte autora ter mais de um aparelho de TV (modelos antigos), bem comoprocurar
melhorar sua condição de moradia, tais fatos não tem o condão de afastar a miserabilidade no
caso em tela.
Verifico ainda, que ofato ventilado nos autos de que a genitora da parte autora seria proprietária
de uma motocicletanão restou comprovado nos autos, sendonegado expressamente.
Finalmente, no tocante a alegação da existência de umdireito indenizatório pago ao irmão da
parte autora, verifica-se dos autos quetal evento ainda não foiconcretizado, de modo que a
penúria do grupo familiar persiste.
Partindo de tais premissas, verifico que a parte autora comprovou o preenchimento dos requisitos
exigidos, razão pela qual entendo que faz jus à concessão do benefício assistencial vindicado.
TERMO INICIAL
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo, ou seja, em
25/11/2013 (id 45744803 - Pág. 29), eis que a parte autora já era portadora de deficiência aos 25
anos de idade (nascida aos 01/07/1978), nos termos do laudo médico (id 45744806, pág. 18/25),
conforme previsão do art. 20. §2º, I e II.
CONSECTÁRIOS
JUROS DE MORA
Conforme disposição inserta no art. 219 do Código de Processo Civil 1973 (atual art. 240 Código
de Processo Civil - Lei nº 13.105/2015), os juros de mora são devidos a partir da citação na
ordem de 6% (seis por cento) ao ano, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/02, após, à razão
de 1% ao mês, consonante com o art. 406 do Código Civil e, a partir da vigência da Lei nº
11.960/2009 (art. 1º-F da Lei 9.494/1997), calculados nos termos deste diploma legal.
CORREÇÃO MONETÁRIA
A correção monetária deve ser aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente (conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal), observados os termos da
decisão final no julgamento do RE n. 870.947, Rel. Min. Luiz Fux.
VERBA HONORÁRIA
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no
princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a
fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado,
com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015,
bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios, a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas
até a sentença de procedência; contudo, uma vez que a pretensão do segurado somente foi
deferida nesta sede recursal, a condenação da verba honorária incidirá sobre as parcelas
vencidas até a data da presente decisão ou acórdão, atendendo ao disposto no § 11 do artigo 85,
do CPC.
CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS
A teor do disposto no art. 4º, I, da Lei Federal nº 9.289/96, as Autarquias são isentas do
pagamento de custas na Justiça Federal.
De outro lado, o art. 1º, §1º, deste diploma legal, delega à legislação estadual normatizar sobre a
respectiva cobrança nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual no exercício da
competência delegada.
Assim, o INSS está isento do pagamento de custas processuais nas ações de natureza
previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal e naquelas aforadas na Justiça do Estado de São
Paulo, por força da Lei Estadual/SP nº 11.608/03 (art. 6º).
Contudo, a legislação do Estado de Mato Grosso do Sul que dispunha sobre a isenção referida
(Leis nº 1.135/91 e 1.936/98) fora revogada a partir da edição da Lei nº 3.779/09 (art. 24, §§1º e
2º), razão pela qual é de se atribuir ao INSS o ônus do pagamento das custas processuais nos
feitos que tramitam naquela unidade da Federação.
De qualquer sorte, é de se ressaltar, que o recolhimento somente deve ser exigido ao final da
demanda, se sucumbente.
A isenção referida não abrange as despesas processuais que houver efetuado, bem como
aquelas devidas a título de reembolso à parte contrária, por força da sucumbência.
Ante o exposto, com a máxima vênia da e. Relatora,dou provimento à apelação da parte autora,
para reformar a r. sentença e julgar procedente o pedido, observados os honorários advocatícios,
nos termos da fundamentação.
Concedo a tutela específica. Oficie-se ao INSS.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000102-09.2019.4.03.6124
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. MARISA SANTOS
APELANTE: LUCIANA MARIA DA SILVA COSTA
Advogados do(a) APELANTE: CAMILA REGINA TONHOLO BALBINO - SP334312-N,
BENEDITO TONHOLO - SP84036-N, GUSTAVO ALVES BALBINO - SP336748-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora): Ação ajuizada contra o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS, para a obtenção do benefício assistencial previsto no art. 203,
V, da CF.
O benefício da assistência social, de caráter não contributivo, tem como alguns de seus princípios
norteadores a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e o enfrentamento da pobreza
no nosso País, que constituem os objetivos fundamentais consagrados no art. 3º, I e III, da CF,
garantindo-se os mínimos sociais àqueles que efetivamente necessitam.
A Lei nº 8.742, de 07.12.1993, regulamentou a Assistência Social, prevista no mencionado art.
203, V, da CF. Em seu art. 20, dispôs sobre as condições para a concessão do benefício: ser
pessoa portadora de deficiência, ou idoso com 70 (setenta) anos ou mais - idade posteriormente
reduzida para 67 (sessenta e sete) anos - e, em ambos os casos, sem condições de prover seu
próprio sustento ou tê-lo provido pela família.
O Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741, de 01.10.2003 - reduziu a idade mínima do idoso para 65
anos - art. 34.
O art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social foi alterado pela Lei nº 12.435, de
06.7.2011 (DOU 07.7.2011), que adotou a expressão "pessoa com deficiência" e a idade de 65
(sessenta e cinco) anos ou mais já prevista no Estatuto do Idoso.
Também o conceito de pessoa com deficiência foi alterado pela nova lei. O § 2º do art. 20 passou
a dispor:
§ 2º. Para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
O § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece que a renda per capita familiar deve ser inferior a ¼
do salário mínimo. A inconstitucionalidade desse dispositivo da LOAS foi arguida na ADIN nº
1.232-1, julgada improcedente por maioria de votos pelo Plenário do STF.
A questão não restou pacificada na jurisprudência do STJ e do próprio STF, que passaram a
adotar o entendimento de que a ADIn nº 1.232-1 não retirou a possibilidade de aferição da
necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar, mas, sim, que o § 3º
do art. 20 estabeleceu uma presunção objetiva e absoluta de miserabilidade. Assim sendo, a
família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo encontra-se em estado de
penúria, configurando tal situação prova incontestável de necessidade do benefício, dispensando
outros elementos probatórios. Daí que, caso suplantado tal limite, outros meios de prova
poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na
situação de absoluta carência de recursos para a subsistência.
Nesse sentido o entendimento do STJ (REsp 222778/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, j.
04.11.1999, DJU 29.11.1999, p. 190):
"A Lei 8742/93, Art. 20, § 3º, quis apenas definir que a renda familiar inferior a ¼ do salário-
mínimo é, objetivamente considerada, insuficiente para a subsistência do idoso ou portador de
deficiência; tal regra não afasta, no caso em concreto, outros meios de prova da condição de
miserabilidade da família do necessitado".
A questão foi novamente levada a julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que
reconheceu a Repercussão Geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário 567985/MT,
Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18/04/2013, publicado em
03.10.2013:
"... O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar
a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a
constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios
objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei
8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia
quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios
mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004,
que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de
notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário
a que se nega provimento" (destaquei).
Continuo mantendo o entendimento anterior porque, a meu ver, a fixação da renda per capita
familiar inferior ao salário mínimo é excludente do bem-estar e justiça sociais que o art. 193 da CF
elegeu como objetivos da Ordem Social.
A fixação do salário mínimo como garantia do trabalhador e do inativo para fins de garantir sua
manutenção e de sua família, com o mínimo necessário à sobrevivência com dignidade,
representa um critério quantificador do bem-estar social que a todos deve ser garantido, inclusive
aos beneficiários do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição.
Nessa linha de entendimento, o correto seria que a renda per capita familiar, para fins de
concessão do BPC, não pudesse ser superior a 1 (um) salário mínimo. Esse critério traria para
dentro do sistema de Assistência Social um número bem maior de pessoas idosas e com
deficiência. Seria dar a todos, dentro e fora do sistema de Assistência Social, o mesmo grau de
dignidade e de bem-estar, reduzindo desigualdades sociais.
A declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da LOAS, na prática, resulta na
inexistência de nenhum critério, abrindo a possibilidade de o intérprete utilizar todos os meios de
provas disponíveis para a verificação da situação de miséria que a lei quer remediar.
Cabe à legislação infraconstitucional a definição dos critérios e requisitos para concessão do
benefício, conforme prevê o art. 203, V, da CF. Deve, para isso, obedecer aos princípios do art.
194, dentre eles a seletividade e distributividade. Ou seja, cabe ao legislador ordinário selecionar
as contingências merecedoras de proteção e distribuí-las de acordo com o número de
beneficiários e o orçamento de que dispõe.
A seletividade e a distributividade, contudo, por serem princípios setoriais, estão conformadas ao
princípio geral do respeito à isonomia. Não pode a lei eleger como discrimen critério violador da
isonomia.
A fixação do critério aferidor da necessidade é atribuição do legislador e não do juiz. Mas, diante
do caso concreto, a jurisdição não pode ser negada por falta de critério legal.
A atividade legislativa não é do Poder Judiciário, de modo que não lhe cabe criar critério que
substitua o previsto no § 3º do art. 20. Porém, parece razoável estabelecer presunção absoluta de
miserabilidade quando a renda per capita familiar for inferior à metade do salário mínimo vigente,
para que, em sendo superior, outras provas possam ser consideradas para averiguar a real
necessidade de concessão do benefício.
O laudo médico-pericial feito em 30.09.2016 (ID – 45744806 - pag 18/25) atesta que a autora é
portadora de retardo mental leve, epilepsia e transtorno mental orgânico ou sintomático,
problemas que a incapacitam de forma total e permanente para a prática de atividade laborativa.
Dessa forma, a situação apontada pelo perito se ajusta ao conceito de pessoa com deficiência
previsto no art. 20, § 2º, I e II.
O estudo social feito em 29.05.2015 (ID - 45744805, pag. 45/49) indica que a autora reside com a
mãe, Neusa Maria da Silva Costa, de 70 anos, o pai, Sebastião Pereira da Costa, de 79, e o
irmão José Carlos Pereira, de 43, em casa alugada. Quanto à renda familiar, a mãe da autora
relatou que “seu cônjuge é aposentado com R$ 788,00 (Setecentos e oitenta e oito reais)
mensais, recebendo no mês de maio R$ 390,00 (trezentos e noventa reais) devido a empréstimos
bancários e a mesma recebe salário base de R$ 663,58 (seiscentos e sessenta e três reais e
quarenta e quatro centavos) de complemento salarial, e R$ 170,00 (cento e setenta reais) em
cesta básica, totalizando o valor de 958,00 (novecentos e cinquenta e oito reais) mensais, de
maneira que salientou que vem descontado em seu holerite R$ 250,00 (duzentos e cinquenta
reais) de débito de Sindicato, mensalidade de Sindicato R$ 32,03 (trinta e dois reais e três
centavos), R$ 39,46 (trinta e nove reais e quarenta e seis centavos) e três empréstimos que
possui em sua conta nos valores de R$ 182,91 (cento e oitenta e dois reais e noventa e um
centavos) R$ 26,18 (vinte e seis reais e dezoito centavos), e recentemente mês de maio fez outro
empréstimo no valor de R$ 55,19 (cinquenta e cinco reais e dezenove centavos). Dona Neusa
relatou que esses empréstimos foram feitos, quando seus filhos ficam doentes, e para não deixar
morrer a mesma, corre atrás para comprar remédio, que segundo ela são caros e quando não os
encontra na rede pública necessita compra-los, e também foram utilizados para pagamento do
aluguel”. A assistente social relata que “a família possui despesas com os filhos, pois ambos
possuem necessidades especiais, recebem ajuda de terceiros que segundo dona Neusa são os
irmãos da igreja que ajudam com cesta básica e por a renda familiar estar quase toda
comprometida devido aos gastos que possuem, o grupo familiar requer Benefício de Prestação
Continuada (BPC) haja vista que iria complementar a renda doméstica”.
A consulta ao CNIS (ID-45744807) informa que o pai do autor, idoso, nascido em 27.11.1935, é
beneficiário de aposentadoria por idade rural, desde 08.11.2000, de valor mínimo; e, quanto à
mãe, idosa, nascida em 14.11.1945, o documento ID-45744808 (pag – 14) informa que é
beneficiária de aposentadoria por idade, pelo Instituto Municipal de Previdência Social de Jales,
no valor de R$ 954,00, na competência de 3/2018.
O irmão não possui registro no Cadastro Nacional de Informações Sociais.
No caso, levando-se em conta as informações do estudo social, bem como os demais elementos
de prova produzidos nos autos, além da renda familiar - de aproximadamente de R$ 1.700,00,
verifico que a situação não pode ser considerada precária e de miserabilidade, para fins de
concessão do benefício assistencial, não fazendo jus ao recebimento do benefício para
complementar a renda doméstica.
Assim, não preenche a autora o requisito da miserabilidade necessário ao deferimento do
benefício.
NEGO PROVIMENTO à apelação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E
12.435/2011. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. CONSECTÁRIOS LEGAIS.
- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou idoso que comprove
não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
- Na hipótese dos autos, a parte autora demonstrou o preenchimento dos requisitos legais da
deficiência e da miserabilidade.
- A renda mensal aferida pelo pai da parte autora, à época da realização do estudo social com 70
anos de idade, no valor de um salário-mínimo, deve ser excluída do cômputo da renda familiar
- O núcleo familiar, composto da parte autora, de sua genitora e de seu irmão, portador de
necessidades especiais, conta, tão somente, com uma renda mensal total de, aproximadamente,
20% acima do salário-mínimo, obtida através de aposentadoria recebida pela mãe da apelante, o
que por si só comprova a situação de miserabilidade.
- O valor total da renda familiar resta muito aquém do valor total considerado de R$ 958,00
(novecentos e cinquenta e oito reais), grande parte por despesas em benefício da própria parte
autora, o que evidencia a situação de miserabilidade em que se encontra a família, dependendo
de renda muito abaixo do mínimo aceitável que pudesse propiciar a simples sobrevivência dos
seus membros.
- Oaumento da despesa com aluguelno curso da açãonão pode servir de empecilho à concessão
do benefício assistencial, pois que tal se deve a necessidade de se residir próximo aos serviços
públicos que são utilizados pelosintegrantes do grupo familiar em busca decuidados com a saúde.
Ademais, o direito à moradia é um direito social assim como o lazer, nos termos do artigo 6º da
CF/1988.
- A compra de produto classificado como item supérfluo (chocolate no supermercado), o fato de
possuir mais de um aparelho de TV (modelos antigos), a existência de um suposto direito
indenizatório pago a integrante do núcleo familiar, a alegação não comprovada de propriedade de
motocicleta pela genitora da parte autora, além de outras informações contidas nos autos, não
tem o condão de afastar a miserabilidade no caso em tela.
- O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo, ou seja, em
25/11/2013 (id 45744803 - Pág. 29), eis que a parte autora já era portadora de deficiência aos 25
anos de idade (nascida aos 01/07/1978), nos termos do laudo médico (id 45744806, pág. 18/25),
conforme previsão do art. 20. §2º, I e II.
- Os juros de mora são devidos a partir da citação na ordem de 6% (seis por cento) ao ano, até a
entrada em vigor da Lei nº 10.406/02, após, à razão de 1% ao mês, consonante com o art. 406 do
Código Civil e, a partir da vigência da Lei nº 11.960/2009 (art. 1º-F da Lei 9.494/1997), calculados
nos termos deste diploma legal.
- A correção monetária deve ser aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente (conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal), observados os termos da
decisão final no julgamento do RE n. 870.947, Rel. Min. Luiz Fux.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do autor provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no
julgamento, a Nona Turma, por maioria, decidiu dar provimento à apelação da parte autora, nos
termos do voto-vista do Desembargador Federal Gilberto Jordan, que foi acompanhado pela
Juíza Federal Convocada Vanessa Mello e pelo Desembargador Federal Toru Yamamoto (que
votaram nos termos do art. 942 caput e §1º do CPC). Vencida a Relatora que lhe negava
provimento, que foi acompanhada pela Desembargadora Federal Daldice Santana. Lavrará
acórdão o Desembargador Federal Gilberto Jordan, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
